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SM sofre de rara doença que faz ela não ter medo algum. Estudo aponta a causa

Primatas como os humanos adquiriram durante a evolução, para sobreviver, medo de cobras e aranhas vivas, mas a paciente estudada teve apenas curiosidade diante desses bichos




Diego Redolar Ripoli  The Conversationl
professor de neurociências de Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade Aberta de Catalunha, Espanha 

The Conversationl
plataforma de informação produzida por acadêmicos e jornalistas

SM nasceu em 1965 e sofreu ataques epilépticos agudos desde tenra idade. Inicialmente, acreditou-se que tinha um tumor cerebral que causava epilepsia. Porém, a equipe médica verificou que as convulsões foram geradas por atrofia bilateral no interior do lobo temporal medial, na amígdala.

O que mais chama a atenção em SM é que ela não reconhecia o medo. Para produzi-lo, os pesquisadores a expuseram a cobras e aranhas vivas, levaram-na para um passeio por uma casa mal-assombrada e mostraram-lhe filmes de terror. Quando solicitada a desenhar o medo, SM pintou um bebê engatinhando. O estudo foi realizado e publicado em 2010. Essa pesquisa localizou o medo no cérebro.

 As emoções

A paciente SM sofria de Urbach-Wiethe, uma doença estranha que, entre outras coisas, induzia a formação de depósitos de cálcio na amígdala, com subsequentes danos às células que compunham essa estrutura cerebral.

O exame neuropsicológico de SM revelou que a sua inteligência estava nos valores normais, que as diferentes funções cognitivas estavam preservadas e que não havia problemas motores, sensoriais ou perceptivos.



Localização da amígdala
nas imagens de ressonância
magnética estrutural
(mostradas pelas setas
amarelas). A) seção axial;
B) corte coronal e
c) corte sagital.

A principal deterioração que ela apresentou estava relacionada ao processamento de informações emocionais. SM não demonstrou dificuldades em julgar por meio de fotografias as emoções expressadas nos rostos de diferentes pessoas, exceto se fosse medo. Parecia que ela era incapaz de compreender e compreender as reações de medo ao olhar para os outros. “Eu não reconheci isso nos rostos das outras pessoas.”

Porém, do ponto de vista teórico, SM foi capaz de descrever situações que poderiam causar medo nas pessoas, e também conseguiu usar verbalmente diferentes conceitos para descrevê-las.

SM também não conseguiu representar essa emoção por meio de desenhos. Quando solicitada a desenhar o rosto de uma pessoa que está com medo, ela desenhou a figura de um bebê, mas não apresentou nenhum tipo de dificuldade quando teve que desenhar o rosto de uma pessoa que estava vivenciando outra emoção.

Cobras, aranhas, filmes de terror e casas mal-assombradas

No estudo publicado em dezembro de 2010, Feinstein, Adolphs, Damasio e Tranel tentaram provocar medo em SM expondo-a a cobras e aranhas vivas (estímulos que comumente produzem medo em primatas humanos e não humanos) em uma loja de animais exóticos, levando-a para visitar um hospital supostamente mal-assombrado e fazendo-a assistir a filmes de terror emocionalmente evocativos. Em nenhuma das ocasiões mencionadas ele demonstrou o menor sinal de medo.

SM disse odiar cobras e aranhas e tentava evitá-las, mas ao entrar na loja foi espontaneamente atraída e cativada pela grande coleção de cobras. Um funcionário perguntou se ela gostaria de segurar uma cobra e ela concordou. 

Ela demonstrou grande fascínio e curiosidade pelo animal e comentou repetidamente: “Isso é legal!” e fez inúmeras perguntas ao funcionário da loja, como “Quando eles olham para você, o que eles veem?”. Além disso, demonstrava um desejo compulsivo de “tocar” nas maiores e mais perigosas cobras da loja.

O prédio assombrado

Os investigadores levaram SM para o Waverly Hills Sanatorium, um antigo hospital localizado em Louisville, Kentucky, considerado um dos lugares mais assombrados dos Estados Unidos. 

Entusiastas do paranormal descrevem aparições espectrais e sons inexplicáveis ​​e dizem que o quinto andar de Waverly Hills, conhecido como “Corredor da Morte”, é particularmente ativo em termos de atividade paranormal. Esse andar abrigava pacientes terminais e a lenda sugere que muitos morreram ali.


Neurocientistas levaram
SM ao Sanatório Waverly
Hills, considerado um dos
lugares mais assombrados
do mundo

Na chegada, SM e a equipe de pesquisa formaram pares com um grupo de cinco mulheres (todas estranhas). Desde o início, SM conduziu voluntariamente todo o grupo pelo hospital abandonado, sem mostrar nenhum sinal de hesitação ao virar esquinas ou entrar em corredores escuros. Enquanto os outros membros do grupo ficavam para trás, ela gritava repetidamente: “Por aqui, pessoal, sigam-me!” 

Além de demonstrar uma acentuada falta de medo, SM demonstrou uma inclinação incomum para explorar o local e um alto nível de excitação e entusiasmo.

Filmes de terror

Por fim, os pesquisadores utilizaram uma seleção de filmes que induziam medo e outros tipos de emoções, incluindo nojo, raiva, tristeza, felicidade e surpresa. 

Durante os filmes não assustadores, SM experimentou altos níveis de emoção induzida por cada um deles. Pelo contrário, ela não demonstrou respostas de medo. No entanto, ela comentou que a maioria das pessoas ficaria provavelmente assustada com o conteúdo de tais filmes, mesmo que ela não estivesse. Isto demonstra que a sua fraca experiência de medo não pode ser totalmente explicada por um défice no seu reconhecimento e compreensão.

Embora a história de vida de SM seja repleta de acontecimentos traumáticos, em nenhum deles ele apresentou manifestações de medo.

A importância da amígdala

Uma pesquisa localizou a área responsável pelo medo no cérebro, aquela que SM havia danificado.

A amígdala monitora constantemente as informações que recebemos do meio ambiente em busca de sinais de perigo. 

O sistema nervoso registra estímulos de importância biológica, como cobras ou aranhas, porque para os nossos antepassados ​​esses animais constituíam uma ameaça. Desta forma evoluiu de tal forma que nos permite reconhecê-los e isso ajuda a nossa sobrevivência. Porém, a amígdala também é ativada por estímulos positivos importantes para o indivíduo. Isso é feito com base na experiência anterior.

Dessa forma, por meio dos mecanismos de memória emocional que dependem da amígdala, alguns estímulos não são importantes para algumas pessoas e, ainda assim, são de importância fundamental para outras.

O caso da paciente SM revelou a importância da amígdala na identificação de expressões faciais de medo. No entanto, diversos estudos que acompanham esse caso clínico há anos mostram a contribuição que a amígdala pode desempenhar em outros aspectos mais complexos como, por exemplo, atenção ou cognição social.

Ao compreender a forma como o cérebro processa o medo graças a casos como o da SM, poderão ser encontrados tratamentos que evitem que o medo tome conta das nossas vidas.

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