Título original: Quibes, queijos e vinhos
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Os árabes foram às ruas. Os paquistaneses (muçulmanos, mas não árabes) vivem nas ruas pedindo a cabeça de algum inimigo do Islã. Pensar que estamos diante da "aurora" de um novo mundo árabe democrático é uma piada.
Imagino como alguns "sacerdotes da religião do povo" (populismo para intelectuais de esquerda?) devem ficar emocionados, lembrando (fantasiando?) os grandes dias do Maio de 68 na França.
Se lermos as colunas de Nelson Rodrigues (editora Agir) da época, encontraremos questões como: afinal, o que querem esses estudantes parisienses se não cortaram nenhuma cabeça? Que revolução é essa que acabou em croissant?
De uma hora para outra, a moçada francesa voltou para casa para tomar vinho e comer "un petit fromage". Centenas de teses pelo mundo tentam até hoje explicar a razão de a "revolução do desejo" de Maio de 68 ter acabado de repente, sem nenhuma razão.
Diferentemente dos jovens americanos, que tinham um motivo concreto para protestar (a horrível Guerra do Vietnã), os meninos franceses estavam cheios de tédio, naquela vidinha chata de gente rica, e resolveram brincar de "comuna de Paris".
No fundo, queriam "o direito" de transar com as colegas nos dormitórios da universidade, alguns meninos queriam "o direito" de transar com outros meninos (sob a bênção filosófica do mestre Foucault, que, aliás, no começo da Revolução Islâmica do Irã, tinha frisson por ela), e alguns, como sempre, não queriam mesmo é ir para a aula e virar gente grande.
Mas os "sacerdotes do povo" fizeram seu trabalho e transformaram aquela festa em grande fenômeno histórico.
A verdade é que não se sabe no que vai dar essa "revolução do quibe" no mundo árabe. Pessoalmente, espero que consigam viver melhor e se livrem dos "partidos de deus".
Mas o que é viver melhor? Para mim, que não sou relativista e acho a democracia liberal ocidental o melhor sistema político conhecido e gente que amarra toalha na cabeça para gritar "morte aos infiéis!" gente atrasada, viver melhor é poder ganhar dinheiro e pagar suas contas, consumir coisas que queremos consumir, transar com quem você quiser, não ter que aturar maridos espancadores, não ser obrigado a sustentar mulheres de que você não gosta mais, não ser obrigado a rezar se você não quiser, poder rezar se você quiser para o deus que você quiser, não ter que achar seu governante "o salvador do povo". Enfim, coisas básicas, não?
Mas o fundamentalismo islâmico (que não é a mesma coisa que islamismo) não pensa assim.
Se, por um lado, não se pode afirmar que o Egito vá virar o Irã (que alguns ainda acham ótimo porque "enfrenta o imperialismo americano"... risadas...), por outro, negar o risco do fundamentalismo islâmico na região em questão é uma piada. Pura má fé teórica.
Risco aqui não significa apenas tomar o poder, significa minar a sociedade, enterrando as pessoas nesse "pântano de deus" onde fundamentalistas crescem como praga na lama.
Essas pessoas que estão nas ruas querem emprego. Se eles falam em "liberdade", fazem-no porque aprenderam com o Ocidente capitalista malvado. Não estão movidos por ideologias de Maio de 68. Espera aí... qual era mesmo a ideologia? Reclamar da TV, do cinema, de ter que arrumar o quarto, de ter que fazer prova na faculdade?
Que tal o Líbano, que virou refém do Hizbollah (o partido de deus), esse grupo muito pacifista e democrático? Ou a irmandade islâmica do Egito, que está "gozando" com tudo isso? E os democráticos do Hamas? Que tal mandar um desses populistas de esquerda passar uns dias com eles para discutir "liberdades individuais"? E se o voto direto por lá eleger outro Hamas?
Muitas análises são feitas a partir do que em filosofia se chama "wishful thinking" (pensamento contaminado por "desejos escondidos"). Muita gente projeta sobre esses fenômenos seus pequenos sonhos de grandeza teórica.
Esses países não têm a divisão moderna entre religião e Estado. Negociar com eles é negociar com o Islã, não nos enganemos. O necessário é falar com o Islã e seus líderes, a fim de "isolar" a praga do fundamentalismo.
> Mundo é mais complexo do que o 'coração de estudante' imagina.
dezembro de 2010
> Artigos de Luiz Felipe Pondé. > Posts deste mês.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Os árabes foram às ruas. Os paquistaneses (muçulmanos, mas não árabes) vivem nas ruas pedindo a cabeça de algum inimigo do Islã. Pensar que estamos diante da "aurora" de um novo mundo árabe democrático é uma piada.
Imagino como alguns "sacerdotes da religião do povo" (populismo para intelectuais de esquerda?) devem ficar emocionados, lembrando (fantasiando?) os grandes dias do Maio de 68 na França.
Se lermos as colunas de Nelson Rodrigues (editora Agir) da época, encontraremos questões como: afinal, o que querem esses estudantes parisienses se não cortaram nenhuma cabeça? Que revolução é essa que acabou em croissant?
De uma hora para outra, a moçada francesa voltou para casa para tomar vinho e comer "un petit fromage". Centenas de teses pelo mundo tentam até hoje explicar a razão de a "revolução do desejo" de Maio de 68 ter acabado de repente, sem nenhuma razão.
Diferentemente dos jovens americanos, que tinham um motivo concreto para protestar (a horrível Guerra do Vietnã), os meninos franceses estavam cheios de tédio, naquela vidinha chata de gente rica, e resolveram brincar de "comuna de Paris".
No fundo, queriam "o direito" de transar com as colegas nos dormitórios da universidade, alguns meninos queriam "o direito" de transar com outros meninos (sob a bênção filosófica do mestre Foucault, que, aliás, no começo da Revolução Islâmica do Irã, tinha frisson por ela), e alguns, como sempre, não queriam mesmo é ir para a aula e virar gente grande.
Mas os "sacerdotes do povo" fizeram seu trabalho e transformaram aquela festa em grande fenômeno histórico.
A verdade é que não se sabe no que vai dar essa "revolução do quibe" no mundo árabe. Pessoalmente, espero que consigam viver melhor e se livrem dos "partidos de deus".
Mas o que é viver melhor? Para mim, que não sou relativista e acho a democracia liberal ocidental o melhor sistema político conhecido e gente que amarra toalha na cabeça para gritar "morte aos infiéis!" gente atrasada, viver melhor é poder ganhar dinheiro e pagar suas contas, consumir coisas que queremos consumir, transar com quem você quiser, não ter que aturar maridos espancadores, não ser obrigado a sustentar mulheres de que você não gosta mais, não ser obrigado a rezar se você não quiser, poder rezar se você quiser para o deus que você quiser, não ter que achar seu governante "o salvador do povo". Enfim, coisas básicas, não?
Mas o fundamentalismo islâmico (que não é a mesma coisa que islamismo) não pensa assim.
Se, por um lado, não se pode afirmar que o Egito vá virar o Irã (que alguns ainda acham ótimo porque "enfrenta o imperialismo americano"... risadas...), por outro, negar o risco do fundamentalismo islâmico na região em questão é uma piada. Pura má fé teórica.
Risco aqui não significa apenas tomar o poder, significa minar a sociedade, enterrando as pessoas nesse "pântano de deus" onde fundamentalistas crescem como praga na lama.
Essas pessoas que estão nas ruas querem emprego. Se eles falam em "liberdade", fazem-no porque aprenderam com o Ocidente capitalista malvado. Não estão movidos por ideologias de Maio de 68. Espera aí... qual era mesmo a ideologia? Reclamar da TV, do cinema, de ter que arrumar o quarto, de ter que fazer prova na faculdade?
Que tal o Líbano, que virou refém do Hizbollah (o partido de deus), esse grupo muito pacifista e democrático? Ou a irmandade islâmica do Egito, que está "gozando" com tudo isso? E os democráticos do Hamas? Que tal mandar um desses populistas de esquerda passar uns dias com eles para discutir "liberdades individuais"? E se o voto direto por lá eleger outro Hamas?
Muitas análises são feitas a partir do que em filosofia se chama "wishful thinking" (pensamento contaminado por "desejos escondidos"). Muita gente projeta sobre esses fenômenos seus pequenos sonhos de grandeza teórica.
Esses países não têm a divisão moderna entre religião e Estado. Negociar com eles é negociar com o Islã, não nos enganemos. O necessário é falar com o Islã e seus líderes, a fim de "isolar" a praga do fundamentalismo.
> Mundo é mais complexo do que o 'coração de estudante' imagina.
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Comentários
http://tsavkko.blogspot.com/2011/02/quando-confunde-se-religiao-com.html
O que essa gente "inventou"? Inventaram a internet? foram à lua? inventaram as vacinas que seus filhos tomam?? Ora, tome vergonha meu senhor, essas pessoas estão sobrando no mundo, consumindo os recursos naturais sem dar nenhuma contribuição que preste à humanidade.
VIVA MESMO!!!!! Se não está satisfeito, escolha um desses maravilhosos países que você defenda e vá morar lá com sua mulher e filhas, para que elas tenham seus clitóris cortados por essas maravilhosas "culturas"...
A tarefa, agora, é matar outro.
Sua ignorância - e o fato de ser anônimo - dizem tudo. Pena que na tal sociedade cristã e civilizada ainda se espalhe a ignorância de tal forma...
Ignorância demonstrada, aliás, por sequer saber q boa parte da situação de atraso de muitos países árabes e africanos se dá por culpa da nossa "avançada" sociedade cristã...
A culpa do subdesenvolvimento dos países africanos é deles mesmos, que não tem competência para administrar os recursos que a ONU e outros diversos voluntários da malvada civilização ocidental destina a eles todos os anos. E outra: não tenho pena nenhuma dos bárbaros.
Experimente ler alguma coisa, faz bem mesmo pra fascistas doentes.
Caramba... Esse comentário foi tão burramente infantil que só faltou falar que quem critica o artigo tem "inveja" do Pondé...
RONALDOOOOOOOO !!!!!!!!!!!!!
Apenas posso dizer que a verdade, seja ela relativa ou não, foi dita aqui.
O pessoal é mesmo muito hipócrita com esse papo de que "islamismo fanático" é questão cultural. Queria ver se algum desses que está aqui falando abobrinha morasse lá no Irã, só pra ter uma idéia!
A ignorância (ou a dissimulação) desse pessoal da esquerda é tão escrota que me faz ficar ainda com mais desrespeito pelos "comunistas" de araque desse país.
Wander
Lá vem mais um panaca... Deve ser iraniano, para saber com tanta propriedade assim sobre o que fala. Opa, não é não! É de Joinville o menino! Caramba, como sabe tanto sobre o modo de vida e a cultura islãmicas? Através de Dan Brow e Paulo Coelho? Revista Veja? Cada um...
Não é preciso ser iraniano para saber que o país é uma teocracia em pleno século XXI, que treina e financia grupos terroristas islâmicos, sonha em construir a bomba atômica para riscar Israel do mapa e onde o conceito de "liberdade de expressão" é somente mais uma invenção do Ocidente infiel e diabólico. Ou será que tudo isso é invenção da mídia ocidental, em sua sanha de esconder a qualquer preço as maravilhas atingidas pela Revolução Islâmica de 79?
Em todo lugar tem gente imbecil e preconceituosa, que fica fazendo generalizações e usando argumentos de 5ª série (naquela aula sobre Guerra Fria) e mandando os outros irem morar em Cuba como se precisasse sair do país pra ver gente fodida.
É nesse estado que o mundo se encontra... horrível, mas achando que tá bom, só porque tem pior.
Ou vão dizer que no civilizado Ocidente Cristão o capitalismo selvagem também não é uma forma de terrorismo oficializado pelo Estado? Também não é uma espécie de fundamentalismo religioso cruel e sanguinário? A diferença é que se apresenta com vestes mais suaves, com uma maquiagem que lhe dá feições mais brandas, mas o rosto verdadeiro (por detrás da máscara) é tenebroso e sombrio. Vão dizer que aqui há "liberdade de expressão individual"??? Tente se expressar contra o sistema vigente pra ver o que te acontece. Que aqui não se sonha em eliminar países inimigos do mapa, com bombas atômicas? Pior: aqui não se sonha, aqui tal sonho já se realizou (Hiroshima e Nagazaki) e outras guerras, normalmente encabeçadas pelos Estados Unidos, pra dar vazão à indústria bélica norte-americana e aos interesses econômicos do petróleo do mundo árabe.
Mas o que é viver melhor? Para mim, que não sou relativista e acho a democracia liberal ocidental o melhor sistema político conhecido e gente que amarra toalha na cabeça para gritar "morte aos infiéis!" gente atrasada, viver melhor é poder ganhar dinheiro e pagar suas contas, consumir coisas que queremos consumir, transar com quem você quiser, não ter que aturar maridos espancadores, não ser obrigado a sustentar mulheres de que você não gosta mais, não ser obrigado a rezar se você não quiser, poder rezar se você quiser para o deus que você quiser, não ter que achar seu governante "o salvador do povo". Enfim, coisas básicas, não?
Mas o fundamentalismo islâmico (que não é a mesma coisa que islamismo) não pensa assim.
Será mesmo que isso é o ideal de uma vida melhor ou aquilo que o sistema capitalista ocidental quer que agente acredite que seja?...fica aí a pergunta....(não que eu faça a apologia do mundo árabe fundamentalista mas....)
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