Pular para o conteúdo principal

Bancada evangélica não tem proposta e só sabe ser reacionária aos costumes

Políticos evangélicos são
 irrelevantes porque não têm
 propostas que abranjam todos
 os brasileiros e só atuam como
 policiais da 'sharia' de Cristo


por Renan William dos Santos
para o Jornal da USP

“Políticos evangélicos vão dominar o país”; “a nova Constituição será a Bíblia”; “a laicidade do Estado brasileiro está sob ameaça”; “os ‘crentes’ fanáticos irão instaurar uma espécie de xaria pentecostal no Brasil”; “não vai mais ter Carnaval”; “o samba será substituído pela música gospel”; “nosso futuro será terrivelmente evangélico”.

Profetizar o apocalipse não é prática comum apenas no segmento evangélico. O estilo escatológico também é recorrente entre alguns estudiosos dessa fatia religiosa. 

Foi partindo dessa atmosfera carregada de receio e desconfiança que Reginaldo Prandi e eu lançamos ao debate a questão “Quem tem medo da bancada evangélica?” (Revista Tempo Social, 2017, vol. 29, n. 2).

Lá, apontávamos que a crescente participação dos evangélicos na política, um fato indiscutível, tinha como efeito principal a progressiva “conversão” desses agentes religiosos em agentes políticos, mais do que a conversão das pautas políticas nacionais em pautas religiosas.

Em outras palavras: imersos na vida partidária, os evangélicos vão aprendendo a jogar o jogo político, o jogo nada sagrado das negociações, acordos e relativizações, e a preocupação prioritária é a de se dar bem nesse jogo, não mudar suas regras.

Em sua melodia, o canto da sereia da “política evangélica” (as aspas se justificam: esse ator unificado simplesmente não existe) pode até passar por estrofes nas quais todos cantam em coro, como a defesa da família e de certos valores quase sempre afeitos à moral sexual, mas um ouvido mais atento e sociologicamente treinado pode perceber as dissonâncias nessa harmonia e os percalços que ocorrem nos bastidores durante a afinação.

Esses desencontros já começam na nomenclatura. A categoria “evangélico” é extremamente problemática, pois de forma alguma congrega a mesma unidade contida na categoria “católico”, para ficar em um exemplo mais próximo no ramo cristão. 

É obvio que também existem múltiplos catolicismos e, mesmo no interior da Igreja Católica, existem inúmeras correntes ideológicas. Também é óbvio que todo conceito unifica idealmente certos fenômenos para torná-los mais compreensíveis. 

Mas quando vemos a categoria “evangélico”, nas conversas cotidianas ou na mídia, é comum nos esquecermos que as denominações evangélicas vivem em pé de guerra entre si e defendem agendas extremamente divergentes.

Essas denominações não demonizam apenas os cultos afro-brasileiros, como comumente se imagina. Se você encontrar duas igrejas evangélicas no mesmo quarteirão, uma em cada esquina, provavelmente mal vai notar a diferença entre uma e outra, porém é muito provável que os demônios que estão sendo expulsos em uma delas sejam identificados pelos pastores como provenientes da ação maléfica da igreja evangélica instalada na outra ponta do quarteirão. 

Também é provável que os pastores de ambas passem boa parte dos cultos marcando mais as diferenças entre si do que em relação a concorrentes distantes.

No pulsante e pluralizado mercado religioso brasileiro contemporâneo, não poderia ser diferente. Se meu produto é muito semelhante ao do concorrente, eu preciso investir pesado nas diferenças. Na falta de diferenciais muito claros, a melhor estratégia é provar que o outro “não presta”, que é “mentiroso”, que faz propaganda enganosa, etc.

Ocorre que na mesma medida em que as igrejas assumem a lógica de empresas concorrentes, também os fiéis assumem a lógica de consumidores que escolhem o que mais lhes interessa. Até por isso, as conversões acontecem, hoje em dia, sem que daí decorram necessariamente grandes traumas e transformações radicais no estilo de vida.

Tal postura seletiva na esfera religiosa também tem amplas repercussões políticas. Isto é, da mesma forma que o fiel não aceita integralmente todas as orientações religiosas que ouve do púlpito, tampouco aceita passivamente as insinuações feitas no mesmo espaço sobre quais seriam as melhores escolhas políticas.

É por essa razão que aqueles que afirmam que o apoio das igrejas pentecostais foi determinante na eleição de Bolsonaro, na verdade, estão invertendo causa e efeito: não é porque elas apoiaram Bolsonaro que ele ganhou; é porque elas perceberam que Bolsonaro iria ganhar que passaram a apoiá-lo. 

Não houve uma ampla movimentação de apoio explícito a Bolsonaro enquanto ele não era considerado um candidato viável. Fosse uma mera questão de alinhamento de valores, o apoio deveria acontecer desde o início. Isso sem contar que concorreram nessa eleição outros candidatos muito mais alinhados ao ideário evangélico.

O que muitas denominações evangélicas fizeram, e fazem muito bem há anos no Brasil, isso sim, foi “captar” o clima político e ir com a maré. Para os que ainda não estão convencidos, basta lembrar que isso já aconteceu antes. Edir Macedo, por exemplo, já qualificou abertamente o então candidato Lula como encarnação do anti-Cristo. Depois, quando o cenário se desenhou favoravelmente ao petista, Macedo passou a ser um de seus maiores defensores no meio evangélico. Quando o tempo virou novamente e o tsunami do antipetismo chegou com tudo, Lula voltou a ser retratado como era no início.

Voltando à metáfora musical, vale lembrar da brilhante descrição feita por Cândido Procópio Ferreira de Camargo sobre o papel das religiões nas sociedades modernas: o de segundo violino da orquestra, aquele que só entra em cena vez ou outra para “responder” à melodia que vem sendo ditada por outrem.

Na atual legislatura, seguramente uma das composições de governo mais conservadoras de nossa história democrática, a fraqueza da bancada evangélica é, justamente, não ter a quem responder, uma pauta a qual possa reagir, um inimigo a quem possa se opor. 

Ou seja, a famigerada “influência” da bancada evangélica no nosso fazer político tem sempre de ser qualificada com um adjetivo muito importante: reacionária. Ela só tem poder de reação, ela só aparece na contraposição a algo. Se precisar propor, paralisa-se.

Assim, enquanto a chamada “pauta de costumes” hiberna no Congresso, a “pauta das reformas” anda a todo vapor. No jogo que vão aprendendo a jogar, os políticos evangélicos, tal como o restante do Congresso, estão mais preocupados com o déficit da Previdência Social, o aumento do desemprego e questões tributárias do que com a elaboração de políticas públicas visando a “regenerar” moralmente o País. 

A besteira do “meninos usam azul, meninas usam rosa” fica a cargo, por sua vez, de uma ministra caricata, totalmente alheia ao centro do poder político e muitas vezes desmerecida publicamente pelo próprio presidente.

A julgar pela composição da bancada evangélica, talvez essa hibernação seja boa para o grupo. Afinal de contas, se acordarem e resolverem propor algo, podem acabar descobrindo que o inimigo mora no templo ao lado.

Este texto foi publicado originalmente com o título Sem protagonismo, a bancada evangélica dança conforme a música no Congresso Nacional. Renan William dos Santos, autor do texto, é doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).



Brasil é refém da paralisia mental do dogmatismo evangélico, diz Delfim Netto

Brasil é a terra prometida dos evangélicos, diz sociólogo

Pastor não deveria se tornar político, afirmam brasileiros

Evangélicos submetem Brasil ao conservadorismo, diz Le Figaro




Comentários

Emerson Santos disse…
Politica no Brasil eh sinônimo de incompetência , roubalheira e agenda própria .. retratos do povo brasileiro .. religiosos ou não ..

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Evangélico quebrou centro espírita para desafiar o diabo

"Peguei aquelas imagens e comei a quebrar" O evangélico Afonso Henrique Alves , 25, da Igreja Geração Jesus Cristo, postou vídeo [ver abaixo] no Youtube no qual diz que depredou um centro espírita em junho do ano passado para desafiar o diabo. “Eu peguei todas aquelas imagens e comecei a quebrar...” [foto acima] Na sexta (19), ele foi preso por intolerância religiosa e por apologia do ódio. “Ele é um criminoso que usa a internet para obter discípulos”, disse a delegada Helen Sardenberg, depois de prendê-lo ao término de um culto no Morro do Pinto, na Zona Portuária do Rio. Também foi preso o pastor Tupirani da Hora Lores, 43. Foi a primeira prisão no país por causa de intolerância religiosa, segundo a delegada. Como 'discípulo da verdade', Alves afirma no vídeo coisas como: centro espírito é lugar de invocação do diabo, todo pai de santo é homossexual, a imprensa e a polícia estão a serviço do demônio, na Rede Globo existe um monte de macumbeiros, etc. A...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...