Pular para o conteúdo principal

Discurso religioso deu motivação ao ataque terrorista à democracia

Lideranças evangélicas convocaram extremistas para atos violentos em Brasília e parlamentares religiosos apoiaram criminosos nas redes sociais

MARIAMA CORREIA, NATHALLIA FONSECA | Agência Pública
jornalistas

“Lute agora e faça parte da história”, dizia o anúncio de um caravana que pretendia levar bolsonaristas golpistas do Rio de Janeiro para protagonizar ataques aos Três Poderes, em Brasília, no último domingo (8). A postagem no Facebook foi apagada na segunda-feira. A excursão foi organizada pelo pastor Elias de Souza, conhecido como Elias Gaúcho. Assim como ele, outras lideranças religiosas, algumas delas políticos com mandato, participaram, ajudaram a organizar e convocar ataques aos Três Poderes.


É o caso dos parlamentares bolsonaristas e religiosos Clarissa e Júnior Tércio, ambos do PP de Pernambuco. Enquanto extremistas depredavam o Congresso Nacional, alguns deles empunhando bíblias e cantando louvores, eles demonstravam apoio público aos criminosos. No domingo, Clarissa, e o marido dela, o pastor Júnior Tércio, vereador no Recife e deputado estadual mais votado do Estado, compartilharam vídeos da invasão ao Congresso nas redes sociais.

No dia seguinte, a parlamentar recuou e divulgou uma nota em tom de retratação. Disse ser contra “atos de violência, vandalismo ou destruição do patrimônio público”. No mesmo tweet, Clarissa disse estar “em alinhamento com Jair Bolsonaro”.

Clarissa e Júnior pertencem a um clã religioso que se estabeleceu como arauto do conservadorismo bolsonarista cristão no Legislativo pernambucano nos últimos anos. 

A deputada estadual é filha do pastor evangélico Francisco Tércio, presidente do Ministério Novas de Paz da Assembleia de Deus, que comanda a Rádio Novas de Paz (88,1 FM). Em 2020, ela esteve entre os parlamentares que invadiram o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), em Recife, para tentar impedir o aborto legal de uma criança de 10 anos, vítima de estupro.

O casal está na lista de acusados de coautoria de crimes contra o Estado Democrático de Direito, entregue pela bancada do PSOL ao STF. O partido pede a investigação e responsabilização das autoridades públicas de todo o Brasil, por participação nos crimes. Também há pedidos de quebra de sigilo telefônico e suspensão de redes sociais.

A caravana do pastor Elias, que foi candidato a vereador em Teresópolis, pelo Avante, em 2020, acabou não saindo por não atingir o quórum desejado. Um dos organizadores da excursão, o empresário Daniel Fecher, porém, informou à reportagem que a equipe articula uma nova viagem a Brasília, desta vez para “oferecer apoio aos patriotas que foram detidos”.

“Discurso religioso agiu como motivador ideológico”


“Podemos dizer que o discurso religioso agiu como motivador ideológico dos atos violentos vistos em Brasília, porque mobiliza pautas morais, o conservadorismo da sociedade brasileira”, considera Nilza Valéria, coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. 

A Frente conseguiu identificar algumas lideranças evangélicas que participaram dos atos e produziu uma análise onde ressalta que, “entre os evangélicos, como simpatizantes do movimento, podemos conferir figuras do universo gospel e pastores de igrejas locais, sem alcance nacional”.

Segundo ela, narrativas de embate que acionam um ideário de luta do bem contra o mal têm sido propagadas por lideranças evangélicas bolsonaristas, capazes de mobilizar multidões de fiéis e com grande influência política. É o caso do ex-senador Magno Malta, que postou um vídeo no qual aponta as manifestações como o “desespero de um povo que não foi ouvido” e do pastor e televangelista Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Um dia depois dos atentados terroristas em Brasília, em um vídeo com o tom agressivo, Silas Malafaia disse que a esquerda já tinha feito ocupações em prédios públicos sem que fosse chamada de antidemocrática e tachou de antidemocráticos os inquéritos conduzidos pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, ressaltando que é “contra os excessos”, mas que a “paciência do povo tem limites”.

Posicionamento de Magno Malta
sobre os atos; pastor afirma que
o povo não pode ser colocado no
“balaio de criminosos e terroristas”



Outro líder evangélico influente próximo da família Bolsonaro, o pastor Josué Valandro, da Igreja Batista Atitude da Barra da Tijuca, frequentada pela ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, usou as redes sociais para demonstrar apoio aos ataques em Brasília. No Twitter, ele compartilhou um vídeo que mostra criminosos dentro do Congresso. Antes, já havia anunciado nas redes que era “hora de jejuar pela pátria”.

Valandro ainda republicou uma postagem feita por ele mesmo em 26 de dezembro do ano passado, onde diz: “Pastor preso, índio preso, deputado preso, jornalista preso por ordem do judiciário federal! Mas corrupto comprovado é solto! A inversão de valores assusta”.



“Essas lideranças podem não ter participado dos atos de depredação, mas pavimentaram o caminho, legitimando os acampamentos bolsonaristas há meses e atos dos extremistas. Eles têm propagado um discurso de legitimação da morte e da destruição, que é antibíblico e anticristão”, diz Nilza. 

“O discurso religioso, descolado de uma formação de base, de conceitos de cidadania, gera o cenário ideal para cenas que a gente viu, com pessoas cantando louvores e orando, como se estivessem ganhando uma guerra.”

A pastora Ana Marita Terra Nova, esposa do apóstolo Renê Terra Nova, que prega para multidões no seu ministério da Visão Celular no Modelo dos 12, publicou no Instagram no sábado, na véspera da invasão: “Dois meses nos quartéis: valeu muito, sim! Agora… É parar e dizer mesmo: intervenção militar!”

Publicação de pastora
defendeu atos golpistas
em Brasília

A convocação, divulgada na forma de uma imagem na conta com mais de 50 mil seguidores, ainda pede que “quem pode ir para Brasília vá! não podendo, seja a força na sua cidade” e que os apoiadores “não se omitam”.

O casal lidera o Ministério Internacional da Restauração (MIR) e é conhecido por apoiar Bolsonaro de maneira consistente durante as eleições. Após a repercussão negativa da convocação, os líderes religiosos disseram não concordar com “vandalismo e depredação pública”.

No Whatsapp, um áudio atribuído ao pastor aposentado Manoel Angelo Chagas, da cidade de Rolim Moura, em Rondônia, circulou com uma convocação a Brasília. “O povo tem que partir também lá pro Congresso, invadir e segurar para ninguém entrar. Não entra Xandão, não entra Lula, não entra ninguém. E aí o Exército vai agir”, diz o áudio, no qual o homem se identifica pelo primeiro nome.

“O povo pode prender, amarrar e mandar a polícia levar”, diz o religioso. “Quando o STF ver que é por isso que o povo vai agir e começar a quebrar tudo que tem lá, porque é nosso mesmo, é do povo, aí eles vão entrar”.

A pastora Nubia Modista, da Igreja Evangélica Apostólica de Itaguaí, no Rio de Janeiro, esteve entre o grupo de invasores que fora até Brasília e publicou vídeos dentro dos prédios públicos. “Tô aqui dentro do congresso. Os policiais querendo deixar entrar… olha isso”, diz a religiosa. Em outro vídeo, ela caminha pelo espaço invadido do Congresso e ironiza a segurança do local: “isso, solta fogos”, diz após ouvir-se um ruído de bombas.

A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito localizou ainda outras lideranças evangélicas que ajudaram a mobilizar atos criminosos no domingo, entre elas o pastor Sandro Rocha, da Igreja Porto de Cristo, de Guaratuba, no Paraná. 

Ele tem mais de 450 mil seguidores no seu canal no Youtube e “profetizava em suas lives e cultos que o exército e a polícia iriam se juntar ao povo para impedir o comunismo no país, e que para isso era importante que as manifestações continuassem”.

O pastor goiano Thiago Bezerra também esteve nos atos terroristas. Ele fez uma live no Youtube, onde tem mais de cinco mil inscritos, sustentando a falsa narrativa de que as cenas de violência foram protagonizadas por infiltrados da esquerda. Em nota, a Frente também cita entre os participantes dos atentados os cantores gospel Salomão Vieira, Michele Nascimento, Fernanda Oliver e Wesley Rosa os pastores Mari Santos, de Manaus, e Ricardo Martins, porém pondera que “até o momento, evangélicos não se envolveram com os movimentos golpistas com a mesma intensidade com que estiveram presentes na campanha presidencial de 2022”.

O texto da Frente ainda destaca a “postura dúbia” de lideranças evangélicas bolsonaristas no Congresso Nacional, entre elas Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da bancada evangélica. Ele postou que “ver um descondenado, (sic) virar presidente causa revolta”, mas disse não apoiar os atos violentos. O deputado federal Marco Feliciano (PL-SP ) disse que “ânimos acirrados teriam levado a depredações não legítimas”.

Algumas igrejas lançaram notas condenando os atentados criminosos. A Igreja Universal do Reino de Deus disse que “nada justifica o uso da violência, invasão e destruição do patrimônio público”. A igreja Adventista também emitiu nota pública repudiando “ações coletivas ou individuais que promovam a destruição de patrimônio público e privado, e que coloquem em risco a vida das pessoas”. A Aliança Cristã Evangélica também emitiu uma nota de repúdio na qual “reafirma o compromisso com o Estado Democrático de Direito e suas instituições”.

A reportagem tentou contato com as lideranças evangélicas citadas, mas não obteve retorno até a publicação.

Essa reportagem foi publicada originalmente na Agência Pública sob o título A face religiosa do terrorismo: pastores articularam caravanas e convocaram ataques. 

• Reportagem revela contratantes de ônibus de terroristas

• 'Festa da Selma' foi o código de bolsonaristas para depredações

• O deus evangélico agora terá de respeitar a Constituição?



Comentários

Alex B disse…
Cadê os crentes, evangélicos que antes enpesteavam os comentários do site com seu fanatismo doentio? Não vão falar nada em defesa de sua linda religião??? Tão escondidos no esgoto de onde jamais deveriam ter saído, é???

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Evangélico quebrou centro espírita para desafiar o diabo

"Peguei aquelas imagens e comei a quebrar" O evangélico Afonso Henrique Alves , 25, da Igreja Geração Jesus Cristo, postou vídeo [ver abaixo] no Youtube no qual diz que depredou um centro espírita em junho do ano passado para desafiar o diabo. “Eu peguei todas aquelas imagens e comecei a quebrar...” [foto acima] Na sexta (19), ele foi preso por intolerância religiosa e por apologia do ódio. “Ele é um criminoso que usa a internet para obter discípulos”, disse a delegada Helen Sardenberg, depois de prendê-lo ao término de um culto no Morro do Pinto, na Zona Portuária do Rio. Também foi preso o pastor Tupirani da Hora Lores, 43. Foi a primeira prisão no país por causa de intolerância religiosa, segundo a delegada. Como 'discípulo da verdade', Alves afirma no vídeo coisas como: centro espírito é lugar de invocação do diabo, todo pai de santo é homossexual, a imprensa e a polícia estão a serviço do demônio, na Rede Globo existe um monte de macumbeiros, etc. A...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...