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Lei da Ozonioterapia: faltam evidências e sobram atropelos

O presidente errou ao sancionar uma lei que, antes de qualquer decisão, deveria ser discutida por cientistas e profissionais da saúde pública 


FERNANDO HELLMANN | Agência Bori
Naturólogo, doutor em Saúde Pública e em 
Bioética e professor do Departamento de 
Saúde Pública da Universidade Federal 
de Santa Catarina (UFSC)

A lei Nº 14.648/2023 que autoriza a ozonioterapia no território nacional, sancionada nesta semana pelo presidente Lula, é um engodo. Ora, a ozonioterapia nunca foi proibida em território nacional – e, inclusive, já era incentivada desde 2018, quando o então ministro da Saúde Ricardo Barros assinou uma portaria incluindo essa prática no rol das práticas integrativas e complementares do Sistema Único de Saúde (SUS).

Lula erra ao sancionar uma lei sobre uma prática de saúde que deveria ser discutida no âmbito da ciência, dos conselhos profissionais, da regulamentação das ocupações e até de agências nacionais reguladoras como a Anvisa. 

A lei é produto do lobby político de associações de ozonioterapia, notadamente a Sociedade Brasileira de Ozônio Medicinal, as quais já haviam feito o mesmo trabalho para que a ozonioterapia fosse incluída na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).

Assim como a PNPIC, a lei sancionada não é clara quanto à regulação de quem poderia aplicar a ozonioterapia de modo seguro e eficaz, já que não informa quais técnicas e protocolos são permitidos de serem feitos no âmbito do SUS ou fora dele. 

Lei favorece classes
de profissionais da saúde
de nível superior

Embora a ozonioterapia seja bem-vinda na PNPIC, já que existem indícios de eficácia clínica de seu uso externo na cicatrização de feridas, é um fato que, como qualquer prática, a ozonioterapia não é isenta de riscos e carece de evidências científicas para várias de suas técnicas e vias de administração. Por exemplo, é muito diferente a aplicação tópica de ozônio, como em banhos de água ozonizada, do que sua aplicação por injeção – seja subcutânea, endovenosa ou intra-articular.

O Mapa de Evidência da Efetividade Clínica da Ozonioterapia Médica, publicado em 2019 pela BIREME/OPAS/OMS, aponta para a falta de estudos em várias técnicas com intervenções por injeção. Além disso, o guia não explicita os estudos incluídos e sua qualidade. 

Outro problema é que não foi declarado o possível conflito de interesse na confecção do referido mapa, já que este foi realizado, sobretudo, por pessoas ligadas à SOBOM (a mesma que fez lobby pela lei) e à World Federation of Ozone Therapy, o que o torna um mapa frágil.

Na prática, a lei dá uma estrutura legal para a aplicação da ozonioterapia limitada a algumas classes de profissionais da saúde de nível superior, as quais deverão regular as técnicas que poderão ser utilizadas. 

Vale ressaltar que essa lei não garante que essa prática seja executada de forma segura, eficaz e padronizada. 

Os conselhos federais de Odontologia (CFO), de Farmácia (CFF), Fisioterapia (COFFITO) e Enfermagem (COFEN) aproveitaram a inclusão da ozonioterapia na PNPIC para regulamentar a atribuição desses profissionais na prática da ozonioterapia. Contudo, em geral, as regulamentações ainda apresentam falhas no que se refere a basear as técnicas em evidências científicas. 

Já o Conselho Federal de Medicina (CFM), embora pudesse autorizar o seu uso tópico, segue uma posição sensata, permitindo que seus profissionais apliquem a ozonioterapia em caráter de pesquisa.

Uma minúscula virtude da lei é o fato de que “o profissional responsável pela aplicação da ozonioterapia deverá informar ao paciente que o procedimento possui caráter complementar”. Isso, pois muitos profissionais vendem a técnica como panaceia. Porém, dizer que a terapia é complementar não significa dizer que ela é segura e eficaz. Mais do que uma lei sobre a ozonioterapia, o que precisamos é de pesquisas sérias que elucidem a segurança, eficácia e efetividade da ozonioterapia na saúde humana.

A cena dos próximos capítulos está desenhada: é provável que a Associação Médica Brasileira (AMB) ou outra associação semelhante entre com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para que se suspendam os efeitos dessa lei, corrigindo esse atropelo. Processo semelhante ao que fizeram com a lei que autorizava o uso e a distribuição, no Brasil, da fosfoetanolamina, a chamada “pílula do câncer”, de autoria do então deputado Jair Bolsonaro.

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