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Para evangélicos, Trump é só um degrau a mais para impor a extrema-direita religiosa ao mundo

O pesquisador Joanildo Burity analisa que o cristianismo cultural promovido por evangélicos nos Estados Unidos atua como um projeto político de longo prazo, não restrito ao governo Trump. 


Esse modelo exportador visa impor valores conservadores globalmente, contestando direitos como aborto, eutanásia e igualdade LGBT.

Burity mostra como o discurso evangélico foi “hegemonizado” desde Bush filho, incorpora teologias reconstrucionistas e neopentecostais, e aspira usar o Estado para transformar sociedades conforme valores bíblicos.

O que fica claro é que a exaltação do cristianismo pela extrema-direita trumpista não é exclusividade de seu governo. O campo evangélico americano já estava “hegemonizado por um discurso e um projeto de extrema-direita”, explica Joanildo Burity, desde o governo de George W. Bush.

Burity aponta que o novo elemento sob Trump é a formulação de um cristianismo cultural que sustenta que os fundadores dos EUA pactuaram por uma sociedade alinhada à Bíblia. Esse discurso avança mesmo entre quem não pratica o cristianismo religiosamente.

Esse cristianismo  funciona como um guarda-chuva sob o qual diversos grupos se unem: evangélicos, católicos, judeus e até pessoas sem religião compartilham oposição ao avanço de direitos civis.

Burity alerta
que alguns
desses atores
querem usar
o Estado para
“conquistar
o mundo do
ponto de vista
religioso”

Esse esforço difere de mera evangelização; é um projeto político de dominação simbólica e institucional.

Para ele, o campo evangélico dos EUA está tão instalado no Estado que Trump é só mais um passo, não sua origem. Em intervalos de governos democratas, o projeto se rearticula e retorna com força.

Grupos pró-Trump variam. Alguns seguem por fé genuína, outros por temerem mudanças culturais. Outros usam a fé para manter a ordem social e tomar decisões político-institucionais.

Burity destaca que muitos neopentecostais adotaram crenças pós-milenistas: acreditam que a igreja deve transformar o mundo até preparar o retorno literal de Cristo. Essas ideias já são exportadas globalmente.

Essa leitura de futuro reforça o vínculo entre teologia e política. A ambição é conquistar esferas culturais, legislativas e simbólicas antes do retorno divino.

No plano teológico, Burity descreve dois polos: o reconstrucionismo cristão, ligado ao protestantismo tradicional, e o pentecostalismo com suas práticas “de batalha espiritual”, demônios territoriais e maldições hereditárias.

Os reconstrucionistas defendem que normas do Antigo Testamento devam orientar leis modernas. Eles veem a sociedade como pacto divino, cada pessoa obediente ou não.

No pentecostalismo, pastores executam exorcismos simbólicos em territórios — bairros, estados, cidades — para expulsar “demônios da diversidade sexual, comunismo e ideologia de gênero”.

Burity sustenta que essas doutrinas teológicas se articulam a um projeto de poder. Líderes se veem ungidos por Deus, transcendem legitimidade democrática, e clamam autoridade divina.

Trump já foi chamado de “Ciro” por evangélicos: homem imperfeito usado por Deus para reconduzir um projeto global de reumanização cristã do mundo.

No contexto religioso diversificado, a Igreja Católica se divide. Nos EUA há bispos alinhados ao conservadorismo e outros mais progressistas. A hierarquia católica raramente se posiciona eleitoralmente.

A Igreja americana acompanha discretamente mudanças liberalizantes, mas também há setores que consideram essas mudanças corruptoras e clamam recuperação de valores tradicionais.

No catolicismo global, Francisco, o papa anterior, ampliou vozes com inclinações sociais, mas essas vozes não coincidem com a Teologia da Libertação dos anos 1980.

Segundo Burity, o modelo evangélico americano atua como mecanismo exportador. Países de língua inglesa, América Latina e África já recebem esse tipo de influência teológica e política.

Nesse modelo, Trump é um catalisador. Mas a base é mais profunda: um sistema em construção, criando alianças, redes, financiamento internacional e penetração em instituições.

Os evangélicos exportam seus valores conservadores para frear direitos como aborto, eutanásia e igualdade de gênero. Eles criam “mapas morais” globais e tentam impor legislações afins.

> Esse texto foi extraido de entrevista que Joanildo Burity concedeu ao site católico Instituto Humanitas Unisinos. Burity é É pesquisador titular da Coordenação de Estudos de Cultura, Identidade e Memória e professor do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (Profsocio) da Fundação Joaquim Nabuco e dos programas de pós-graduação em Sociologia e em Ciência Política da UFPE.

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