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Saiba como identificar argumentações de divulgadores de pseudociência

por Marcelo Knobel e Carlos Orsi
para Folha de S.Paulo

Qual o problema de usar homeopatia contra o resfriado comum? Parece inofensivo. Consultar o horóscopo antes de sair de casa, também. A situação fica um pouco mais nebulosa, porém, quando se tenta tratar uma doença grave à base de preparados homeopáticos ou quando um trabalhador perde o emprego porque seu mapa astral é "incompatível" com o do chefe.

Muitas vezes envoltas numa aura afável de curiosidade inócua, pseudociências --crenças que reivindicam, de modo ilegítimo, o mesmo grau de confiabilidade das ciências-- podem prejudicar, de modo perverso, a vida de todos e também o planeta.

O perigo se revela, por exemplo, quando indústrias ou setores específicos da sociedade, por motivos religiosos, políticos ou econômicos, articulam-se para tirar proveito do baixo conhecimento que a população tem de como a ciência é feita, e também do grande nível de desinformação presente no meio virtual.

Não acredite nas
 bobagens pregadas
 por gurus

Com a crescente polarização social, há cada vez mais políticos e influenciadores que propagam ideias pseudocientíficas, ou até anticientíficas, utilizando, para tanto, estratégias conhecidas, que vêm sendo aprimoradas ao longo dos séculos, e que agora ganham eficácia extra graças à internet e às novas formas de interação social.

Em seu livro "O Mundo Assombrado pelos Demônios", de 1995, Carl Sagan oferece um "kit de detecção de bobagens", composto por oito estratégias para analisar criticamente alegações que se pretendem científicas.

Sagan, assim como outros autores, sugere que há elementos comuns que aparecem no discurso e na posição dos propagadores de pseudociências. Aqui, oferecemos um quarteto de indicadores:

Evidência negativa: quando os argumentos a favor de uma ideia se resumem, exclusivamente, a alegações sobre erros, reais ou imaginários, que existiriam nas ideias dos outros. Ainda que todos os outros estejam mesmo errados, isso não significa que a opção oferecida é correta. Ela pode até estar mais errada que as demais.

Correlação e causa: apontar que, porque uma coisa varia de modo semelhante a outra, é causada pela outra. Isso nem sempre é verdade: existem inúmeros exemplos de fenômenos desconexos que variam de modo similar durante algum tempo --por exemplo, de 1999 a 2009 o número de mortes por afogamento em piscinas, nos EUA, seguiu a mesma tendência que o número de filmes estrelados por Nicholas Cage.

Exemplos escolhidos a dedo: apresentar apenas casos que parecem confirmar suas ideias. Nenhum procedimento, estratégia ou tratamento funciona em 100% das vezes. Quando o assunto é ciência, quem não leva as falhas em consideração, ou as esconde na hora de apresentar resultados, é incompetente ou desonesto.

Apelo à antiguidade: alegar que uma ideia ou procedimento é adequado porque é usado há séculos. A história está repleta de bobagens que sobreviveram ao teste das gerações, da teoria de que a Terra fica no centro do Universo ao uso de sangrias para combater doenças infecciosas.

Essas táticas em geral vêm acompanhadas de linguagem rebuscada, frases de efeito e uma retórica que, direta ou indiretamente, acusa os críticos de serem parte de alguma grande conspiração. Hoje, não é difícil identificar quem usa, de modo sistemático, tais ferramentas.

E as consequências podem ser graves. No Brasil, dinheiro público é desperdiçado em tratamentos de saúde que se baseiam apenas em falsas correlações, na antiguidade e em exemplos escolhidos a dedo. A negação do aquecimento global e o criacionismo se baseiam em evidência negativa. O movimento antivacina, movido a teorias da conspiração, leva ao ressurgimento de doenças.

Como, ao contrário da ciência legítima, pseudociências não têm compromisso com a realidade, elas se moldam com facilidade às preferências do público e ao espírito dos tempos. Isso as torna atraentes. Escapar dessa atração pode não ser fácil, mas é cada vez mais necessário, pelo bem de nossa sociedade.

Marcelo Knobel é físico e reitor da Unicamp e Carlos Orsi é jornalista e diretor do Instituto Questão de Ciência. O título do texto é deste site.

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