Pular para o conteúdo principal

Desafio o vereador Pozzi a se submeter ao Estado laico e pedir desculpas

Mensagem ao vereador Gustavo Pozzi, de São Carlos, cidade do interior paulista


PAULO LOPES
jornalista

Vereador Gustavo Pozzi: como imagino que tenha hombridade, mas admito que posso estar enganado, espero que, do plenário, você peça desculpas ao jornalista Eduardo Banks. Ele é o autor da representação ao Ministério Público que levou o Tribunal de Justiça a decretar inconstitucional o trecho do regimento da Câmara Municipal de São Carlos que determinava a leitura de um trecho bíblico no início de cada sessão, além da exposição no local de um exemplar das escrituras cristãs. 

Na sessão da Câmara de 27 de junho, você, Pozzi, disse que o autor da representação é um anônimo, uma pessoa que não teve a "coragem" de mostrar a "cara". Pior: o chamou de "covarde".

Pozzi, você é muito mal informado. O nome de Banks aparece na folha 10 dos autos da Adin (Ação Direita de Inconstitucionalidade) que tramitou no TJ, e a "cara" dele está na internet.

Banks é militante do Estado laico. Ele tem acionado o Ministério Público em dezenas de casos para que se cumpra a separação entre Estado e Igreja. É cidadão de bem, um idealista. Luta por uma causa e não ganha dinheiro com isso. Portanto, vereador, ele merece ser tratado com um mínimo de civilidade por quem quer que seja.

Esta é a "cara" de
Eduardo Banks.


Se você, Pozzi, tivesse feito a lição de casa (teve preguiça?), se tivesse lido os referidos autos do Ministério Público e pesquisado no Google, se tivesse dado alguns cliques no mouse do seu computador, não passaria pelo vexame de ter chamado de "anônimo" alguém que tem nome, sobrenome e endereço.

Você é católico praticante, é membro da Paróquia Nossa Senhora Aparecida da Redenção e é professor em uma escola vinculado à Diocese de São Carlos. Uma curiosidade: nesses locais você pratica a sua oratória rasteira ou é só na Câmara?

Talvez você seja um católico de fachada, daqueles que frequentam locais religiosos só para obter votos nas eleições. Um lobo disfarçado que circula entre ovelhas para mamar nas tetas delas.

Eu nasci em São Carlos e, se ainda aí morasse, jamais votaria em você para vereador ou para qualquer outro cargo. Já avisei parentes e amigos: "Não votem num tal de Pozzi, ele é leviano e inconsequente".

O fato de você ser professor de Filosofia e Ética fez aumentar a minha vergonha alheia porque, me perguntei, como é possível um conhecedor do pensamento filosófico, alguém supostamente esclarecido, usar uma retórica tão baixa e pobre de argumentação? Como é possível um professor de ética demonstrar tanta estupidez? Cadê a sua filosofia, Pozzi? Cadê a sua ética? 

Outra coisa, Pozzi. Você sabe ou como professor de filosofia deveria saber que um enunciado tem valor intrínseco, vale por si próprio, pela sua lógica e coerência, independentemente de quem seja o seu autor.

Então, Pozzi, não importa quem tenha recorrido ao Ministério Público contra a teocracia do regimento da Câmara. Não importa se João ou Paulo, se José ou Eduardo ou mesmo se um anônimo. O que vale é a justeza do anunciado. No caso, quem diz é, a rigor, a Constituição. Isso não basta para você? Vai xingar a Constituição de covarde? Vai acusá-la de "atacar" as palavras de Deus? Não seja ridículo.

Você não entendeu nada, Pozzi. Não se trata de afrontar as palavras de Deus, porque, para quem não acredita em divindades, como o Banks, não há quem "atacar". 

A questão é o respeito ao Estado laico, previsto no artigo 19 da Constituição, inciso I: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (I) - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (…)".

Você faz ideia da importância do Estado laico? Pois eu lhe digo: sem laicidade de Estado não há democracia, que é um regime de governo que respeita todos os credos, sim, mas não privilegia nenhum deles. A laicidade impede que as religiões instrumentalizem a máquina pública para proveito próprio, como, aliás, já ocorre no Brasil.

Portanto, Pozzi, a Câmara Municipal ou qualquer outra instância de governo não pode professar uma religião, mesmo a hegemônica. E não se trata de uma perseguição aos cristãos porque não se pode ler a Bíblia e o mesmo vale para o Corão, o Talmude, livros da religião de matriz africana. Simples assim.

Vereador, continue lendo a Bíblia, mas na sua casa, na sua Igreja, onde quiser, e não use um estabelecimento público como templo religioso, seja sensato. E, repito, tenha a hombridade de pedir desculpas ao Banks.   

Comentários

CBTF disse…
Imagina esse vereador dando aula de filosofia aos alunos, por isso a educação no Brasil vai de mal a pior.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Secretaria do Amazonas critica intolerância de evangélicos

Melo afirmou que escolas não são locais para mentes intolerantes Edson Melo (foto), diretor de Programa e Políticas Pedagógicas da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, criticou a atitude dos 14 alunos evangélicos que se recusaram a apresentar um trabalho sobre cultura africana para, segundo eles, não ter contato com as religiões dos afrodescendentes. “Não podemos passar uma borracha na história brasileira”, disse Melo. “E a cultura afro-brasileira está inclusa nela.” Além disso, afirmou, as escolas não são locais para “formar mentes intolerantes”. Os evangélicos teriam de apresentar em uma feira cultural da Escola Estadual Senador João Bosco de Ramos Lima, em Manaus, um trabalho dentro do tema "Conhecendo os paradigmas das representações dos negros e índios na literatura brasileira, sensibilizamos para o respeito à diversidade". Eles se negaram porque, entre outros pontos, teriam de estudar candomblé e reagiram montando uma tenda fora da escola para divu...

Por que é absurdo considerar os homossexuais como criminosos

Existem distorções na etimologia que vem a antiguidade AURÉLIO DO AMARAL PEIXOTO GAROFA Sou professor de grego de seminários, também lecionei no seminário teológico da igreja evangélica e posso dizer que a homofobia católica e evangélica me surpreende por diferentes e inaceitáveis motivos. A traduções (traições), como o próprio provérbio italiano lembra ( traduttore, tradittore ) foram ao longo dos séculos discricionariamente destinadas a colocar no mesmo crime etimológico, categorias de criminosos sexuais que na Antiguidade distinguiam-se mais (sobretudo na cultura grega) por critérios totalmente opostos aos nossos. O que o pseudoepígrafo que se nomeia Paulo condenava eram os indivíduos de costumes torpes, infames, os quais se infiltravam em comunidades para perverter mocinhas e rapazinhos sob pretexto de "discipulado" e com fins de proveito sexual. Nada diferente de hoje, por isso vemos que a origem da efebofilia e pedofilia católica e evangélica é milenar. O fato...

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

CRP dá 30 dias para que psicóloga deixe de fazer proselitismo religioso

No noticiário, casos de pastores pedófilos superam os de padres