A recente escalada de tensões entre Israel e Irã voltou a despertar o alarme internacional. No entanto, interpretar este conflito exclusivamente em termos geoestratégicos ou militares seria um erro
Victor Pérez Gallo
Interpretar este conflito exclusivamente em termos geoestratégicos ou militares seria um erro. A disputa entre os dois países contém uma dimensão profunda, simbólica e religiosa, raramente analisada com o rigor necessário: trata-se de uma guerra travada também no plano sagrado.
Desde 1979, o Irã é uma república islâmica xiita, onde o Líder Supremo, atualmente o Aiatolá Khamenei, exerce um poder que combina autoridade política e orientação espiritual.
O princípio da Wilayat al-Faqih — algo como “o princípio do jurista especialista em lei islâmica” — estabelece que um clérigo representa o Imã Oculto, uma figura messiânica no islamismo xiita cuja chegada marcará o fim dos tempos.
Victor Pérez Gallo
professor assistente, Universidade de Zaragoza, Espanha
The Conversationl
plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas
Desde 1979, o Irã é uma república islâmica xiita, onde o Líder Supremo, atualmente o Aiatolá Khamenei, exerce um poder que combina autoridade política e orientação espiritual.
O princípio da Wilayat al-Faqih — algo como “o princípio do jurista especialista em lei islâmica” — estabelece que um clérigo representa o Imã Oculto, uma figura messiânica no islamismo xiita cuja chegada marcará o fim dos tempos.
Nesse contexto, o confronto com Israel não é apenas uma luta territorial, mas parte de uma narrativa escatológica — no sentido que se refere à parte da teologia que trata das últimas coisas (morte, julgamento final, etc.).
Segundo o sociólogo Hamid Dabashi, o regime iraniano articula sua política externa como uma história de redenção, onde a resistência contra Israel e os Estados Unidos cumpre uma função sagrada. O martírio, a luta contra a opressão e a libertação de Jerusalém são elementos centrais do discurso teológico-político do Irã.
Por outro lado, Israel, embora fundado como um Estado laico, não escapou à influência religiosa. O sionismo, mesmo em sua versão secular, sempre carregou um componente messiânico.
O futuro não deve ser um Armagedom nuclear, onde perderemos toda a humanidade. Enquanto o Irã enxergar Israel como o inimigo escatológico e Israel considerar o Irã uma ameaça existencial, a possibilidade de uma resolução pacífica estará comprometida.
O desafio da diplomacia internacional é desarmar os mitos fundadores que alimentam esta guerra: transformar Jerusalém em um lugar de coexistência simbólica em vez de disputa redentora, e exigir que os líderes políticos abandonem os roteiros apocalípticos em favor de pactos humanos.
Negociar tratados não basta. Precisamos desafiar a narrativa. E salvar vidas humanas, o que é, em suma, mais importante do que praticar qualquer religião ou acreditar no necessário fim apocalíptico.
Segundo o sociólogo Hamid Dabashi, o regime iraniano articula sua política externa como uma história de redenção, onde a resistência contra Israel e os Estados Unidos cumpre uma função sagrada. O martírio, a luta contra a opressão e a libertação de Jerusalém são elementos centrais do discurso teológico-político do Irã.
Por outro lado, Israel, embora fundado como um Estado laico, não escapou à influência religiosa. O sionismo, mesmo em sua versão secular, sempre carregou um componente messiânico.
Gershom Scholem (1971) alertou que o projeto israelense funcionava como uma “estrutura secularizada de expectativa messiânica”, onde o retorno a Sião concretiza as promessas bíblicas. Hoje, com a crescente influência de partidos religiosos, essa dimensão escatológica ganha nova força na política israelense.
Epicentro do conflito
A cidade de Jerusalém funciona como um espaço sagrado para ambas as potências. Para o Irã, sua libertação é uma causa religiosa pan-islâmica; para Israel, é a capital eterna e indivisível do povo judeu.
Tanto o Irã quanto Israel consideram Jerusalém não apenas um território político, mas um espaço sagrado, uma espécie de nó cósmico onde o destino do mundo é decidido.
A cidade de Jerusalém funciona como um espaço sagrado para ambas as potências. Para o Irã, sua libertação é uma causa religiosa pan-islâmica; para Israel, é a capital eterna e indivisível do povo judeu.
Tanto o Irã quanto Israel consideram Jerusalém não apenas um território político, mas um espaço sagrado, uma espécie de nó cósmico onde o destino do mundo é decidido.
Na tradição xiita, a luta por Al-Quds (“A Sagrada”, nome árabe para Jerusalém) faz parte da jihad contra a injustiça global. Em Israel, a cidade é a identidade e o coração simbólico da nação.
Aqui, a geopolítica assume uma estrutura mítica: o conflito pela terra torna-se uma disputa pelo direito divino à história. Como aponta o filósofo italiano Giorgio Agamben, “o espaço sagrado é o lugar onde a lei é suspensa para dar lugar ao julgamento final”. Territórios sagrados são, portanto, zonas de exceção ontológica, onde direito e teologia se entrelaçam sem possibilidade de separação.
Geopolítica do apocalipse
O aspecto mais perturbador deste conflito não é a possibilidade de uma guerra convencional, mas sim sua estruturação pelo que alguns chamam de “ignorância sagrada”: a exploração política da religião . Nesse contexto, cada movimento assume um valor simbólico elevado: matar pode ser um ato de purificação, e morrer, um passo em direção à redenção.
Isso eleva o conflito a uma dimensão apocalíptica. Não se trata apenas de conquistar território ou influência, mas de cumprir destinos: o julgamento final, o retorno do Messias, a derrota dos infiéis.
Aqui, a geopolítica assume uma estrutura mítica: o conflito pela terra torna-se uma disputa pelo direito divino à história. Como aponta o filósofo italiano Giorgio Agamben, “o espaço sagrado é o lugar onde a lei é suspensa para dar lugar ao julgamento final”. Territórios sagrados são, portanto, zonas de exceção ontológica, onde direito e teologia se entrelaçam sem possibilidade de separação.
Geopolítica do apocalipse
O aspecto mais perturbador deste conflito não é a possibilidade de uma guerra convencional, mas sim sua estruturação pelo que alguns chamam de “ignorância sagrada”: a exploração política da religião . Nesse contexto, cada movimento assume um valor simbólico elevado: matar pode ser um ato de purificação, e morrer, um passo em direção à redenção.
Isso eleva o conflito a uma dimensão apocalíptica. Não se trata apenas de conquistar território ou influência, mas de cumprir destinos: o julgamento final, o retorno do Messias, a derrota dos infiéis.
Essa lógica nos ajuda a entender por que as decisões políticas às vezes parecem irracionais: estamos agindo numa narrativa no qual o mundo precisa arder para que o Reino de Deus emerja.
O mapa simbólico do conflito
A imagem a seguir ilustra o posicionamento dos principais atores do conflito em dois eixos: o grau de politização religiosa e o uso estratégico do poder. Vemos como Irã e Israel não apenas se confrontam militarmente, mas também ocupam polos opostos em uma arena simbólica onde Jerusalém atua como o centro sagrado da disputa.
Que futuro é possível?
O mapa simbólico do conflito
A imagem a seguir ilustra o posicionamento dos principais atores do conflito em dois eixos: o grau de politização religiosa e o uso estratégico do poder. Vemos como Irã e Israel não apenas se confrontam militarmente, mas também ocupam polos opostos em uma arena simbólica onde Jerusalém atua como o centro sagrado da disputa.
Que futuro é possível?
O futuro não deve ser um Armagedom nuclear, onde perderemos toda a humanidade. Enquanto o Irã enxergar Israel como o inimigo escatológico e Israel considerar o Irã uma ameaça existencial, a possibilidade de uma resolução pacífica estará comprometida.
O desafio da diplomacia internacional é desarmar os mitos fundadores que alimentam esta guerra: transformar Jerusalém em um lugar de coexistência simbólica em vez de disputa redentora, e exigir que os líderes políticos abandonem os roteiros apocalípticos em favor de pactos humanos.
Negociar tratados não basta. Precisamos desafiar a narrativa. E salvar vidas humanas, o que é, em suma, mais importante do que praticar qualquer religião ou acreditar no necessário fim apocalíptico.
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