Pular para o conteúdo principal

PEC das Praias ameaça ecossistemas que protegem zonas do aumento do nível do mar

Voltado para as praias, a Proposta de Emenda Constitucional não considera os efeitos trágicos nos manguezais


Alexander Turra
coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados e do Instituto Oceanográfico da USP 


A recente discussão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 03/2022 — a chamada PEC das Praias — no Senado Federal viralizou com a manifestação de políticos, ambientalistas, cientistas e, principalmente, personalidades do mundo das artes e do futebol. 

Os variados argumentos mais parecem confundir do que explicar o real problema associado à PEC e sua mais controversa intenção, a transferência onerosa de terrenos de marinha já ocupados por cessionários autorizados pela União. Em outras palavras, a privatização de uma área pública com importantes funções sociais e ambientais, como veremos adiante.

De acordo com a Constituição Federal, terrenos de marinha têm uma profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente, a partir da linha média de maré máxima. Na prática, tipicamente, os terrenos “de” marinha (e não “da” Marinha) incluem uma porção de praia e uma porção do ambiente sobrejacente, como a planície costeira. A porção de praia equivale à parte de areia mais seca acima da linha da maré alta.

Portanto, as porções de praia dos terrenos de marinha não são e não poderão ser ocupadas e não poderão ter sua titularidade transferida para privados. Por conseguinte, as praias não são objeto direto da PEC.

Por outro lado, na planície costeira há um forte processo de ocupação, pois as áreas defrontantes ao mar são altamente cobiçadas pelo mercado imobiliário. Essa porção dos terrenos de marinha, já concedida a particulares e já ocupada por eles, é que está no foco da PEC.

          FOTO: DIEGO CARNEIRO / UNSPLASH

Os terrenos de marinha
acomodam os movimentos
de elevação do nível do
mar e de proteger as
ocupações humanas e
os ambientes costeiros 

Mas ao invés da PEC buscar uma solução para o aspecto tributário, como a redução ou eliminação dos impostos cobrados aos ocupantes desses terrenos, ela cria uma situação paradoxal, vendendo um espaço que está sob risco de desaparecer em função dos processos erosivos e da elevação do nível do mar.

Agora, com as ocupações humanas, esse movimento tem sido impedido, e o resultado é a intensificação dos processos erosivos que levam à supressão desses ambientes. Curiosamente, a discussão da PEC está voltada para as praias, mas seus efeitos serão tragicamente transpostos para os manguezais. Mas qual o problema de perder as praias e os manguezais?

De uma forma geral, os ecossistemas praiais e de manguezal, importantes componentes da biodiversidade marinha, provêm relevantes benefícios para as pessoas. Dentre eles, temos a proteção da linha de costa de eventos extremos, sustentação da biodiversidade e da produção pesqueira e sequestro e estocagem de carbono, contribuindo para a regulação climática. 

Além disso, no caso específico das praias, há o suporte a uma variada gama de atividades de lazer e recreação, promovendo benefícios imateriais para a sociedade.

O Congresso Nacional, como ente fiscalizador do Poder Executivo, deveria mudar o foco de sua ação e exigir que as políticas públicas existentes e que estão relacionadas com essa temática sejam implementadas adequadamente.

Mas, em última instância, a PEC é uma oportunidade de falar do oceano e do planeta como um todo, pois o oceano tem um papel transversal na transição para a sustentabilidade.

A discussão da PEC nesse momento, no meio da Década do Oceano da ONU (2021-2030) e na iminência de comemorarmos o dia do meio ambiente (05/06) e o dia do oceano (08/06), curiosamente, nos permite reforçar o compromisso com um oceano limpo, saudável, resiliente e próspero para todos, com o qual ela peca em contribuir.

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

Ateísmo faz parte há milênios de tradições asiáticas

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê...

Escritor ateu relata em livro viagem que fez com o papa Francisco, 'o louco de Deus'

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Padre acusa ateus de defenderem com 'beligerância' a teoria da evolução

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...