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Presença de arma em residência aumenta de três a cinco vezes o risco de suicídio

Revisão de 467 estudos aponta também que, em vez de aliviar a sensação de medo e ansiedade, armas aumentam esses sentimentos, além de exacerbar comportamentos controladores, provocando violência doméstica


Luciana Constantino
jornalista

Agência FAPESP
serviço de divulgação de ciência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

O acesso a armas de fogo, além dos riscos físicos e à vida, tem impacto na saúde mental: aumenta o número de suicídios, intensifica quadros de fragilidade psicológica e amplia dinâmicas de violência. É o que conclui uma pesquisa publicada na edição de setembro da revista científica Harvard Review of Psychiatry.

Liderado por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), o grupo fez uma revisão sistemática de 467 estudos de diversos países divulgados até março de 2023. 

A maioria — 81% do total (378) — foi realizada nos Estados Unidos, 6% na Europa Ocidental, 4% na Austrália, 3% no Canadá e o restante distribuído em outras regiões.

A análise explorou as ligações entre acesso a armas de fogo, comportamento agressivo, uso e abuso de substâncias, violência social e doméstica e suas influências na saúde mental. Foram identificados três mecanismos psicológicos relacionados a esses fatores.

O primeiro deles é que as armas facilitam atos impulsivos em momentos de crise ou sofrimento. O suicídio é o principal desfecho — apareceu em 284 estudos (61% do total). 


A análise
demonstrou
que a
presença
de arma em
uma residência
aumenta de
três a cinco
vezes o risco
de suicídio,
independentemente
do estado de
saúde mental
 anterior do
indivíduo.

Quando há armazenamento seguro, esse risco diminui, porém, permanece em patamar considerado alto.

Um segundo mecanismo é que a arma funciona como uma espécie de “amplificador psicológico”, acentuando quadros de alguns transtornos mentais. Ou seja, em vez de aliviar a sensação de medo e ansiedade, aumenta esses sentimentos, derivando em agressões. 

Além disso, agrava os sintomas de trauma em pessoas expostas à violência armada, criando um ciclo de retroalimentação, em que piora o sofrimento em vez de aliviar.

Por fim, ela serve como símbolo que transforma dinâmicas de poder e percepções de vulnerabilidade, exacerbando comportamentos controladores e derivando em casos de violência social e doméstica.

“Entendendo que todas as pessoas estão suscetíveis a fragilidades humanas, a possibilidade de haver ferramentas altamente letais disponíveis nas mãos da população em geral, em vez de aumentar a sensação de segurança e de proteção e melhorar a regulação emocional do indivíduo, acaba tendo efeito contrário, como vemos nos estudos. Evidencia as fragilidades emocionais, aumenta a sensação de medo e a agressividade, com elevação de casos de assédios e violência”, explica à Agência FAPESP o psiquiatra Rodolfo Furlan Damiano, autor correspondente do artigo.

Juntamente com o professor da Faculdade de Medicina da USP Eurípedes Constantino Miguel Filho, Damiano coordena o Programa de Ensino, Pesquisa e Assistência em Depressão Resistente ao Tratamento, Autolesão e Suicidalidade (Pro-DRAS). Tem o apoio da FAPESP por meio de bolsa de pós-doutorado em um projeto que busca fornecer informações sobre a eficácia e a viabilidade de intervenções rápidas para a prevenção do suicídio.

Em 2024, outra pesquisa coordenada por Damiano mapeou fatores de risco e proteção para comportamentos suicidas, mostrando que pessoas com transtornos de controle de impulso (TCIs) estão no grupo de risco (leia mais em: agencia.fapesp.br/52881).

Triagem dos estudos

A revisão seguiu uma diretriz conhecida como Prisma (sigla para Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), um conjunto de 27 itens que sistematiza a coleta e extração de dados para esse tipo de pesquisa.

Partiu de uma base de 3.930 artigos da PubMed, Scopus, Web of Science e PsycInfo. O protocolo de triagem deu prioridade a estudos das áreas de criminologia, saúde pública e sociologia, com desfechos diretos e/ou implicações comprovadas em fatores psicológicos. Resultou, assim, nos 467 artigos abordando posse de armas, violência e políticas e seus efeitos na saúde mental.

“A ideia desse trabalho nasceu da ligação de suicídio e armas de fogo, porém detectamos que poderia ser algo mais abrangente. Quando se trata de acesso a armas, a discussão sempre está relacionada ao tema da segurança pública. Nosso objetivo com a pesquisa não foi lidar nessa esfera, mas sim na da saúde mental, sendo um ponto importante e pouco contemplado”, explica Damiano.

Nas conclusões, os cientistas sugerem a adoção de políticas públicas que englobem evidências científicas também ligadas à saúde.

“Essa revisão destaca a necessidade urgente de políticas abrangentes que abordem o acesso a armas de fogo, enfrentem as determinantes sociais dos danos causados por elas e promovam intervenções em saúde mental. Uma abordagem integrada, que considere esses fatores individuais e sociais, é essencial para mitigar os complexos caminhos psicológicos pelos quais afetam diferentes populações”, escrevem os autores no artigo.

Situação no Brasil

Mesmo tendo uma pequena base amostral de pesquisas no Brasil, Damiano diz que os resultados são aplicáveis também à realidade do país. “Estamos tratando do ponto de vista da saúde mental e do impacto humano, que é possível extrapolar”, afirma o psiquiatra.

A compra de armas de fogo no Brasil – tanto de uso permitido como de calibre restrito – tem uma série de regras e é feita após a autorização de órgãos federais – como a Polícia Federal e o Exército, em alguns casos. Além de ter no mínimo 25 anos, a pessoa deve, entre outros, apresentar certidão negativa de antecedentes criminais e comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio.

Mesmo com a desaceleração no ritmo de crescimento desde 2018, o número de armas de fogo registradas no Brasil subiu 3,2% entre 2023 e 2024, totalizando 2,154 milhões de registros no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), ligado à Polícia Federal. Os dados estão no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025.

Damiano diz que pretende continuar o trabalho de revisão, com foco em leis de restrição de acesso a armas.

> O artigo The impact of firearm ownership, violence, and policies on mental health: a systematic scoping review pode ser lido em:  https://journals.lww.com/hrpjournal/abstract/2025/09000/the_impact_of_firearm_ownership,_violence,_and.1.


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