Pular para o conteúdo principal

Holandês com 550 filhos faz Europa discutir um limite para doação de esperma

Doador com descendência excessiva pode ter como consequência implicações biolegais (herança), morais (incesto) e degeneração do indivíduo decorrente da endogamia 


Manuel Garcia Ortiz
doutorado em direito, é especializado em bioética e direito da deficiência. Universidade de Castilla-La Mancha, Espanha

Luis Arroyo Jiménez
professor de direito Administrativo, Universidade de Castilla-La Mancha

Amsterdã, uma tarde de verão. Contemplamos a cena de dois jovens que se conhecem e estabelecem um relacionamento casual. A noite termina, felizmente para eles, com um encontro sexual.

No dia seguinte, continuando com esta cena, durante uma conversa em que se conhecem e aprofundam a relação, descobrem (que coincidência) que ambos nasceram por meio de uma técnica de reprodução assistida: a fertilização in vitro (FIV), graças à doação de uma pessoa anônima. Algo que é cada vez mais comum hoje em dia, embora não seja um tema comum de conversa nos primeiros encontros.

Pode surgir uma questão perturbadora: qual é a probabilidade de ter sido o mesmo doador de esperma quem contribuiu para ambos os nascimentos? Ou seja, eles são irmãos por parte de pai.

Em março de 2023, o caso de um doador de esperma holandês que poderia ter gerado mais de 550 filhos chegou aos meios de comunicação social. A mãe de um deles moveu uma ação judicial para impedi-lo de fazer novas doações no futuro.

É claro que o doador recorreu a subterfúgios para burlar as regras das clínicas onde doou, mas aparentemente não cometeu especificamente nenhum crime nos termos da lei holandesa, uma vez que esta não estabelecia nenhum limite ao número de descendentes gerados, embora desde então 2004 eliminou o anonimato completo dos doadores.

Legislação precisa
considerar inclusive
o congelamento
de esperma

Em Espanha, a Lei 14/2006, de 26 de maio, sobre técnicas de reprodução humana assistida, exige um contrato de doação no qual seja garantida a saúde física e mental do doador. A lei garante o anonimato, mas também o direito de acesso à informação genética por parte de filhas e filhos ou dos seus representantes legais por meio de um Registo Nacional de Dadores.

Na verdade, está prevista a possibilidade de revelar a identidade de quem fez a doação em caso de risco de vida do filho ou filha. A mesma norma legal estabelece o limite de seis nascidos vivos, minimizando o risco estatístico de encontro indesejado entre seus descendentes.

Limites para evitar endogamia

A doação de esperma é um processo no qual um homem doa seu esperma para ajudar outras pessoas ou casais que desejam ter filhos. Porém, quando um doador tem descendência excessiva, surgem complicações importantes do ponto de vista estatístico, pois aumenta a probabilidade de um encontro casual entre duas pessoas que são irmãs, geneticamente falando.

Por esta razão, além de se estabelecerem limites à doação relacionados com as condições de saúde do doador — por exemplo, para prevenir infecções transmissíveis por esta via — há também uma tendência para limitar o número de filhos para prevenir situações de endogamia.

Por quê? Essencialmente porque a endogamia, ou seja, gerar descendentes entre parentes ou em grupos populacionais muito pequenos e fechados, pode aumentar as chances de problemas genéticos ligados a doenças transmitidas por genes recessivos. E isso o torna considerado clinicamente desaconselhável.

Além disso, a doação também pode aumentar a probabilidade de ocorrência de situações de incesto por desconhecimento. O problema tem dimensões de natureza científica, moral e jurídica.

A responsabilidade dos doadores

Do ponto de vista ético, surgem questões importantes sobre a responsabilidade dos doadores. Se os dadores não forem honestos e fornecerem informações falsas sobre o número de vezes que doaram esperma ou sobre as suas doenças, a saúde, a liberdade de escolha baseada no conhecimento e o bem-estar das pessoas concebidas através da doação ficam em risco.

No caso do doador holandês, verificamos que ele também fez doações em diversos países da Europa, uma vez que várias clínicas na Holanda vetaram as suas contribuições. A ausência de um registro centralizado e de legislação europeia comum sobre esta matéria facilita a ocorrência dessas situações.

No Reino Unido, a doação anônima de esperma está proibida desde 2005, o que fez com que o número de doações diminuísse significativamente. Também na Alemanha é proibida a doação anônima e é garantido o direito da criança concebida de conhecer a identidade do doador.

Além desta questão, colocada como um conflito entre o direito à saúde e à informação e o direito do doador ao anonimato, a doação e o congelamento de esperma, óvulos e embriões levanta outras questões bioéticas e biolegais.

Por exemplo, em casos de falecimento do doador não anônimo, podem surgir conflitos de interesses entre a sua vontade e o destino desses materiais biológicos. 


Se os gametas (espermatozoides ou óvulos) ou embriões forem congelados e o divórcio e a subsequente morte do doador ocorrerem algum tempo depois, seu ex-parceiro pode usá-los para fins reprodutivos? 

Como isso afeta os direitos dos descendentes sobre a herança paterna? E se a sua utilização não for possível, quem determina as condições da sua destruição?

Como acontece frequentemente nos problemas bioéticos, os avanços tecnológicos ocorrem antes de todas as suas implicações sociais serem regulamentadas e, geralmente, antes que as regulamentações legais contemplem possíveis situações relevantes. Tudo acaba sendo mais complexo e problemático do que inicialmente previsto.

À medida que a tecnologia avança e novas técnicas de reprodução assistida são desenvolvidas, é importante abordar estes dilemas de uma forma bioética e procurar soluções que protejam os direitos de todas as pessoas envolvidas.

É também importante harmonizar a legislação mundialmente por meio de tratados internacionais. E ao nível específico da União Europeia, seria aconselhável ter um sistema de registo comum e diretrizes vinculativas entre os países membros.

> Este artigo foi publicado originalmente em espanhol.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Limpem a boca para falar do Drauzio Varella, cristãos hipócritas!

Varella presta serviço que nenhum médico cristão quer fazer LUÍS CARLOS BALREIRA / opinião Eu meto o pau na Rede Globo desde o começo da década de 1990, quando tinha uma página dominical inteira no "Diário do Amazonas", em Manaus/AM. Sempre me declarei radicalmente a favor da pena de morte para estupradores, assassinos, pedófilos, etc. A maioria dos formadores de opinião covardes da grande mídia não toca na pena de morte, não discutem, nada. Os entrevistados de Sikera Júnior e Augusto Nunes, o povo cristão da rua, também não perdoam o transexual que Drauzio, um ateu, abraçou . Então que tipo de país de maioria cristã, tão propalada por Bolsonaro, é este. Bolsonaro é paradoxal porque fala que Jesus perdoa qualquer crime, base haver arrependimento Drauzio Varella é um médico e é ateu e parece ser muito mais cristão do que aqueles dois hipócritas.  Drauzio passou a vida toda cuidando de monstros. Eu jamais faria isso, porque sou ateu e a favor da pena de mor...

Feliciano manda prender rapaz que o chamou de racista

Marcelo Pereira  foi colocado para fora pela polícia legislativa Na sessão de hoje da Comissão de Direitos Humanos e Minoria, o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP), na foto, mandou a polícia legislativa prender um manifestante por tê-lo chamado de racista sob a alegação de ter havido calúnia. Feliciano apontou o dedo para um rapaz: “Aquele senhor de barba, chama a segurança. Ele me chamou de racista. Racismo é crime. Ele vai sair preso daqui”. Marcelo Régis Pereira, o manifestante, protestou: “Isso [a detenção] é porque sou negro. Eu sou negro”. Depois que Pereira foi retirado da sala, Feliciano disse aos manifestantes: “Podem espernear, fui eleito com o voto do povo”. O deputado não conseguiu dar prosseguimento à sessão por causa dos apitos e das palavras de ordem cos manifestantes, como “Não, não me representa, não”; “Não respeita negros, não respeita homossexuais, não respeita mulheres, não vou te respeitar não”. Jovens evangélicos manifestaram apoio ao ...

Prefeito de São Paulo veta a lei que criou o Dia do Orgulho Heterossexual

Kassab inicialmente disse que lei não era homofóbica

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Deputado gay é ameaçado de morte no Twitter por supostos evangélicos

Resposta do deputado Jean Wyllys O militante gay e deputado Jean Wyllys (PSOL) recebeu hoje (18) pelo Twitter três ameaças de morte de supostos evangélicos. Diz uma delas: "É por ofender a bondade de Deus que você deve morrer". Outra: "Cuidado ao sair de casa, você pode não voltar". A terceira: “"A morte chega, você não tarda por esperar".  O deputado acredita que as ameaças tenham partido de fanáticos religiosos. “Esses religiosos homofóbicos, fundamentalistas, racistas e enganadores de pobres pensam que me assustam com ameaças de morte!”, escreveu ele no Twitter. Wyllys responsabilizou os pastores por essas “pessoas doentes” porque “eles as conduzem demonizando minorias”. Informou que vai acionar as autoridades para que os autores da ameaça seja penalizados. Escreveu: "Vou recorrer à Justiça toda vez que alguém disseminar o ódio racista, misógino e homofóbico no Twitter, mesmo que seja em nome de seu deus". Defensor da união civi...

Drauzio Varella afirma por que ateus despertam a ira de religiosos

Promotor nega ter se apaixonado por Suzane, mas foi suspenso

Gonçalves, hoje com 45 anos, e Suzane quando foi presa, 23 No dia 15 de janeiro de 2007, o promotor Eliseu José Berardo Gonçalves (foto), 45, em seu gabinete no Ministério Público em Ribeirão Preto e ao som de músicas românticas de João Gilberto, disse a Suzane Louise Freifrau von Richthofen (foto), 27, estar apaixonado por ela. Essa é a versão dela. Condenada a 38 anos de prisão pela morte de seus pais em outubro de 2002, a moça foi levada até lá para relatar supostas ameaças de detentas do presídio da cidade. Depois daquele encontro com o promotor, ela contou para uma juíza ter sido cortejadar.  Gonçalves, que é casado, negou com veemência: “Não me apaixonei por ela”. Aparentemente, Gonçalves não conseguiu convencer sequer o Ministério Público, porque foi suspenso 22 dias de suas atividades por “conduta inadequada” e por também por ter dispensado uma testemunha importante em outro caso. Ele não receberá o salário correspondente a esse período. O Fantástico de ontem apre...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus