Pular para o conteúdo principal

'Todo mundo quer agradar a todo mundo. Uma praga infantil'


por Luiz Felipe Pondé para a Folha

Perdi alguns amigos nos últimos dias. Que triste. Por quê? Porque no dia 11/10, nesta coluna ("Vai encarar?"), disse que sou contra o aborto, e isso é imperdoável no mundo "inteligentinho". Mas aumentei a dose de antidepressivo e acordei melhor hoje.

Valeu a pena, muita gente "me encarou", e isso é o objetivo do colunista, não? Mas muita calma nessa hora. Nada é tão evidente assim. Muita gente acha que não é essa a função do colunista (e isso é típico da sensibilidade de classe média que domina o debate público nos últimos anos): queremos fazer e pensar o que fazemos e pensamos, mas exigimos que os outros pensem que somos "bonitinhos" em tudo o que fazemos e pensamos. A sensibilidade de classe média infantiliza o mundo.

Na realidade, hoje em dia quase todo mundo quer agradar a todo mundo. Uma praga infantil.

As crianças assim o são por "trauma" diante da própria fragilidade, como nos diz a grande escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís em seu ensaio "Contemplação Carinhosa da Angústia". Mas um adulto o é por mera covardia e desejo de ser desejado.

Também vivo em pânico, com medo de que minha mulher me abandone e de que me achem feio. Somos miseráveis afetivos mesmo, fazer o quê...

Mas, existe luz no final do túnel. Recentemente foi lançado no Brasil, pela editora gaúcha Arquipélago, um livro fabuloso para quem, como eu, cultiva o pensamento sem medo: "Aforismos", do jornalista iconoclasta austríaco Karl Kraus (1874-1936). Iconoclasta é alguém que tem por hábito quebrar o coro dos contentes.

Por exemplo, hoje em dia, chorar por foquinhas fofinhas, ter medo das feministas, falar que somos a pior espécie do planeta e sonhar com um mundo dominado por golfinhos ou "povos da floresta" são crenças do coro dos contentes.

Eu acho o contrário: se o mundo tivesse ficado na mão dos "povos da floresta", estaríamos na idade da pedra e adorando árvores. Os portugueses "nos libertaram" das trevas.

Outro exemplo de crenças infantis é "um mundo sem guerras é possível". Essa então é de doer. Lembro-me, na minha infância, de ouvir isso no concurso de Miss Universo: "World peace" era o sonho de todas elas.

Não diziam coisas muito inteligentes, mas eram bonitas e isso, para nós, homens, muitas vezes basta.

Claro que ninguém normal gosta de guerra. Mas, "gosto" nada tem a ver com isso. E também não é uma mera questão de interesses econômicos e políticos do tipo paranoia foucaultiana: "Oh! O sistema! O sistema é malvado e nos controla!". Guerras existem porque simplesmente existem razões para se odiar.

Isso é feio, mas é assim mesmo. Às vezes, não adianta "sentar e conversar". O mundo não é o que Obama pensa que seja, quando sentado em seu gabinete chique sonha com seu mundinho cor de rosa onde todos cabem como bonequinhas cor de rosa. Às vezes, e muitas vezes, infelizmente, somos obrigados a ir à guerra e matar e sermos mortos e nada vai mudar isso.

A grande mentira dos "cor de rosa" é que, por debaixo do "amor a paz" que pregam, o que existe é a afirmação de que só o que eles odeiam é que é justo.

A guerra deve ser evitada justamente porque existem razões racionais (redundância proposital) para fazermos guerras. Para algumas pessoas, em determinadas situações, o ódio é único afeto "justo".

Por exemplo, muitos fundamentalistas islâmicos nos odeiam (nós, ocidentais) porque somos o que somos: acreditamos na democracia (para eles, um regime de "mulherzinha"), adoramos dinheiro (apesar de mentirmos sobre isso), praticamos sexo como descarga fisiológica de prazer, como gatos no telhado, enfim, porque achamos o "mundo deles" o fim da picada e o nosso mundo, legal.

Comece sua semana com duas pérolas do Karl Kraus: "Isso e, apenas isso, é o conteúdo de nossa cultura: a rapidez com que a imbecilidade nos arrasta em seu turbilhão".

E mais uma: "Nada é mais tacanho do que o chauvinismo ou o ódio racial. Para mim, todos os seres humanos são iguais; há idiotas em toda parte e tenho o mesmo desprezo por todos. Nada de preconceitos mesquinhos!"

Acabe seu café da manhã. Coragem. Boa semana.

> ‘Sou contra o aborto e sou intelectual, PhD. Vai encarar?’ (outubro de 2010)

> Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Helen De Rose disse…
A hipocrisia da classe média infantiliza o mundo. Eu também escrevi sobre a legalização do aborto e muita gente entortou o nariz. Eu sou mulher, jamais faria um aborto, entretanto, isto é uma questão de saúde pública, a legalização precisa ser feita ou mais mulheres irão morrer. Preferia viver na floresta igual índio, pelo menos eles são autênticos e cuidam da natureza.
Leonardo disse…
A maior pérola do texto foi do próprio Pondé: "Os portugueses 'nos libertaram' das trevas"... o ilustre colunista está se revelando um piadista excelente, daqui a pouco será o novo Ari Toledo!
Thiago disse…
Interessante o texto, mas eu diria que hje em dia as pessoas querem agradar a si mesmas nos outros... Egoísmo e individualismo é o que norteia as pessoas no mundo hodierno.
Anônimo disse…
O colunista tem razão, os portugueses nos livraram das trevas. Só a correção política pode justificar que bárbaros analfabetos e canibais sejam um modelo a ser seguido.
Não está certo quem diz que as pessoas querem agradar a si mesmas nos outros, elas desagradam a si para agradar os outros, porque dependem psicoticamente da aprovação dos outros. E caem nessa adicção por conta da impossibilidade de pensarem por elas mesmas. Se os escravos pensassem não trabalhariam, já dizia Aristóteles, e Pondé está certo quando aponta o coro dos contentes como a massa homogeneizada, pela pasteurização midiática, reduzida à claque do sistema: todos são bons e moralistas, até que a sujeira oculta debaixo do tapete desfaça o make-up do politicamente correto. Nestes temas universais do discurso porém não da prática, porque quase ninguém se envolve de fato embora todos opinem; o da vida é um slogan barato que agora serve a todo assassino: mato para defender a liberdade de viver. Além dos contrasensos tornados geléia geral, o vulgo gosta dessa paranóia green-eco, porque é uma utopia mais atual, na verdade uma topografia, porque o mundo que querem salvar e a vida que querem ganhar, são estes aqui, do capital e seu wellfare state, enquanto Le Grand Frère nos tiraniza a todos com sua accountability. E a democracia, nossa utópica religião de fundo, nos empurra goela abaixo a "solução final": vontade da maioria, ou seja, dos contentes.
Anônimo disse…
Por tráz dessa vontade de ser bonzinho, agradar todo mundo está a praga do politicamente correto, que esconde muita hipocrisia e ignora a realide.
Ah! Os muçulmanos são um povinho hipócrita (que bom poder ser politicamente incorreta anonimamente). Criticam a sexualidade dos ocidentais, mas para os homens dessa religião só suas mulheres é que devem se manter castas. Eles são os piores putanheiros que existem, molestam qualquer mulher de outra religião. Além do mais a maior parte dos criminosos na Alemanha, Holanda, etc são muçulmanos. Eles fazem coisas hediondas tais como prostituir meninas de outra religião a partir dos 11 anos, fazê-las escravas sexuais. Se informem a respeito no google: loverboys ou stoploverboys. Se viesse a Scharia que tanto querem ,eles é que sairiam perdendo e a Europa ficaria limpa desses trastes. No entanto devido a todos quererem ser bonzinhos, politicamente corretos, esses trastes imobilizam qualquer crítica só usando uma palavra: racismo. Daí como isso é politicamente incorreto, a sujeira e colocada debaixo do tapete.
Unknown disse…
Tudo que Pondé escreve se identifica comigo. Eu queria ser amiguinha "inteligentinha" dele. Amo mais q chocolate.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Só metade dos americanos que dizem 'não acredito em Deus' seleciona 'ateu' em pesquisa

Baleias e pinguins faziam parte da cultura de povos do litoral Sul há 4,2 mil anos

Cigarro ainda é a principal causa de morte por câncer de pulmão no Brasil, com 80% dos casos

Vídeo mostra adolescente 'endemoninhado' no chão. É um culto em escola pública de Caxias

Tribunal do Ceará derruba lei que reduzia pena de condenados que lessem a Bíblia

Pereio defende a implosão do Cristo Redentor

Serviço de Informações da ditadura militar espionou mais de 300 mil brasileiros