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"Quem mandava eram Lula, Genoino, Mercadante e Dirceu"

(Continua a reportagem de Soraya Aggege, de "O Globo")

SÃO PAULO. Na entrevista ao GLOBO, o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira disse que não procurava empresários para arrecadar fundos para campanhas eleitorais e apontou quem mandava no partido na campanha de 2002:

— Eu nunca me reuni com empresários. A imprensa toda sabia o que eu fazia: levantamento de dados, análises dos palanques estaduais e nacionais, cruzamento de dados, análise política. Sempre fui da organização partidária. Quem mandava? Quem mandava eram Lula, (José) Genoino, (Aloizio) Mercadante e Zé Dirceu. Eu não estava à altura desse time.

A seguir, outros trechos da entrevista:

 

"Nas veias do Zé corre política"

 

"Num domingo, segundo turno, eu cheguei no Zé Dirceu: 'Zé, eu estou há 22 anos no PT e não vou me candidatar, não é a minha área. Quero ir para o governo'. E o Zé: 'Não, você vai ter que ficar no partido'. Foi o meu primeiro não para o Zé. Mas eu sabia que meu destino estava selado. Mesmo assim, fui falar com o Lula, lá no IC (Instituto de Cidadania). Naquela época eu tinha uma velha mágoa porque não me deixavam ser dirigente. O máximo era a Secretaria de Organização, e por mérito meu. Foi uma conversa de três horas com o Lula. É que com o Zé, o Zé... Nas veias do Zé Dirceu não corre sangue, corre política. Depois de muito papo eu falei: 'Lula, minha vida toda foi o PT. Agora eu quero um cargo (no governo)'. O Lula respondeu: 'Fica tranqüilo. Nem sempre o time que começa é o time que termina'. E depois emendou: 'Fica tranqüilo, eu não vou deixar meus amigos na mão'. Mas eu continuava carregando o piano. Eu queria a secretaria geral, mas o Delúbio quis o (Jorge) Bittar. O Delúbio não me queria. Depois eu entendi por que ele não queria. Hoje gosto muito do Delúbio. Mas era uma disputa constante entre mim e Delúbio. E o Genoino fechava sempre com ele. Então eu fiquei no GTE (Grupo de Trabalho Eleitoral), e me deram um orçamento de R$ 600 mil. Duda Mendonça era com ele. E eu fui contra ajudar prefeituras (nas campanhas eleitorais de petistas para prefeito)."

 

Os maiores com Gushiken

 

"Para os cargos foi criada uma comissão: Genoino, Delúbio e eu. Só não mexi com os fundos de pensão. Os fundos ficaram por conta do (Marcelo) Sereno e do Delúbio. Os maiores ficaram com o Gushiken. Mas não houve nada de errado com os fundos. Com os cargos, eu tentava cumprir os acordos do partido. Mas o governo não cumpria, não funcionava. Mesmo com o Roberto Jefferson. Eu ia sempre lá para tentar fazer os ajustes. Tinha um descontentamento muito grande do PTB. Os ministros bloqueavam. O PT teve mil novecentos e poucos cargos. Não teve, por exemplo, no Ministério da Justiça, na Fazenda, nem no Banco do Brasil. Um dia eu fui lá falar com o Casseb (Cássio Casseb, ex-presidente do BB) e entendi. Ele me disse: 'Poxa, Silvio, mas parece que tem dois PTs nessa história'. Olha, essa história de cargos foi uma grande ilusão. E o Lula me indicou formalmente para cuidar dos cargos. Mas os partidos reivindicavam os cargos e eu ia lá convencer os ministros. Olha, eu só ajudei esses caras, como o Roberto Jefferson. Não acreditei quando ele falou de mim."

 

Campanhas de 2004

 

"Em 2004 me colocaram para escanteio. Veio a campanha e eu era do GTE e da secretaria geral. Em 2004, não estive com Lula, fiquei para escanteio. E começaram as divergências."

 

Cada vez mais gastos

 

"Fui contra o partido contratar o Ibope e o Vox Populi para fazer as pesquisas (internas). Veja só: como fazer pesquisas estratégicas com duas instituições de grife? Eu defendi a Fundação Perseu Abramo (ligada ao próprio PT), que ficou escanteada. Mas não me deixaram cuidar das pesquisas nem das relações com o Duda Mendonça. Então eu fui para o fundo do país, Norte e Nordeste, estruturando o PT. Eu queria uma nova geração de petistas. Fiz um estudo, que acabou implantado. Dividi o país em 430 regiões, cada uma com 15, 20 cidades. Eram 2.500 diretórios em menos de 70% do país. O PT tinha um milhão de filiações cartoriais. E 80% dos municípios têm 15 mil eleitores, que no total são 33 milhões. Assim, montamos o PT. O diretório nacional passava R$ 1.200 para cada microrregião, mais os outros diretórios, dava R$ 1.800 por mês para cada microrregião. Mas funcionou três meses, Delúbio não liberava mais dinheiro. Eu não queria comitês efêmeros, de campanha, mas para durar. Por isso chamei coordenadores profissionais, remunerados, pus computadores. Por isso o projeto de informática. Mas aí a informática foi para a Secretaria de Organização e, enfim, chegou um ponto em que eu cansei. Cansei, sabe?"

 

"Veio Duda. Aquilo nos afundou"

 

"Aí veio o Duda Mendonça, um projeto de pool para 30 cidades, que não seria enlatado (a produção). Eram três pólos: São Paulo, Brasília e Recife. Aí veio a minha briga com o Genoino. Um dia, soube pela Zilmar (Fernandes, sócia de Duda), em Brasília. Ela disse: 'Nós faremos cinco capitais se o DN (diretório nacional) avalizar'. Soube por ela que os planos tinham mudado. E foram cinco: São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia e Recife. Uma loucura, o partido não podia assumir aquilo (em termos financeiros). Eu não me lembro dos valores. Mas aquilo nos afundou. Até porque, para a militância se aproximar, a gente teve que fazer campanhas paralelas, uma loucura."

 

As dívidas crescem

 

"2004 não foi um ano de bonança para o PT. As dívidas são o seguinte: em 2002, ficaram R$ 17 milhões de dívidas do DN, contando as campanhas de Lula, de Genoino (governo do estado de São Paulo) e de Mercadante (Senado). Dos R$ 17 milhões, pagamos R$ 14 milhões. Ficaram faltando R$ 3 milhões, da campanha para o Senado. Aí veio a dívida dos estados: R$ 32 milhões. Sempre fui contra pagar essa conta. Conheço campanha, geralmente 70% são exageros, fantasias. Mas o DN assumiu. Ou seja: a dívida de 2002 foi de R$ 50 milhões. E toda a executiva topou. Chega 2003. E aí, vamos pagar a conta? Pagar? Não, não. (Em vez disso) contrataram Vox Populi, Ibope, (compraram pesquisas) computadores etc. e tal. No fim do ano de 2003, a dívida era de R$ 120 milhões. Aí veio a campanha de 2004. E como eu soube da conta? Marcos Valério entra na minha sala e mostra a conta. Ele não conseguia chegar no Zé (já ministro da Casa Civil). Ele então me mostrou a dívida. E todos imaginavam que a conta era de R$ 50 milhões ainda."

 

O Land Rover que ganhou

"Eu não consegui dizer não para o César (César Roberto Santos Oliveira, vice-presidente do Conselho de Administração da GDK). Eu errei. Eu não podia ter aceitado aquilo. Foi assim: ele começou a me abordar, por meio de amigos em comum. Dizia que o pessoal da Petrobras não aceitava os projetos dele. Eu conhecia o pessoal da Petrobras, é gente séria, não fiz nenhuma ponte para ele, nem com Petrobras, nem com ninguém. Não vão achar uma ligação minha. Mas ele continuou próximo, gostei dele. Juro, eu não consegui dizer não. Um dia, numa conversa, ele perguntou qual era meu objeto de desejo. Eu disse: 'Olha, cara, eu tenho o meu apartamentinho, o meu carrinho e a minha casa na praia. Só me falta um jipe para andar em Ilhabela. Um dia vou ter um daqueles tipo exército, sabe?' Daí ele me disse que tinha mais de 400 jipes. E nos outros encontros foi falando disso, foi insistindo, eu disse que não podia comprar. Um dia falou que custava R$ 75 mil. Eu pensei: se eu vender o meu por R$ 45 mil... Acho que dá." (Conta que César teria ligado para a secretária dele e insistido para que ela passasse os dados para o documento do jipe). E continua: "Eu deixei ela passar os dados e a coisa foi indo, me esqueci até. Um dia ele me entregou o carro, já com os documentos. Eu parecia criança. Falei: 'Cara, nem que eu leve cem anos vou te pagar isso'. Mas daí pensei como ia explicar aquilo para minha mulher, e guardei o carro num estacionamento, e a coisa foi indo assim. Tentei pagar ao César por três vezes, mas ele não aceitava. Eu errei. Errei e assumo. Por isso eu me desfiliei do PT. Como vou convencer alguém da verdade, de que eu aceitei o carro para não contrariar o César?". E continuou: "E, na verdade, eu não sabia que a história do carro tinha vazado (para a imprensa). Eu soube na ante-sala da CPI. Chamei o (Eduardo) Suplicy e perguntei a ele, só a ele, o que eu devia fazer. Ele me disse: 'Fale a verdade'. E eu falei."

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