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Legado científico de Carl Sagan vai muito além da série de TV Cosmos

Cientista, ele ganhou prêmios e foi o primeiro grande divulgador científico, inspirando toda uma geração de jovens que se tornaram cientistas


Jean-Luc Margot 
professor de ciência da Terra, planetas e cosmos da Universidade da Califórnia, Estados Unidos

The Conversationl
plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas

Hoje, 9 de novembro de 2024, o mundo comemora o 90º aniversário de Carl Sagan — mas, infelizmente, sem ele, que morreu em 1996 aos 62 anos.

Ele é lembrado geralmente como o cocriador e apresentador da série de televisão “Cosmos”, assistida por milhões de pessoas em todo mundo nos anos 1980. 

Outros leram “Contato”, seu romance de ficção científica mais vendido, ou “Os Dragões do Éden”, seu livro de não ficção — vencedor do Prêmio Pulitzer. 

Outros o viram popularizar a astronomia no “The Tonight Show” (um dos mais antigos e assistidos programas de entrevista dos EUA).

O que a maioria das pessoas não sabe sobre Sagan, e que foi um pouco obscurecido por sua fama, é o impacto de longo alcance de sua ciência, que ressoa até hoje. 

Sagan foi um divulgador científico inigualável, um defensor astuto e um escritor prolífico. Mas ele também foi um cientista extraordinário.

Sagan impulsionou a ciência de pelo menos três maneiras importantes. Ele produziu resultados e percepções notáveis descritos em mais de 600 artigos científicos. 

Possibilitou o desenvolvimento de novas disciplinas científicas. E inspirou várias gerações de cientistas. Como astrônomo planetário, acredito que essa combinação de talentos e realizações é rara.

Realizações científicas

Na década de 1960, muito pouco se sabia sobre Vênus. Sagan investigou como o efeito estufa em sua atmosfera de dióxido de carbono poderia explicar a temperatura insuportavelmente alta na superfície de Vênus — aproximadamente 870 graus Fahrenheit (465 graus Celsius). Sua pesquisa continua sendo um alerta sobre os perigos das emissões de combustíveis fósseis aqui na Terra.


Sagan propôs uma
explicação convincente
para as mudanças
sazonais no brilho
de Marte, que haviam
sido incorretamente
 atribuídas à vegetação
ou à atividade vulcânica.
A poeira soprada pelo
vento era responsável
pelas variações
misteriosas
, explicou

Sagan e seus alunos estudaram como as mudanças na refletividade da superfície e da atmosfera da Terra afetam nosso clima. Eles analisaram como a detonação de bombas nucleares poderia injetar tanta fuligem na atmosfera que levaria a um período de anos de resfriamento substancial, um fenômeno conhecido como “inverno nuclear”.

Com um alcance incomum em astronomia, física, química e biologia, Sagan impulsionou a disciplina nascente da astrobiologia — o estudo da vida no Universo. 

Com o cientista pesquisador Bishun Khare da Universidade de Cornell, Sagan realizou experimentos laboratoriais pioneiros e demonstrou que determinados ingredientes da química pré-biótica, chamados tolinas, e determinados blocos de construção da vida, conhecidos como aminoácidos, formam-se naturalmente em ambientes de laboratório que imitam ambientes em planetas.

Ele também modelou o fornecimento de moléculas pré-bióticas para a Terra primitiva por asteroides e cometas e estava profundamente envolvido nos experimentos biológicos a bordo das sondas Viking de Marte. Sagan também especulou sobre a possibilidade de organismos em forma de balão flutuando nas atmosferas de Vênus e Júpiter.

Sua paixão por encontrar vida em lugares fora da Terra foi muito além do sistema solar. Ele foi um defensor da busca por inteligência extraterrestre, também conhecida como SETI

Ajudou a financiar e participou de uma busca sistemática por radiofaróis extraterrestres, varrendo 70% do céu com o físico e engenheiro elétrico Paul Horowitz.

Ele propôs e coprojetou as placas e os “Discos de Ouro” agora afixados nas embaixadoras mais distantes da Humanidade, as sondas Pioneer e Voyager. É improvável que os extraterrestres venham a encontrar esses artefatos, mas Sagan queria que as pessoas contemplassem a possibilidade de comunicação com outras civilizações.

Ativismo

A produção científica de Sagan o levou repetidamente a se tornar um eloquente defensor de questões de importância social e científica. 

Ele testemunhou perante o Congresso sobre os perigos das mudanças climáticas.

 Foi um ativista antinuclear e se manifestou contra a Iniciativa de Defesa Estratégica, programa armamentista do governo do ex-presidente americano Ronald Reagan também conhecido como “Guerra nas Estrelas”. 

Incentivou colaborações e uma missão espacial conjunta com a União Soviética, em uma tentativa de melhorar as relações entre os EUA e a União Soviética. 

Ele falou diretamente com membros do Congresso sobre a busca por inteligência extraterrestre e organizou uma petição assinada por dezenas de cientistas proeminentes pedindo apoio para esta busca.

Mas talvez seu presente mais importante para a sociedade tenha sido a promoção da busca da verdade e do pensamento crítico. Ele incentivou as pessoas a ter humildade e disciplina para confrontar suas crenças mais queridas e a confiar em evidências para obter uma visão mais precisa do mundo. 

Seu livro mais citado, “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, é um recurso precioso para qualquer pessoa que esteja tentando navegar nesta era de desinformação.

Impacto

O impacto de um cientista às vezes pode ser medido pelo número de vezes que seu trabalho acadêmico é citado por outros cientistas. De acordo com a página de Sagan no Google Scholar, seu trabalho continua a acumular mais de 1.000 citações por ano.

De fato, sua taxa de citação atual excede a de muitos membros da Academia Nacional de Ciências dos EUA, que são “eleitos por seus pares por contribuições extraordinárias à pesquisa”, de acordo com o site da academia, e é “uma das maiores honras que um cientista pode receber”.

Sagan foi indicado para ser eleito para a academia durante o ciclo de 1991–1992, mas sua indicação foi contestada na reunião anual; mais de um terço dos membros votou para que ele não fosse eleito, o que impediu sua admissão

Um observador daquela reunião escreveu a Sagan: “É a pior das fragilidades humanas que o mantém de fora: a inveja”. Essa crença foi afirmada por outros presentes. Em minha opinião, o fato de a academia não ter admitido Sagan continua sendo uma mácula duradoura na organização.

Nenhum tipo de ciúme pode diminuir o legado profundo e abrangente de Sagan. Além de suas realizações científicas, Sagan inspirou gerações de cientistas e levou a apreciação da ciência a inúmeros não cientistas. 

Ele demonstrou o que é possível nos campos da ciência, da comunicação e da defesa. Essas realizações exigiram a busca da verdade, trabalho árduo e autoaperfeiçoamento. No 90º aniversário do nascimento de Sagan, um compromisso renovado com esses valores honraria sua memória.

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