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Estado brasileiro não pode se identificar com qualquer religião

por Claudio Ferraz, Filipe Campante e Rodrigo R. Soares
para O Globo

O ministro das Relações Exteriores escreveu recentemente que o Brasil trará Deus de volta ao debate político. Ele também afirmou crer na intervenção da providência divina nos acontecimentos recentes testemunhados pelo país, vários deles de proporções históricas, e terminou sugerindo que deveríamos nos orgulhar disso. Outros membros da recém-empossada equipe de governo parecem compartilhar dessa mesma percepção.

Acreditamos que trazer qualquer religião ou consideração mística para o centro do debate político não é saudável para o desenvolvimento do país. Há várias razões pelas quais acreditamos que isso é problemático, mas nos concentramos aqui nas três principais.

A primeira e mais óbvia é que, constitucionalmente, o Estado brasileiro é laico. Esse é o caso por bons motivos. É natural que os cidadãos considerem suas crenças religiosas ao tomarem suas decisões políticas. O Estado, contudo, não se identifica e não deve favorecer nenhuma religião específica.

Ao dizer que trará Deus de volta para a política, o ministro está obviamente se referindo ao seu próprio deus, não ao deus, deuses, ou conceito equivalente, dos cristãos ortodoxos, muçulmanos, judeus, zoroastristas, budistas ou hindus. Isso implica imediatamente a identificação do Estado com uma religião e, portanto, a discriminação das outras. Deus significa algo diferente para cada pessoa, dependendo da sua orientação religiosa, e o Estado brasileiro deve garantir a liberdade religiosa sem discriminação.


A segunda razão para nossa reserva é que a crença em intervenções sobrenaturais na nossa história recente dificulta o entendimento dos processos sociais, econômicos e institucionais que levaram a essas transformações. 

Fatores políticos e institucionais são a causa da corrupção endêmica. Um grande aprimoramento na formação e ação da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal foi responsável pelas investigações que levaram à prisão de várias figuras centrais da política nacional. A grave crise econômica em que o país mergulhou, causada em grande parte pela péssima condução da política econômica ao longo dos dois governos Dilma Rousseff, ajudou a criar o ambiente propício a uma mudança política drástica.

Entender os diferentes fatores que contribuíram para esse quadro é fundamental para que possamos aprimorar o desenho de nossas instituições, de modo que as graves crises econômica e política pelas quais ainda passamos, e que causam grande sofrimento para a maior parte da população, não venham a se repetir. Atribuir transformações profundas como a atual à intervenção divina trivializa o momento histórico que vivemos, e em nada contribui para melhor nos prepararmos para o futuro.

Finalmente, dar ênfase à religião e a eventos místicos nas decisões sobre políticas públicas nos torna menos sensíveis à ampla evidência científica hoje disponível sobre vários tipos de intervenção governamental. Quando um membro do primeiro escalão do Poder Executivo acredita que a providência divina está do nosso lado por causa das crenças de nossos governantes ou da população, parece sugerir que a fé religiosa naturalmente se apresenta como o meio mais efetivo para a busca do desenvolvimento. Mas resultados econômicos, políticos e sociais são fruto da ação de indivíduos e governos, decidindo sob incentivos colocados pelas instituições vigentes.

O papel da política pública, diante disso, é intervir para melhorar o bem-estar do maior número possível de cidadãos. Com a tecnologia e acesso à informação atualmente disponíveis, vivemos um momento sem precedentes em termos de conhecimento sobre a efetividade de políticas públicas. Desperdiçá-lo em um contexto tão grave de restrição de recursos seria desastroso.

Seja qual for a crença religiosa de cada um, temos de saber que são nossas ações, como indivíduos e como sociedade, que determinarão o nosso futuro. Só assim poderemos aprender com os erros do passado e tirar o máximo proveito de todo o conhecimento científico disponível, de modo a nos prepararmos para os muitos desafios que ainda nos aguardam.

Claudio Ferraz é professor da PUC-Rio; Filipe Campante, da Universidade Johns Hopkins; e Rodrigo R. Soares, da Universidade Columbia.



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Comentários

Unknown disse…
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