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Suicídio por uso de remédios cresceu 2,6 vezes em 20 anos no Brasil

O ato de tirar a própria vida ingerindo medicamentos parece estar crescendo no país aceleradamente. O total de mortes autoprovocadas pelo consumo de remédios subiu de 253 casos em 2003 para 922 em 2022, um aumento de 2,6 vezes, segundo estudo publicado em julho na revista Frontiers in Public Health.


Giselle Soares
jornalista

Pesquisa Fapesp

No mesmo período, os suicídios por todos os meios passaram de 7.861 casos para 16.462 — cresceram uma vez. As mortes por autoenvenenamento com remédios, que representavam 3,2% dos suicídios no início da década passada, hoje correspondem a 5,6%.

“Esse aumento nas mortes por consumo intencional de medicamentos pode indicar uma mudança nos métodos de suicídio no país”, conta o epidemiologista Jesem Orellana, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manaus, um dos autores da pesquisa. 

“Isso é preocupante do ponto de vista da saúde pública e de controle de medicamentos. Aqui, em Manaus, vemos pessoas estenderem toalhas nas ruas e colocarem medicamentos à venda, inclusive os de uso controlado”, afirma.

No estudo, Orellana, colaboradores da Fiocruz e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) utilizaram dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde para caracterizar as mortes por suicídio com remédios em pessoas com 10 anos ou mais nessas duas décadas.

Os pesquisadores constataram que o perfil de quem tira a própria vida usando medicamentos é peculiar. Na maior parte das vezes, são mulheres (55% dos casos), indivíduos solteiros (52%) e que se autodeclaram brancos (53,2%). 

Os óbitos se concentram na região Sudeste (41,7%), embora uma proporção importante também ocorra nos estados do Sul (22,8%) e do Nordeste (21,6%). 

Duas em cada três mortes ocorrem em estabelecimentos de saúde, o que talvez seja explicado pelo fato de o método não causar óbito instantâneo.

Estudos anteriores já indicaram que, de modo geral, quem comete suicídio é homem. Nas Américas, que seguem uma tendência de aumento de mortes autoinfligidas, contrária à do resto do mundo, três homens se matam para cada mulher que tira a própria vida.

Um levantamento coordenado pelo psiquiatra brasileiro Renato Oliveira e Souza, chefe da Unidade de Saúde Mental e Uso de Substâncias da Organização Pan-americana da Saúde (Opas), indica um aumento mais acelerado na taxa de suicídio feminino. 

Segundo o estudo, publicado em 2023 na The Lancet Regional Health – Americas, as taxas cresceram ao ano 1,25% de 2000 a 2019 entre as mulheres e 0,49% ao ano entre os homens.

São vários os medicamentos usados nos suicídios por remédios. Em 40% dos casos, são drogas que atuam sobre o sistema nervoso central: sedativos, compostos para tratar epilepsia e doença de Parkinson e outros psicotrópicos. Em 55% das vezes, porém, não se conhece a medicação usada.

“As mulheres buscam mais ajuda médica que os homens e costumam utilizar mais os medicamentos disponíveis em casa, como psicofármacos”, relata o psiquiatra Neury Botega, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que anos atrás coordenou, com financiamento da FAPESP, a participação do Brasil em um estudo que usava o acompanhamento de pessoas por telefone para tentar reduzir as taxas de suicídio (ver Pesquisa FAPESP nº 158). 

“Os homens usam métodos mais violentos, como enforcamento, envenenamento por agrotóxicos e armas de fogo”, explica o pesquisador. Autor do livro Crise suicida: Avaliação e manejo (Artmed, 2ª edição, 2022), Botega lembra ainda que, no Brasil, os casos têm aumentado consideravelmente entre adolescentes e jovens adultos.

São muitas as razões que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), levam a cada ano cerca de 700 mil pessoas a tirar a própria vida no mundo. 

Nos países de alta renda, o suicídio é associado a problemas de saúde mental, em especial à depressão e ao abuso de álcool. Mas as pessoas também se matam impulsivamente, em momentos de crise, por experimentarem uma perda importante, terminarem um relacionamento, sentirem-se sozinhas ou serem vítimas de abuso e violências, além de problemas financeiros.

Conforme o artigo da Frontiers in Public Health, aumentos expressivos nas taxas de mortalidade por autointoxicação medicamentosa no Brasil coincidiram com momentos de crises regionais e mundiais — elas sobem mais a partir de 2010 e atingem um pico em 2022 (ver gráfico abaixo).


“Provavelmente são efeitos indiretos da crise econômica, política e fiscal que se instala no país de 2016 em diante e da epidemia de Covid-19”, propõe Orellana, da Fiocruz. 

“No Brasil, há indicativos de que, após a fase de crescimento econômico que se encerrou por volta de 2010, vários fatores relacionados a emprego e proteção social se deterioraram, o que pode ser um mecanismo para o aumento das taxas de suicídio”, conta o psiquiatra Pedro Magalhães, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

Ele liderou um estudo publicado em 2019 na revista Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology mostrando as mudanças nas taxas de suicídio no Brasil entre 2000 e 2016.

“Para trabalhar o sofrimento mental, que pode ser desencadeado por muitas razões, é preciso ter à disposição uma rede de saúde mental especializada, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps)”, afirma a médica sanitarista Stela Meneghel, da UFRGS, que estudou as razões do aumento nas taxas de suicídio entre os gaúchos nos anos 1980 e 1990. 

“O último governo federal preferiu investir em comunidades terapêuticas de cunho religioso, que tratam o sofrimento mental de uma forma equivocada”, afirma.

Para Botega, ao proporcionar um sistema estruturado de crenças e advogar em favor de comportamentos que podem ser benéficos em termos físicos e mentais, a fé pode exercer algum efeito protetor contra o suicídio. “Mas”, ele alerta, “muitas crenças e comportamentos influenciados pela religião e cultura aumentam o estigma em relação ao suicídio e podem desencorajar a busca por assistência médica”.

Desde 2003, o Brasil adotou setembro como o mês dedicado à prevenção do suicídio. Mas, na avaliação de Botega, há muito por fazer. 

“Ainda não temos um plano nacional de prevenção ao suicídio, diferentemente da maioria dos países desenvolvidos, que contam com dotações orçamentárias específicas, pesquisas regionais e estratégias para diferentes realidades”, explica. 

“É importante que a prevenção e a conscientização não fiquem apenas a cargo de coaches e influenciadores, que podem aumentar o sofrimento de quem lida com a perda.”

Aos meios de comunicação, cabe noticiar o tema com responsabilidade. “Estudos observacionais indicam que a maneira como o caso é relatado pode influenciar taxas locais de suicídio”, conta Magalhães. 

Um artigo publicado em julho na revista Science Advances mostrou que o noticiário sobre suicídio de celebridades ou personalidades midiáticas aumentou a ideação e o comportamento suicida nos Estados Unidos.

>Se você já teve ou está tendo pensamentos de tirar a própria vida, procure um serviço de saúde mental ou acesse um dos canais do Centro de Valorização da Vida (CVV, telefone 188), um serviço voluntário, sigiloso e gratuito com programa de prevenção ao suicídio, mantido por uma associação sem fins lucrativos.

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