Pular para o conteúdo principal

'Religião nada tem a nos dizer', diz pesquisador do Big Bang

por Daniel Mediavilla
para El País

James Peebles afirmou que
avanços da ciência ocorrem
através do efeito acumulativo
Em 1964, Robert Wilson e Arno Penzias, dois engenheiros da companhia Bell Labs, estavam ocupados construindo uma nova antena de comunicações. Durante seu trabalho, detectaram um ruído de fundo que não conseguiam eliminar e que não sabiam de onde procedia. Finalmente, aquela radiação foi identificada como o fundo cósmico de microondas, uma radiação fóssil que era uma espécie de eco do Big Bang. A descoberta, que mereceu o prêmio Nobel, dava razão aos cientistas que haviam defendido a ideia de que o universo começou em um pequeno ponto extremamente quente e denso, do qual se expandiu.

James Peebles (nascido em Winnipeg, Canadá, em 1935), na foto, é um dos cientistas que havia previsto a existência daquela radiação de fundo. Pouco antes da descoberta dos engenheiros da Bell, tinha planejado sua busca junto com outros pesquisadores da Universidade Princeton (Estados Unidos). Segundo o físico canadense, nem ele nem seus companheiros expressaram qualquer decepção por terem sido antecipados em uma corrida ao Nobel. "O que existia era emoção diante dos dados sobre a origem do universo que estavam ali para ser medidos e analisados", afirma em artigo que lembrou o 50º aniversário da descoberta.

No dia 20 de abril de 2015, Peebles deu uma conferência na sede da Fundação BBVA em Madri intitulada "A descoberta e a expansão do universo". Antes, ele concedeu uma entrevista onde disse, entre outras coisas, que a religião não influencia em nada o seu trabalhador de pesquisador do Big Bang. "A religião não tem nada a nos dizer", falou. "Mas também diria que não temos nada a dizer à religião,"

Segue a entrevista

Mudou muito nosso conhecimento sobre o universo desde que o senhor começou a pesquisar?

Mudou incrivelmente. Quando começamos, há 50 anos, falava-se no Big Bang, mas era um conceito muito especulativo. Havia muito pouca evidência de que tivesse acontecido. O descobrimento dessa radiação fóssil há 50 anos e os estudos posteriores, realizados com detalhes espetaculares, permitiram consolidar a ideia de que o universo se expandiu a partir de um estado denso e quente. É um avanço extraordinário.

Apesar do avanço que o senhor menciona, dá a sensação de que em cosmologia, pelo menos do ponto de vista dos não especialistas, não houve descobertas do impacto cultural do Big Bang.

As ciências naturais dependem das observações. As ideias são boas, mas tão boas quanto as provas que as sustentam. A noção de um universo que se expande já não é revolucionária, mas as provas de que é algo que realmente acontece são o grande avanço. Também temos importantes avanços teóricos, como a proposta da matéria escura e da energia escura. Temos provas convincentes de que esses conceitos são reais, mas não posso lhe dizer o que são ou se há alguma alternativa melhor.

Há alguma descoberta que tenha lhe parecido especialmente surpreendente há meio século?

Teria sido uma série de surpresas. A ciência avançou de uma forma mais ou menos progressiva nos últimos 50 anos. Houve muitas descobertas importantes, mas o efeito cumulativo é maior que cada um individualmente. Às vezes se realizam observações chaves que têm grande importância, mas com muito maior frequência é o acúmulo de pequenos avanços, que se somam uns aos outros, o que nos dá uma ciência desenvolvida. Em todo caso, se tivessem me dito há 50 anos como ocorreria esse processo, eu não teria acreditado.

De fora, pode parecer que as grandes descobertas vêm do nada, de momentos de inspiração.

Há descobertas impressionantes que surpreendem todo mundo, mas são raras. O mais normal são esses avanços progressivos que, depois, é possível que apareçam de repente na mídia como uma grande descoberta. A descoberta do fundo cósmico de microondas foi transformadora. A mera existência dessa radiação foi uma grande vergonha para a teoria concorrente 50 anos atrás, a teoria do estado estacionário [que defendia um cosmo estático, que sempre foi e sempre será, no qual a matéria se cria de maneira lenta e constante]. Recentemente, houve uma grande excitação com o descobrimento do BICEP2 de uma polarização que poderia se dever a ondas gravitacionais produzidas durante a inflação. Isso teria completado um dos pontos incompletos de nossa teoria, porque não podemos garantir o que aconteceu antes que o universo começasse a se expandir. A melhor aposta que temos é a inflação, mas as evidências que a apoiam são escassas. Se a descoberta de BICEP2 tivesse se confirmado, teria me dado mais confiança em que a inflação é a resposta adequada, e isso teria sido realmente outro experimento transformador. Mas afinal não se confirmou.

O senhor se surpreenderia se a ideia da inflação fosse descartada pelos resultados de outros experimentos?

Não. A inflação poderia se mostrar errônea, e não me surpreenderia. Se aparecessem evidências de que o universo não se expande, algo que creio que não acontecerá, sim, eu ficaria realmente surpreso. Diria que as possibilidades são zero, mas não deveria dizer zero. Não creio que haja uma teoria que seja absolutamente correta. Para dar um exemplo, sobre a conservação da energia, nos EUA você não pode patentear uma máquina de movimento eterno. Há uma boa razão para isso.

Os experimentos demonstraram muitas vezes que a energia se conserva, e no entanto, na teoria da relatividade geral, a energia não se conserva. Mas as máquinas de movimento eterno são extremamente improváveis. Não podemos garantir que não existem porque não podemos chegar à verdade última. Isso vale inclusive para a matemática. Em ciência, só temos aproximações excelentes.

Mas suas descobertas, apesar de parecerem mais limitadas que as certezas que a religião pode oferecer, influem muito na ideologia das pessoas, em seu modo de ver o mundo.

Espero que você tenha razão, mas, por exemplo, nos EUA temos políticos bastante curiosos, pessoas em níveis muito elevados, que consideram a noção de um universo que se expande uma abominação, porque não está escrita na Bíblia. Se você me perguntar qual é a influência da religião em meu trabalho, eu diria que a religião não tem nada a nos dizer. Mas também diria que não temos nada a dizer à religião. São âmbitos diferentes, e muita gente se sente incomodada com isso.

De fato, George Lemaître, um dos pais da ideia do Big Bang, era um sacerdote católico. O senhor o conheceu?

Quando ele começava a se aposentar, eu começava a subir. Não o conheci pessoalmente, mas sim seu trabalho, e o admiro. Nos anos 1930, entendeu muito bem a teoria da relatividade de Einstein, era um indivíduo excepcional. É claro que era muito religioso, mas não tinha problema em reconciliar os dois âmbitos. Ele disse uma coisa de que eu gosto muito. Se um crente quer nadar, é melhor que o faça igual a um não crente. E o mesmo acontece com as ciências naturais: se um crente trabalha nelas, deve fazê-lo como um não crente.

Além de ajudar a conhecer o passado do universo, a física faz previsões sobre qual será seu destino final. Há alguma que lhe pareça mais interessante?

Não acho essas previsões muito interessantes. O passado se entende muito melhor que o futuro porque há fósseis. O futuro é fascinante. Podemos dizer que o mundo acabará. Mas nossa ciência tem muitas dificuldades para entender o futuro, porque não entendemos bem a energia escura, que está afetando o ritmo de expansão do universo agora e poderá ter um efeito muito grande no futuro ou não, dependendo da natureza da energia escura, que desconhecemos. O universo continuará se expandindo ou se contrairá de novo até produzir um Big Crunch [grande esmagamento]? Para mim, é uma pergunta pouco interessante, porque não há forma de testar as respostas.





Hubble não roubou o Big Bang do padre Lemaître, prova carta


Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Evangélico quebrou centro espírita para desafiar o diabo

"Peguei aquelas imagens e comei a quebrar" O evangélico Afonso Henrique Alves , 25, da Igreja Geração Jesus Cristo, postou vídeo [ver abaixo] no Youtube no qual diz que depredou um centro espírita em junho do ano passado para desafiar o diabo. “Eu peguei todas aquelas imagens e comecei a quebrar...” [foto acima] Na sexta (19), ele foi preso por intolerância religiosa e por apologia do ódio. “Ele é um criminoso que usa a internet para obter discípulos”, disse a delegada Helen Sardenberg, depois de prendê-lo ao término de um culto no Morro do Pinto, na Zona Portuária do Rio. Também foi preso o pastor Tupirani da Hora Lores, 43. Foi a primeira prisão no país por causa de intolerância religiosa, segundo a delegada. Como 'discípulo da verdade', Alves afirma no vídeo coisas como: centro espírito é lugar de invocação do diabo, todo pai de santo é homossexual, a imprensa e a polícia estão a serviço do demônio, na Rede Globo existe um monte de macumbeiros, etc. A...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...