Em estado laico, governantes não podem privilegiar grupos religiosos
RICARDO OLIVEIRA DA SILVA
Tribuna da Imprensa
Nas eleições presidenciais de 2018 o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro desfraldou como lema de campanha eleitoral a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
No contexto de disputa pelo cargo da presidência da República, Jair Bolsonaro e seus apoiadores procuraram amarrar o tema do nacionalismo e da religião com a política.
A política, se pegarmos como referência sua origem etimológica grega politiké (política em geral) e politikós (dos cidadãos), se refere, em um sentido amplo, as pessoas que buscam coletivamente tomar decisões que favoreçam o bem comum de toda comunidade.
Ao remontar a ideia de participação na vida coletiva, a política significa definir regras de convivência, limites de atuação e deveres comuns.
Para isso, é preciso criar referências onde posições individuais não se tornem elementos de segregação e de opressão de determinados grupos sobre outros. Nesse ponto é que quero me referir à religião.
O conceito de religião pode ser definido como sendo um conjunto de crenças relacionadas com aquilo que as pessoas consideram como sobrenatural, divino, sagrado e transcendental, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças.
Ao longo da Idade Moderna se desenvolveu um processo histórico de secularização (autonomia de esferas do conhecimento da compreensão religiosa) e de laicidade (ausência de uma religião oficial por parte do Estado, assim como garantia constitucional do direito à liberdade de crença religiosa) que impactou diversas sociedades.
Até então, se vivia uma realidade distinta. Por exemplo: no continente europeu a construção dos Estados nacionais a partir do final da Idade Média implicou no estabelecimento de religiões oficiais que legitimavam o poder político estabelecido. Como resultado, houve a repressão sobre pessoas e grupos que não comungavam do credo oficial.
O cenário opressor se acentuou com as Reformas Religiosas no século XVI, quando católicos e protestantes lutaram entre si para impor sua crença religiosa ao conjunto da sociedade. Uma postura que gerou inúmeras guerras e a mortes de milhares de pessoas.
As origens coloniais do Brasil foram marcadas pelo princípio de religião oficial. Oriundos de um país católico, os portugueses conceberam a colonização no continente americano a partir do século XVI com a tarefa de construção de uma nova sociedade católica.
A liberdade religiosa restrita ao catolicismo ajuda a entender a atuação dos jesuítas em evangelizar as populações indígenas, assim como a presença da Inquisição no Brasil colonial para combater adeptos de religiosidades não católicas, como judeus e protestantes.
Apesar da independência em 1822, o Brasil permaneceu quase todo o século XIX como um país de religião oficial. A Constituição de 1824 estabeleceu o catolicismo como a religião do Estado e restringiu a manifestação de outras religiosidades ao âmbito privado.
Apenas com a instituição da República em novembro de 1889 passou a vigorar oficialmente no país a laicidade de Estado. Com o Decreto 119-A de janeiro de 1890 o Brasil deixou de ter uma religião oficial e foi garantido a liberdade de culto para religiões não católicas.
Apesar disso, a religião continuou sendo influente no seio da sociedade brasileira e a história do regime republicano é marcado pela pressão de grupos e instituições religiosas (como católicos e evangélicos) que buscam influenciar nas decisões do Estado de modo a favorecer suas demandas em detrimento de outros grupos religiosos e não-religiosos.
A atuação política de Jair Bolsonaro, antes mesmo da eleição presidencial em 2018, mostrou o esmaecimento que fazia das fronteiras entre política (espaço das decisões que impactam a vida no coletivo) e religião (crença que diz respeito à esfera da vida do indivíduo).
Em 2017, na cidade de Campina Grande, na Paraíba, Jair Bolsonaro declarou: “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de estado laico não. O estado é cristão e a minoria que for contra que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”. Após eleito, ele afirmou: “O Estado é laico, mas nosso governo é cristão”, e que indicaria para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”, ou seja, a religião como critério de escolha.
> Ricardo Oliveira da Silva (Professor do Curso de História da UFMS/CPNA).
RICARDO OLIVEIRA DA SILVA
Tribuna da Imprensa
Nas eleições presidenciais de 2018 o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro desfraldou como lema de campanha eleitoral a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
No contexto de disputa pelo cargo da presidência da República, Jair Bolsonaro e seus apoiadores procuraram amarrar o tema do nacionalismo e da religião com a política.
A política, se pegarmos como referência sua origem etimológica grega politiké (política em geral) e politikós (dos cidadãos), se refere, em um sentido amplo, as pessoas que buscam coletivamente tomar decisões que favoreçam o bem comum de toda comunidade.
Ao remontar a ideia de participação na vida coletiva, a política significa definir regras de convivência, limites de atuação e deveres comuns.
Para isso, é preciso criar referências onde posições individuais não se tornem elementos de segregação e de opressão de determinados grupos sobre outros. Nesse ponto é que quero me referir à religião.
O conceito de religião pode ser definido como sendo um conjunto de crenças relacionadas com aquilo que as pessoas consideram como sobrenatural, divino, sagrado e transcendental, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças.
Ao longo da Idade Moderna se desenvolveu um processo histórico de secularização (autonomia de esferas do conhecimento da compreensão religiosa) e de laicidade (ausência de uma religião oficial por parte do Estado, assim como garantia constitucional do direito à liberdade de crença religiosa) que impactou diversas sociedades.
Até então, se vivia uma realidade distinta. Por exemplo: no continente europeu a construção dos Estados nacionais a partir do final da Idade Média implicou no estabelecimento de religiões oficiais que legitimavam o poder político estabelecido. Como resultado, houve a repressão sobre pessoas e grupos que não comungavam do credo oficial.
O cenário opressor se acentuou com as Reformas Religiosas no século XVI, quando católicos e protestantes lutaram entre si para impor sua crença religiosa ao conjunto da sociedade. Uma postura que gerou inúmeras guerras e a mortes de milhares de pessoas.
As origens coloniais do Brasil foram marcadas pelo princípio de religião oficial. Oriundos de um país católico, os portugueses conceberam a colonização no continente americano a partir do século XVI com a tarefa de construção de uma nova sociedade católica.
A liberdade religiosa restrita ao catolicismo ajuda a entender a atuação dos jesuítas em evangelizar as populações indígenas, assim como a presença da Inquisição no Brasil colonial para combater adeptos de religiosidades não católicas, como judeus e protestantes.
Apesar da independência em 1822, o Brasil permaneceu quase todo o século XIX como um país de religião oficial. A Constituição de 1824 estabeleceu o catolicismo como a religião do Estado e restringiu a manifestação de outras religiosidades ao âmbito privado.
Apenas com a instituição da República em novembro de 1889 passou a vigorar oficialmente no país a laicidade de Estado. Com o Decreto 119-A de janeiro de 1890 o Brasil deixou de ter uma religião oficial e foi garantido a liberdade de culto para religiões não católicas.
Apesar disso, a religião continuou sendo influente no seio da sociedade brasileira e a história do regime republicano é marcado pela pressão de grupos e instituições religiosas (como católicos e evangélicos) que buscam influenciar nas decisões do Estado de modo a favorecer suas demandas em detrimento de outros grupos religiosos e não-religiosos.
A atuação política de Jair Bolsonaro, antes mesmo da eleição presidencial em 2018, mostrou o esmaecimento que fazia das fronteiras entre política (espaço das decisões que impactam a vida no coletivo) e religião (crença que diz respeito à esfera da vida do indivíduo).
Em 2017, na cidade de Campina Grande, na Paraíba, Jair Bolsonaro declarou: “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de estado laico não. O estado é cristão e a minoria que for contra que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”. Após eleito, ele afirmou: “O Estado é laico, mas nosso governo é cristão”, e que indicaria para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”, ou seja, a religião como critério de escolha.
As posições de Jair Bolsonaro são respaldadas por setores religiosos conservadores da sociedade brasileira, os quais, muitas vezes, se utilizam da prerrogativa laica do direito à liberdade de manifestação religiosa, para impedirem o avanço de pautas seculares, como a criminalização da homofobia, como garanta de direitos de grupos na vida coletiva.
A partir do exposto no artigo, minha oposição ao lema bolsonarista “Deus acima de todos” se dá em nome da defesa da organização da vida coletiva em bases seculares e laicas, onde os governantes não privilegiem na esfera pública grupos religiosos que comungam da fé que possuem ou que lhe dão apoio, mas se engaje na criação de políticas públicas que favoreçam a coletividade, independente das pessoas terem crença religiosa ou não.
A partir do exposto no artigo, minha oposição ao lema bolsonarista “Deus acima de todos” se dá em nome da defesa da organização da vida coletiva em bases seculares e laicas, onde os governantes não privilegiem na esfera pública grupos religiosos que comungam da fé que possuem ou que lhe dão apoio, mas se engaje na criação de políticas públicas que favoreçam a coletividade, independente das pessoas terem crença religiosa ou não.
Governante tem de seguir a Constituição, não a Bíblia |
> Ricardo Oliveira da Silva (Professor do Curso de História da UFMS/CPNA).
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