Auto-retrato de Francenil Costa

Da Veja de 23 de agosto de 2006

Há cinco meses, o caseiro Francenildo Costa revelou que o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, freqüentava a mansão brasiliense na qual seus amigos de Ribeirão Preto faziam negócios e orgias. Em retaliação, Palocci e outros integrantes do governo quebraram ilegalmente seu sigilo bancário e o divulgaram, para sugerir que ele havia recebido dinheiro para falar. Costa disse ao repórter Victor Martino que, por causa do escândalo, perdeu tudo o que tinha

O QUE MUDOU NA SUA VIDA DEPOIS QUE DENUNCIOU O EX-MINISTRO DA FAZENDA ANTONIO PALOCCI?
Minha vida era uma maravilha. Depois foi só tragédia. Fui parar na lama. Perdi o emprego. Até agora, estou sem arrumar trabalho. Meu namoro de seis anos terminou por causa dessa confusão. Nem tenho mais onde morar. Vivo de favor na casa de amigos ou na do meu irmão. Mas já houve noites em que dormi até debaixo da ponte.  

POR QUE O SENHOR NÃO CONSEGUIU UM NOVO EMPREGO?
Fizeram parecer que eu falo demais e que fui comprado por um político para falar mal de outro. Eu só disse a verdade, mas, depois que contei o que sabia para a CPI dos Bingos, patrão nenhum quis me contratar.  

QUANDO VIOLARAM SEU SIGILO BANCÁRIO, DESCOBRIU-SE QUE O SENHOR TINHA 25 000 REAIS NA CONTA. ISSO NÃO ERA SUFICIENTE PARA SUSTENTÁ-LO?
Meu pai me passou esse dinheiro, mas eu gastei a maior parte dele comprando um terreninho no Piauí. O pouco que me sobrou deve acabar até o mês que vem. Se eu não arrumar logo um serviço, não vou ter do que viver.  

POR QUE O SENHOR NÃO PEDE AJUDA NOVAMENTE A SEU PAI?
Meu pai me deu dinheiro porque eu estava entrando em acordo com a família dele, para que me reconhecessem como filho. Eles ficaram muito aborrecidos quando a mídia divulgou que recebi o dinheiro de alguém que ainda não me reconhecia como filho. A partir daí, não me deram mais nada.

MAS, SE O SENHOR TEM UM TERRENO NO PIAUÍ, POR QUE MORA DE FAVOR EM BRASÍLIA?
Só posso sair daqui quando os processos acabarem. Senão, vou ter de voltar a Brasília toda vez que tiver uma audiência aqui. Não tenho dinheiro para isso. Se eu conseguisse uma indenização pela quebra do meu sigilo bancário, construiria uma casinha boa e ficava de vez por lá. Hoje, lá só tem uma casa de taipa em construção, em que minha mãe vai morar.  

O SENHOR ACREDITA QUE A POLÍCIA FEDERAL DESCOBRIRÁ OS RESPONSÁVEIS PELA QUEBRA DO SEU SIGILO BANCÁRIO?
Rapaz, se o delegado estivesse no Ministério da Justiça, já estava tudo resolvido. Mas quem está lá é o patrão dele. É provável que, agora, o ministro (Márcio Thomaz Bastos) também esteja dificultando a investigação.  

NA SUA OPINIÃO, O GOVERNO NÃO QUER APURAR O QUE HOUVE?
Não quer mesmo. Eles juntaram um bando de funcionários para pegar meu nome, meu CPF e ir à Caixa Econômica para ver se eu tinha dinheiro. Nisso, foram todos muito ligeiros. Agora, para resolver a situação, está demorando demais.

O SENHOR SABE QUE O EX-MINISTRO PALOCCI É CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL?
Sei. Se ele deu a volta por cima, deve ser mérito dele. A diferença é que Palocci tem muito mais dinheiro que eu. Quem estava mentindo subiu na vida. Eu, que falava a verdade, lasquei-me todinho.

SE PUDESSE VOLTAR NO TEMPO, O SENHOR DENUNCIARIA PALOCCI NOVAMENTE?
De jeito nenhum. Falar a verdade só me trouxe problemas. Eu queria dizer aos cidadãos de bem que, no Brasil, não vale a pena contar a verdade. Se alguém quer revelar o que sabe a respeito de um político, arrume antes um jeito de se mandar do país. Senão, é melhor cavar um buraco de sete palmos antes de falar. Espera aí, não vai ter interferência do Palocci nesta entrevista, vai?