Pular para o conteúdo principal

Nascido há 100 anos, César Lattes fez descoberta que marcou a física

Cecil Powell, chefe do laboratório no qual o brasileiro trabalhava, ganhou o Prêmio Nobel


Luiz Claudio Ferreira
jornalista 

Agência Brasil
empresa financiada pelo governo brasileiro

No alto do Monte Chacaltaya, a 5,5 mil metros acima do mar, em La Paz, o jovem físico brasileiro César Lattes, de apenas 23 anos, estava, naquele ano de 1947, diante do cenário da sua mais incrível descoberta. Ele puxava o ar para respirar na altitude boliviana porque sabia que iria valer a pena.

Preparou um experimento com emulsões químicas em chapas fotográficas e conseguiu identificar partículas méson Pí, uma hipótese que estava antes apenas no campo da teoria para explicar o funcionamento do átomo.

A ação garantiu o Nobel para o chefe do laboratório em Bristol (Inglaterra), Cecil Powell, para o qual o brasileiro trabalhava. Mesmo não recebendo o prêmio individualmente, César Lattes foi aclamado e ficou famoso. Agradeceu os convites de trabalho do mundo inteiro, mas resolveu trabalhar no Brasil.

Lattes nasceu em 11 de julho de 1924, há exatos 100 anos em Curitiba (PR), e morreu em 2005.

No cenário acadêmico brasileiro, Lattes é homenageado pelo nome de uma plataforma que reúne os dados de pesquisadores e professores brasileiros, na base do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Isso porque o físico teve uma trajetória que foi além do seu campo de pesquisa e defendeu, durante toda a vida, a ciência no Brasil.

Nota 10

César Lattes foi um jovem que, com 19 anos, formou-se em física na Universidade de São Paulo (USP). Ele ingressou no início de 1941 e terminou no final de 1943.

“Nas disciplinas do último ano, que tinham temas mais avançados, relacionados ao que a gente chama de física moderna do século 20, associada à relatividade e aos conhecimentos quânticos, ele tirou 10 em todas as matérias”, afirma o professor Ivã Gurgel, da USP.

Era raro alguém ter um desempenho desse tipo naquele curso que estava, segundo o docente, atualizado com os principais conhecimentos do que se fazia no mundo.

Quando se formou, Lattes ficou entusiasmado ao ficar sabendo do que era feito na Inglaterra na detecção de partículas de raios cósmicos, tema que já trabalhava com seus professores Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini, no Departamento de Física. 

Em 1946, a convite de Occhialini, Lattes foi para a Universidade de Bristol, Reino Unido, com bolsa da British Council, trabalhar no laboratório de Cecil Powell na calibração das novas emulsões nucleares, um detector de partículas que era um aperfeiçoamento das chapas fotográficas comuns.

Por que não explode?

O que eles buscavam entender é como prótons (partículas com carga positiva) ficam juntos no núcleo do átomo sem se repelir. Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Antonio Augusto Videira, da área de filosofia e história da ciência, considera que esse é um problema muito importante da física nuclear na década de 30: entender como o núcleo do átomo fica coeso e o que está fazendo o papel de “cola” entre os prótons.

"As partículas mesons estavam sendo procuradas há uma década por físicos não apenas na Inglaterra, mas também nos Estados Unidos”, afirma Videira. 

     FOTO: CENTRO DE PESQUISA F

Lattes foi convidado
para trabalhar em
institutos de vários
países, mas resolveu
ficar no Brasil

O professor da UERJ, que também é colaborador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), explica que Lattes começou rapidamente a imaginar outros processos para conhecer melhor as emulsões a fim de que os experimentos fossem mais confiáveis.


“Antes, eles não conseguiam extrair dados quantitativos. Conseguiam registrar, mas não sabiam a massa e energia do evento. O meson é como se fosse uma partícula intermediária entre o próton e o neutron”. Primeiro, ele buscou realizar o experimento no Pic du Midi, a 2.880 metros acima do nível do mar, na França, com emulsões tratadas com Boro. Mas ainda não foi o suficiente. 

“O Lattes tem a ideia de ir a uma montanha ainda mais alta, na Bolívia. Ele deixou as chapas e um mês depois voltou ao monte, recolheu as chapas e conseguiu encontrar os registros”.

Revelação

Para chegar ao monte, havia uma estrutura porque lá estava um clube de esqui e era uma região que abrigava refugiados europeus que foram para Bolívia para fugir do fascismo e do nazismo durante a 2ª Guerra Mundial.

“O governo boliviano, interessado em conhecer o clima da região, tinha instalado uma estação meteorológica. Então, havia como chegar lá”. Lattes, então, faz a primeira revelação na antiga Faculdade Nacional de Filosofia, que era ligada ao Museu do Brasil.

“Ele ficou muito animado. Chegou a dar um seminário aqui sobre isso, anunciando que as chapas que havia exposto na Bolívia tinham resultados positivos”.

Depois, voltou para a Inglaterra, e a equipe percebeu muitos eventos. “Eles acabam publicando trabalhos que vão ser conhecidos e que vão confirmar a existência do meson”. Esses resultados vão beneficiar Cecil Powell, em 1949, que era o chefe laboratório em Bristol.

Antonio Augusto Videira explica que pesquisadores brasileiros buscam entender por que o prêmio não foi para Lattes. “Ele acabou não ganhando o Prêmio Nobel por uma série de razões. Ele foi indicado sete vezes para o Prêmio Nobel e acabou não ganhando”.

Nos anos seguintes, as pesquisas de Lattes passam a ficar conhecidas e a ter destaque na imprensa. “Ele fica muito conhecido, e essa popularidade vai ser fundamental para haver uma transformação na física e na ciência brasileiras”, afirma o professor da Uerj.

Luta pela ciência

Segundo o professor Ivã Gurgel, da USP, César Lattes foi convidado para trabalhar em institutos e universidades de várias partes do mundo. “Mas resolveu voltar para o Brasil”. E ele passa a não somente defender os temas da física, mas se juntar a outros pesquisadores para exaltar a necessidade de investimento na ciência.

“Eles queriam, por exemplo, obter o chamado tempo integral para os professores, que hoje em dia a gente chama de dedicação exclusiva”. Lattes fez carreira também na USP e Unicamp depois de voltar ao Brasil.

O contexto daquele final dos anos 1950 ajudava no convencimento. “Todos os eventos que aconteceram durante a 2ª Guerra foram por avanços científicos e tecnológicos. Mostraram a importância que a ciência tinha para a segurança de um país, não apenas para a segurança, mas para o desenvolvimento econômico, social e cultural”, diz Videira. Nesse contexto, deu-se a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo.

“Eles não pensavam apenas na física. Para que a física pudesse se desenvolver de forma positiva, ela precisava de químicos, de engenheiros de diversas áreas, ela já precisava de matemáticos”, afirma o pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, entidade também criada em 1949.

Para o pesquisador, isso aconteceu de forma muito rápida e intensa, levando em conta que as comunicações ocorriam por cartas e telefonemas, com dificuldades. 

Segundo os professores entrevistados, a história de César Lattes deve inspirar os mais jovens.

O professor da USP Ivã Gurgel testemunha que, mesmo com os alunos na graduação, há quem não conheça quem foi o pesquisador. “A gente precisa fazer um trabalho de preservação de memória e de divulgação”, considera.

A trajetória do homem que resolveu defender a ciência poderia, de acordo com Antonio Videira, ser exemplo, porque Lattes demonstrava ideais nacionalistas. “Seria muito interessante se as escolas pudessem multiplicar histórias como a dele. Tem que ter textos e vídeos sobre ele para serem divulgados nas redes sociais, por exemplo”.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Aluno com guarda-chuva se joga de prédio e vira piada na UERJ

"O campus é depressivo, sombrio, cinza, pesado" Por volta das 10h de ontem (31 de março de 2001), um jovem pulou do 11º andar do prédio de Letra da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e virou motivo de piadinhas de estudantes, no campus Maracanã e na internet, por ter cometido o suicídio com um guarda-chuva. Do Orkut, um exemplo: "Eu vi o presunto, e o mais engraçado é que ele está segurando um guarda-chuva! O que esse imbecil tentou fazer? Usar o guarda-chuva de paraquedas?" Uma estudante de primeiro ano na universidade relatou em seu blog que um colega lhe dissera na sala de aula ter ouvido o som do impacto da queda de alguma coisa. Contou que depois, de uma janela do 3º andar, viu o corpo. E escreveu o que ouviu de um estudante veterano: “Parabéns, você acaba de ver o seu primeiro suicídio na UERJ.” De fato, a morte do jovem é mais uma que ocorre naquele campus. Em um site que deu a notícia do suicido, uma estudante escreveu: “O campus é depressivo, s...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

No noticiário, casos de pastores pedófilos superam os de padres

Neymar paga por mês R$ 40 mil de dízimo à Igreja Batista

Existe uma relação óbvia entre ateísmo e instrução

de Rodrigo César Dias   (foto)   a propósito de Arcebispo afirma que ateísmo é fenômeno que ameaça a fé cristã Rodrigo César Dias Acho que a explicação para a decadência da fé é relativamente simples: os dois pilares da religião até hoje, a ignorância e a proteção do Estado, estão sendo paulatinamente solapados. Sem querer dizer que todos os religiosos são estúpidos, o que não é o caso, é possível afirmar que existe uma relação óbvia entre instrução e ateísmo. A quantidade de ateus dentro de uma universidade, especialmente naqueles departamentos que lidam mais de perto com a questão da existência de Deus, como física, biologia, filosofia etc., é muito maior do que entre a população em geral. Talvez não existam mais do que 5% de ateus na população total de um país, mas no departamento daqueles cursos você encontrará uma porcentagem muito maior do que isso. E, como esse mundo de hoje é caracterizado pelo acesso à informação, como há cada vez mais gente escolarizada e dipl...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus