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Somos incapazes de viver sem crer em algo superior, diz Gleiser

Título original: Acreditar é humano

por Marcelo Gleiser para Folha

O ser humano é um animal acreditador. Talvez esse seja um bom modo de definir nossa espécie. "Humanos são primatas com autoconsciência e a habilidade de acreditar." Já que " acreditar" sempre pede um "em quê?", refiro-me aqui a acreditar em poderes que transcendem a percepção do real, algo além da dimensão da vida ordinária, além do que podemos perceber apenas com nossos sentidos.

Eu me pergunto se a necessidade de acreditar em algo (não uso a palavra "fé", pois essa tem toda uma conotação religiosa) é consequência da consciência. Será que outras inteligências cósmicas também acreditam?

Parece que somos incapazes de viver nossas vidas sem acreditar na existência de algo maior do que nós, algo além do "meramente" humano. Bem, nem todos nós, mas a maioria. Isso desde muito tempo. Para os babilônios e egípcios, os céus eram mágicos, a morada dos deuses, ponte entre o humano e o divino. Interpretar os céus era interpretar mensagens dos deuses, muitas vezes dirigidas a nós mortais.

Essa divinização da natureza é muito mais antiga do que a civilização. Pinturas rupestres, os símbolos mais antigos da expressão humana, já demonstram a atração que nossos ancestrais nas cavernas tinham pelo desconhecido, sua reverência por poderes além de seu controle. As pinturas de animais representavam encantamentos, uma mágica gráfica criada com o objetivo de auxiliar os caçadores em sua empreitada, cujo sucesso garantia a sobrevivência do grupo.

Fico imaginando o poder que essas imagens -que dançavam à luz do fogo- exerciam sobre o grupo reunido na caverna, uma tentativa de recriar a realidade para ter algum controle sobre ela. A religião nasceu da combinação de reverência e necessidade. E assim continua, definindo como a maioria dos humanos vê o mundo.

Mesmo após termos desenvolvido meios para explorar fontes de energia da natureza, estamos ainda à mercê dos elementos. Muitos chamam enchentes, tornados, erupções vulcânicas ou terremotos de atos divinos, representando forças além do nosso controle.

A ciência, claro, atribui esses desastres a causas naturais, o que acarreta abandonar a crença de que a fé pode nos ajudar de alguma forma a controlá-los. Fica difícil, hoje em dia, rezar para o deus do vulcão ou para o deus da chuva.

Esse é um desafio para a ciência e para os seus educadores: a ciência pode explicar, às vezes prever e, até certo ponto, proteger-nos de desastres naturais. Porém, não pode competir com o poder da crença na imaginação humana, mesmo na completa ausência de evidência de que possa nos proteger contra desastres naturais.

O mundo estava cheio de deuses no início da história da nossa espécie e, para muitas pessoas, assim continua. A resposta, parece, não é tentar transformar a ciência numa espécie de deus, substituindo uma crença por outra, mas, ao contrário, mostrar que vidas podem ser vividas sem a crença em poderes divinos cuja intenção é nos manipular, seja para o bem ou para o mal.

Talvez a maior invenção da vida na Terra tenha sido essa espécie de primatas com a capacidade de imaginar realidades que a transcendem.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".

O que existe após a morte de alguém é a lembrança dos vivos.
por Marcelo Gleiser em maio de 2011

Comentários

Avelino Bego disse…
Existem várias hipóteses sobre as características do cérebro.

É óbvio que nos é muito acolhedor achar que existe uma pessoa que sempre esteja sempre nos protegendo.

Na infância temos a figura do pai e da mãe.

Uma das hipóteses é que na Era Glacial, com as enormes dificuldades enfrentadas pelos nossos ancestrais naquelas condições, a sobrevivência exigiu que se acreditasse em "algo a mais" pra suplantar os problemas.

O famoso "efeito placebo" existe até hoje...
Bia Alencar disse…
Muito bom o texto!
Anônimo disse…
Eu acredito em algo superior: a estupidez humana.
Caruê disse…
O texto é muito bom.
Seria a crença tão natural assim ou seria apenas uma questão cultural imposta na mais tenra infância?
Israel Chaves disse…
É natural do ser humano ter medo do desconhecido, e as superstições/lendas/religiões surgiram para explicar esse desconhecido, e com isso fazer as pessoas sentirem-se melhor.
Natural, é. Não quer dizer que seja certo. Muitas coisas naturais, como medos irracionais, são superadas pela conhecimento e com isso ganha-se uma vida melhor. Isso significa ser racional, superar seus instintos e medos primitivos.
Vivo sem crer em nada e vivo bem melhor assim, depois de uma vida inteira de crenças e superstições e de uma busca insana por amparo, socorro e afeto, nas lendas que, desde criança disseram-me existir. Acho que eu só cria por isso, porque fui condicionado a enfrentar os meus medos usando as lendas como refúgio.
AlyneS2 disse…
Pois é, a minha figura protetora quando criança era o pai e a mãe. Junto de Deus com o tempo. Deixei Deus há poucos anos. E não vi diferença no dia-a-dia^^ Apenas a sensação de que eu sei, que realmente não há ninguém guiando os meus passos. Mas é confortante as pessoas acreditar em um ser, pois elas sentem-se melhor pois a crença delas é a confiança das mesmas. Eu fico com a mesma duvida de Caurê^^
Anônimo disse…
O cérebro humano e a química de nosso comportamento e emoções não distinguem seres reais de imaginários. Isto é, se você pensar no seu pai (que é real, que você conhece etc...) seu cérebro reagirá da mesma forma que quando você pensa, fala sobre seres irreais. A emoção produzida por um ser imaginário pode ser tão forte quanto se fosse um personagem real e em alguns casos até mais forte.
Não é a crença no sobrenatural que é natural (meio contraditório não acha), mas a emoção produzida sim. Dessa nossa mente precisa racionalizar, algo do tipo: como posso ter essa sensação tão forte se não vejo nenhum ser por perto? Deve ser porque há seres invisíveis, etc... Assim começam as crenças no sobrenatural.
Percebe-se isso em muitos conversas religiosos e supersticiosas (sensações "inexplicáveis", medos repentinos, frio na espinha, etc...). Tudo isso é o combustível para a crença no sobrenatural.
ejedelmal disse…
Só um detalhe. Isso vale para o deus montanha, o deus sol, o deus mar, o deus árvore. Para o deus "Ser Abstrato que Aponta o Dedo" isso não vale.
yami karasu disse…
"Para os babilônios e egípcios, os céus eram mágicos, a morada dos deuses, ponte entre o humano e o divino."

Babilônios? Eles acreditavam em deuses, mas ñ em outro mundo, bem diferente da ilusão de céu e inferno. Sobre divinização da natureza, é comum, afinal, vcs acham q vem de onde "títulos" como "Touro sentado", "Richard Lionheart" e outros? E deuses de diferentes funções?

Sobre a imaginação, é algo ótimo, DESDE q ñ se torne chantagem divina (o q acontece e muito)
Celo Rosendo disse…
Não são só Homo sapiens que acreditam.

Animais domésticos têm toda fé do mundo que somos seus deuses, concordam?
Celo Rosendo disse…
As pinturas rupestres são representações do início da escrita. Apenas com o surgimento da escrita cuneiforme que deuses humanoides começaram a surgir, pois está ligado ao sedentarismo.

O ser humano a 150 milhões de anos atrás não possuía condição de ficar parado construindo cidades e plantações sem explicar aos trabalhadores por que ocorriam trovões que queimavam plantações de trigo, de como ocorriam enchentes que eram importantes para plantar arroz, como ocorriam terremotos e por que caia pedras de fogo do céu.

Maior exemplo disto é a explicação das 10 pragas da bíblia que foram acontecimentos naturais aproveitados por Moisés para libertar o povo. Moisés conhecia o deserto ao fugir após matar um egípcio, assim foi fácil usar tais acontecimento contra os próprios egípcios.


A fé, é aquilo que explica o que ninguém ainda entende. Dizem que milagres são causados pela fé, mas quando se descobrir como curar doenças genéticas então para que servirão os milagres?

Milagres existem, fato, mas podem ser explicados se algum estudioso desejar, mas nenhum quis até agora.

Milagres é tudo que acontece que não possui resposta cientifica de como ocorre ou funciona tal evento.

Portanto neste sentido ainda somos incapazes de viver sem fé, já que nem tudo têm resposta, quando surgir as resposta a fé se destrói e se inutiliza.
Felipe... disse…
Eu acredito em algo superior sim, o BOSON HIGGS que será confirmado na terça feira.

http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/lhc-anuncia-que-esta-perto-de-encontrar-a-particula-de-deus/n1597402557401.html

Boson higgs= bye bye deus.
Anônimo disse…
Bem, quando chegamos aqui o mundo já estava pronto para nos receber, como se fosse um berço. Ou, falando de uma forma mais evolucionista, nós nos adaptamos para sobreviver nesta espécie de berço dentro do Universo.

É Justo pensar que há ou haverá algo mais, algo ou alguém que "queira" que sobrevivamos; algo em nós mesmos que ainda não foi revelado pelos processos da evolução.

Se há esse algo ou alguém que cuida deste berço, então ele tem poder sobre vida e morte da Humanidade e pode ser chamado de Deus; se a explicação de tudo isto estiver em nós mesmos, então as religiões cultuam o próprio homem.
Anônimo disse…
Se não crescemos em muitas coisas elas nunca existiriam. Cristão.
Joaquim disse…
Eu não acho que seja necessidade de acreditar em algo superior, talvez seja somente a necessidade de ter respostas.
Deuses são respostas rápidas, simples e que explicam tudo de uma vez só.
sanson disse…
O nosso cérebro tem sim um "espaço" reservado à fé. Uma alteração química/física evolucionista? Provavelmente.

Muito se deve ao consumo de substâncias que alteram a consciência e tornam a experiência com o "Divino" totalmente palpável e vivenciada. A relação do homem com essas substâncias entegógenas, por assim dizer, sempre aconteceu e sempre vai ocorrer. Toda religião, rituais antigos e etc tem relação com drogas naturais.

O fato é que a neurociência hoje consegue identificar onde a fé age no cérebro (procure pelo livro "A Religião do Cérebro").

Resumindo, o ser humano construiu uma relação inseparável com a fé devido à experiências com algo que foge da nossa experiência cotidiana e ordinária. Uma experiência de morte do EU, do EGO Em que o lado direito do cérebro age sem limitantes (o lado esquerdo, responsável pelo EU singular) e propicia uma visão de mundo totalmente diferente, abrangente e preternatural. O que se pode conseguir de diversas maneiras: mas o atalho se encontra em substâncias que alteram a consciência.

Essa é a minha explicação para crença em algo superior.
Michelle disse…
E mesmo que 100% das pessoas tenham crença exatamente na mesma coisa, isso não garante que ela exista. Acho que o maior problema dos religiosos é não conseguir entender isso.
Flávio Ataliba disse…
Que lendas abrigaram teus medos, caro Elcio?
Flávio Ataliba disse…
Caro Israel, você não acha que o homem é um ser limitado em vários aspectos, e dentre eles, a dificuldade de responder questões para si e para os demais como: de onde eu vim? Por que estou aqui? E a mais assustadora delas, para a maioria das pessoas (estou excluído deste grupo) que é - para onde vou?
Flávio Ataliba disse…
Caro Caruê. Lendo sua observação fiquei pensando o seguinte: não seria a capacidade de crer algo inato ao homem e nele inserido por alguém - seu modelo existencial - que o forjou? Claro que não quero que você pense que viemos de uma bactéria ou um coacervado, porque somente um tolo poderia imaginar essa turminha tão decadente com capacidade natural de crer, não é verdade?
Anônimo disse…
concordo totalmente com vc,deuses são respostas rapidas e simples,mas sera que não existe um ser que possamos chamar de deus ? sera que algum ser ñ poderia ter criado tudo? eu acho que sim
Unknown disse…
Acredito em Deus. Criador do universo. Estudo bastante e e muito mais fácil acreditar em Deus do que acreditar que uma explosão a bilhões de anos atrás levou o universo á ordem, quando na verdade, o que observamos que o universo tende sempre á desordem. Leiam um pouco sobre design inteligente.

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