Pular para o conteúdo principal

Ossos ocos permitiram que dinossauros evoluíssem três vezes

Ossos menos densos e com mais ar proporcionaram mais oxigênio circulando no sangue

ANDRÉ JULIÃO | Agência FAPESP
jornalista

Dinossauros do tamanho de ônibus não seriam possíveis se seus ossos fossem como os dos humanos, densos e pesados, e não como das aves atuais, ocos por abrigarem estruturas conhecidas como sacos aéreos.

O surgimento desses espaços nos ossos, que dão menor densidade e mais leveza para o esqueleto, parece ter sido tão vantajoso que aconteceu pelo menos três vezes ao longo da evolução dos dinossauros e pterossauros (“répteis” voadores), revela estudo apoiado pela FAPESP e publicado na revista Scientific Reports.

“Ossos menos densos e com mais ar trouxeram aos dinossauros e aos pterossauros [e ainda trazem para as aves] mais oxigênio circulando no sangue, além de maior agilidade para caçar, fugir e lutar, ou mesmo para voar. Não só gastavam menos energia, como resfriavam o corpo com mais eficiência”, resume Tito Aureliano, primeiro autor do estudo — fruto de sua pesquisa de doutorado conduzida no Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp).

Aureliano analisou ossos fossilizados de três espécies brasileiras do Período Triássico Tardio (cerca de 233 milhões de anos atrás), quando os dinossauros surgiram na Terra. Todas foram encontradas no Rio Grande do Sul nas últimas décadas. Conhecer a fundo indivíduos de grupos evolutivos distintos, de um período tão inicial na evolução desses animais, permite saber quando surgiram determinadas características.

No caso, os pesquisadores buscavam sinais da presença de sacos aéreos, bastante conhecidos em espécies mais recentes na escala do tempo geológico (e mais estudadas), como o tiranossauro ou o velociraptor, por exemplo. E ainda presentes nas aves atuais. Os sacos aéreos se espalham por todo o corpo, mas seguem a coluna vertebral, com espaços nos ossos que abrigam porções deles.

Usando tomografia computadorizada, que possibilita visualizar a estrutura interna de fósseis, os pesquisadores encontraram apenas pequenas passagens nas vértebras e conseguiram avaliar os pontos por onde passavam veias e artérias, a medula espinhal e onde se fixavam músculos e tendões. Nenhuma delas capaz de abrigar sacos respiratórios que fluíam ar continuamente.

Gnathovorax cabreirai
era um herrerasaurídeo.
Foi descoberto em São
João do Polêsine (RS). 

“O Triássico era muito quente e seco. O que hoje é o Rio Grande do Sul ficava longe do mar, no centro do grande continente Pangeia. Com isso, uma maior circulação de oxigênio no sangue, capaz de resfriar o corpo com mais eficiência, foi certamente uma vantagem bem-vinda, adquirida pelo menos três vezes de forma independente”, conta Fresia Ricardi Branco, professora do IG-Unicamp e coordenadora do estudo, que integra um projeto apoiado pela FAPESP.

Dinos gaúchos


As três espécies que tiveram os fósseis analisados foram encontradas na Região da Quarta Colônia, perto de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, entre 2011 e 2019, por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Alguns deles também assinam o trabalho publicado agora.

As espécies analisadas foram Buriolestes schultzi e Pampadromaeus barberenai, dos sauropodomorfos, grupo que mais tarde abrigaria os dinossauros pescoçudos. 

O outro dinossauro analisado foi o Gnathovorax cabreirai, um herrerasaurídeo, linhagem extinta pouco depois do período em que viveu.

Um estudo publicado em 2021 por pesquisadores da África do Sul, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá já havia mostrado que outra linhagem de dinossauros, os Ornithischia, surgida provavelmente depois, no Jurássico (entre 201 milhões e 145 milhões de anos atrás), também não tinha estruturas que abrigassem os sacos aéreos.

As evidências somadas desse grupo, os Ornithischia, conhecido pelos Triceratops, com os outros dois analisados agora (sauropodomorfos e herrerasaurídeos), mostram que a presença dos sacos aéreos ocorreu independentemente entre os grupos.

“Mostram que nenhum ancestral comum deles tinha essa característica. Os três grupos que possuem sacos aéreos, portanto, chegaram a esse mesmo traço de forma independente”, conclui Aureliano.

Os outros grupos que possuíram sacos aéreos foram os pterossauros, grupo dos “répteis” voadores como os pterodáctilos; os terópodes (tiranossauro e velociraptor), que incluem as aves atuais, e os saurópodes, os herbívoros pescoçudos.

Apesar de serem descendentes do Buriolestes schultzi e do Pampadromaeus barberenai, na linhagem dos dinossauros pescoçudos, os ossos ocos só surgiram depois, ainda não se sabe exatamente quando.

“Os dinossauros mais antigos do mundo estão na América do Sul e só foram descobertos nas últimas duas décadas. É preciso continuar a realizar esse tipo de pesquisa, que mostra como os organismos dominantes do período lidaram com um clima muito mais quente do que o atual”, afirma Ricardi Branco.

O artigo The absence of an invasive air sac system in the earliest dinosaurs suggests multiple origins of vertebral pneumaticity pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-022-25067-8. ilustração: Márcio Castro)


Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Professor obtém imunidade para criticar criacionismo nas aulas

A Corte de Apelação da Califórnia (EUA) decidiu que um professor de uma escola pública de Mission Viejo tem imunidade para depreciar o criacionismo, não podendo, portanto, ser punido por isso. A cidade fica no Condado de Orange e tem cerca de 94 mil habitantes. Durante uma aula, o professor de história James Corbett, da Capistrano Valley High School, afirmou que o criacionismo não pode ser provado cientificamente porque se trata de uma “bobagem supersticiosa”. Um aluno foi à Justiça alegando que Corbett ofendeu a sua religião, desrespeitando, assim, a liberdade de crença garantida pela Primeira Emenda da Constituição. Ele perdeu a causa em primeira instância e recorreu a um tribunal superior. Por unanimidade, os três juízes da Corte de Apelação sentenciaram que a Primeira Emenda não pode ser utilizada para cercear as atividades de um professor dentro da sala de aula, mesmo quando ele hostiliza crenças religiosas. Além disso, eles também argumentaram que o professor não ...

Caso Roger Abdelmassih

Violência contra a mulher Liminar concede transferência a Abelmassih para hospital penitenciário 23 de novembro de 2021  Justiça determina que o ex-médico Roger Abdelmassih retorne ao presídio 29 de julho de 2021 Justiça concede prisão domiciliar ao ex-médico condenado por 49 estupros   5 de maio de 2021 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico Abdelmassih 26 de fevereiro de 2021 Corte de Direitos Humanos vai julgar Brasil por omissão no caso de Abdelmassih 6 de janeiro de 2021 Detento ataca ex-médico Roger Abdelmassih em hospital penitenciário 21 de outubro de 2020 Tribunal determina que Abdelmassih volte a cumprir pena em prisão fechada 29 de agosto de 2020 Abdelmassih obtém prisão domicililar por causa do coronavírus 14 de abril de 2020 Vicente Abdelmassih entra na Justiça para penhorar bens de seu pai 20 de dezembro de 2019 Lewandowski nega pedido de prisão domiciliar ao ex-médico estuprador 19 de novembro de 2019 Justiça cancela prisão domi...

Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola

O estudante já vinha sendo intimidado O estudante Ciel Vieira (foto), 17, de Miraí (MG), não se conformava com a atitude da professora de geografia Lila Jane de Paula de iniciar a aula com um pai-nosso. Um dia, ele se manteve em silêncio, o que levou a professora a dizer: “Jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. Era um recado para ele. Na classe, todos sabem que ele é ateu. A escola se chama Santo  Antônio e é do ensino estadual de Minas. Miraí é uma cidade pequena. Tem cerca de 14 mil habitantes e fica a 300 km de Belo Horizonte. Quando houve outra aula, Ciel disse para a professora que ela estava desrespeitando a Constituição que determina a laicidade do Estado. Lila afirmou não existir nenhuma lei que a impeça de rezar, o que ela faz havia 25 anos e que não ia parar, mesmo se ele levasse um juiz à sala de aula. Na aula seguinte, Ciel chegou atrasado, quando a oração estava começando, e percebeu ele tinha sido incluído no pai-nosso. Aparentemen...

Seleção feminina de vôlei não sabe que Brasil é laico desde 1891

Título original: O Brasil é ouro em intolerância Jogadoras  se excederam com oração diante das câmeras por André Barcinski para Folha Já virou hábito: toda vez que um time ou uma seleção do Brasil ganha um título, os atletas interrompem a comemoração para abrir um círculo e rezar. Sempre diante das câmeras, claro. O mesmo aconteceu sábado passado, quando a seleção feminina de vôlei conquistou espetacularmente o bicampeonato olímpico em cima da seleção norte-americana, que era favorita. O Brasil é oficialmente laico desde 1891 e a Constituição prevê a liberdade de religião. Será mesmo? O que aconteceria se alguma jogadora da seleção de vôlei fosse budista? Ou mórmon? Ou umbandista? Ou agnóstica? Ou islâmica? Alguém perguntou a todas as atletas e aos membros da comissão técnica se gostariam de rezar o “Pai Nosso”? Ou será que alguns se sentiram compelidos a participar para não destoar da festa? Será que essas manifestações públicas e encenadas, em vez de prop...

Secretaria do Amazonas critica intolerância de evangélicos

Melo afirmou que escolas não são locais para mentes intolerantes Edson Melo (foto), diretor de Programa e Políticas Pedagógicas da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, criticou a atitude dos 14 alunos evangélicos que se recusaram a apresentar um trabalho sobre cultura africana para, segundo eles, não ter contato com as religiões dos afrodescendentes. “Não podemos passar uma borracha na história brasileira”, disse Melo. “E a cultura afro-brasileira está inclusa nela.” Além disso, afirmou, as escolas não são locais para “formar mentes intolerantes”. Os evangélicos teriam de apresentar em uma feira cultural da Escola Estadual Senador João Bosco de Ramos Lima, em Manaus, um trabalho dentro do tema "Conhecendo os paradigmas das representações dos negros e índios na literatura brasileira, sensibilizamos para o respeito à diversidade". Eles se negaram porque, entre outros pontos, teriam de estudar candomblé e reagiram montando uma tenda fora da escola para divu...

Por que é absurdo considerar os homossexuais como criminosos

Existem distorções na etimologia que vem a antiguidade AURÉLIO DO AMARAL PEIXOTO GAROFA Sou professor de grego de seminários, também lecionei no seminário teológico da igreja evangélica e posso dizer que a homofobia católica e evangélica me surpreende por diferentes e inaceitáveis motivos. A traduções (traições), como o próprio provérbio italiano lembra ( traduttore, tradittore ) foram ao longo dos séculos discricionariamente destinadas a colocar no mesmo crime etimológico, categorias de criminosos sexuais que na Antiguidade distinguiam-se mais (sobretudo na cultura grega) por critérios totalmente opostos aos nossos. O que o pseudoepígrafo que se nomeia Paulo condenava eram os indivíduos de costumes torpes, infames, os quais se infiltravam em comunidades para perverter mocinhas e rapazinhos sob pretexto de "discipulado" e com fins de proveito sexual. Nada diferente de hoje, por isso vemos que a origem da efebofilia e pedofilia católica e evangélica é milenar. O fato...

CRP dá 30 dias para que psicóloga deixe de fazer proselitismo religioso

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Líder de igreja é acusado de abusar de dezenas de fiéis