Pular para o conteúdo principal

Estado laico deve proteger todo tipo de família, diz advogado


'Família hoje é plural'

por Rodrigo da Cunha Pereira
para Consultor Jurídico

A nostalgia das antigas utopias, da família ideal e patriarcal, as noções de esquerda e direita, gradativamente vêm sendo substituídas pelas noções de público e privado.

Por isto a relação das pessoas com a pátria se inverteu: não são mais as pessoas que devem servi-la ou sacrificar-se por ela. É a pátria, a nação, que deve estar a serviço das pessoas.

Por essa razão, a História e a Política hoje se escrevem e se inscrevem é a partir da vida privada , que começa e termina na família. E assim a principal razão política dos Estados democráticos contemporâneos está na vida privada e, portanto, na família.


Mas quando falamos de família devemos pensá-la em seu sentido maior e mais profundo: o núcleo formador e estruturador do sujeito. É ali, e a partir dali, que tudo se inicia.

 São os núcleos familiares que formam a nação. Pátria é a família amplificada. Mas não estamos mais no tempo da família singular. A família hoje é plural, aberta, fraterna, solidária, menos hierarquizada, menos patrimonializada, mais autêntica e mais verdadeira.

 Os políticos e legisladores que não entenderem isto, e ficarem paralisados em sua utopia saudosista já estão condenados a terminar a vida no “tal do bloco da saudade”, como diz a música do Martinho da Vila.

Há um descompasso entre a realidade das famílias e os textos legislativos brasileiros, que não traduzem e nem refletem a vida como ela é. Ainda há milhares de famílias à margem da legislação, como aquelas que se constituíram paralelamente à outra família, até então denominadas pelo Código Civil de 2002 pelo estigmatizante nome de concubinato.

Essas e outras famílias continuam condenadas à invisibilidade jurídica e social, repetindo as injustiças históricas de ilegitimação, exclusão e expropriação de cidadanias, como se fez até pouco tempo com os filhos havidos fora do casamento, que recebiam a pecha de ilegítimos, espúrios, bastardos e outras designações discriminatórias.

Foi neste sentido que o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), após discutir com a comunidade jurídica, elaborou o Estatuto das famílias, apresentado ao Congresso Nacional pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA) e que tramita sob o número PLS 470/13. Ele vem no espírito de se construir micro sistemas para assegurar uma justiça mais ágil e próxima da realidade, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Idoso etc.

Assim, ele revoga todo o Livro de Família do CC/2002 e instala novas regras, mais modernas, e que realmente atendam a realidade e inclua e dê um lugar social a todos os núcleos familiares.

Copiando a ideia do nome “Estatuto das Famílias” foi apresentado na Câmara um Projeto Lei a que denominaram “Estatuto da Família”. Maliciosamente, e para tentar aprovar o tal projeto, têm feito circular nas redes sociais de computador pergunta que induz a resposta: família é formada por homem e mulher?

A resposta é óbvia. Claro que sim. Mas não apenas por homem e mulher. E assim, a população induzida a erro tem respondido positivamente a este projeto, que na verdade deveria ser chamado de Estatuto contra a Família. Sim, porque ele pretende excluir milhares de famílias da ordem jurídica e social, “tapando o sol com a peneira”, como se essa realidade não existisse.


O Direito de Família contemporâneo está intrinsecamente ligado aos Direitos Humanos. Não é possível desconsiderar todas as conquistas sociais feitas a duras penas e às custas de muito sofrimento ao longo da história. É anticristão continuar marginalizando e excluindo pessoas e famílias em razão de suas escolhas diferentes dos padrões tradicionais. 

Os “fariseus” que dizem defender a “tradição, família e propriedade”, são os mesmos que condenam à morte milhares de mulheres pobres que fazem aborto. Ora, ninguém é a favor do aborto, mas tão somente ao direito de fazê-lo, ou não.

 O aborto é livre no Brasil, basta ter dinheiro para pagar por ele: “Deixemos de hipocrisia. Nossa legislação só não muda porque as mulheres de melhor poder aquisitivo abortam em condições relativamente seguras. As mais pobres é que correm o risco de morte e sentem na pele os rigores da lei” (Drauzio Varella, Folha de S.Paulo, 7/3/15, p. E8).

É inconcebível que em pleno século XXI, após o desenvolvimento e compreensão das noções de sujeito de direitos e desejos, da dignidade humana, e de Estado laico, alguém ainda queira excluir o próximo da ordem social e jurídica em razão de suas preferências sexuais e formas de constituir família.

A religião que deveria ensinar o amor ao próximo, a tolerância, compreensão e solidariedade, tem sido invocada para interpretações constitucionais equivocadas. Será que esses defensores da moral e bons costumes realmente acreditam no que estão “pregando em nome de Deus”, ou fazem isto apenas por interesses de mercado ou razões eleitoreiras? 


Pode-se até não gostar, não querer que a família tenha mais liberdade e mais autonomia, mas ninguém tem o direito de excluir e não permitir que as pessoas possam escolher as formas de viver sua conjugalidade e parentalidade.

É preciso parar de legislar em causa própria e aprender a conviver com a alteridade, isto é, respeitar as diferentes formas de viver e não querer impor ao próximo o seu próprio ideal. Isto não é cristão e nem ético.

Quer gostemos ou não, queiramos ou não, a família transcenderá sempre a sua historicidade, pois ela é da ordem da cultura, e não da natureza. Portanto novas estruturas parentais e conjugais estão em curso. E, por mais que variem, por mais diferentes que sejam ou venham a ser, ela terá sempre consigo aquilo que ninguém quer abrir mão, que ela seja o locus do amor do companheirismo, da privacidade. 

E o Estado deve respeitar e proteger todas as formas de constituição de famílias, parentais e conjugais. Esta é a verdadeira politica de um Estado laico e democrático.

O autor do texto é advogado em Belo Horizonte e presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família).




Em Estado laico ninguém pode impor sua religião à sociedade

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

Ateísmo faz parte há milênios de tradições asiáticas

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê...

Escritor ateu relata em livro viagem que fez com o papa Francisco, 'o louco de Deus'

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Padre acusa ateus de defenderem com 'beligerância' a teoria da evolução

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...