Pular para o conteúdo principal

Pedras lascadas do Sul indicam tecnologia de 8 mil anos

Estudo foi realizado em sítio arqueológico Pororó (RS) descoberto em 2010

SEBASTIÃO MOURA
Jornal da USP

Pesquisadores analisaram pontas de pedra lascada feitas por uma população que viveu no Brasil entre 11 mil e 5 mil anos atrás e observaram que a tecnologia de fabricação dessas ferramentas se manteve constante através desses milênios, indicando uma forte tradição técnica nessa sociedade, que pode ter sido motivada por fatores pragmáticos ou culturais.

O estudo foi realizado a partir de materiais coletados no sítio arqueológico Pororó, no Alto Vale do Jacuí, Rio Grande do Sul (RS), descoberto em 2010. As escavações foram feitas pelo arqueólogo Saul Milder, da Universidade Federal de Santa Maria, que morreu em 2014 e não chegou a ver os últimos resultados do projeto.

A partir do trabalho de Milder, os pesquisadores João Carlos Moreno de Sousa, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências (IB) da USP, e Anderson Marques Garcia, do Departamento de Arqueologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), conduzem uma reavaliação das pontas de pedra lascada encontradas no local, por meio de um novo protocolo proposto por Moreno de Sousa em um artigo de 2020, que busca dar atenção ao modo de produção dessas ferramentas e padronizar esse tipo de análise para facilitar a comparação de trabalhos feitos por diferentes cientistas.

Ao analisar os artefatos de Pororó, eles observaram que os objetos tinham as mesmas características da indústria lítica (termo arqueológico que define o conjunto de formas de produção em larga escala de ferramentas, um dos aspectos de uma cultura) encontradas em outras regiões do Rio Grande do Sul, e que Moreno de Sousa já havia descrito no seu doutorado, em 2019, e denominado “Cultura Garivaldinense”, em referência ao sítio Afonso Garivaldino Rodrigues, no Médio Vale Rio Jacuí, onde foi registrada pela primeira vez.

Isso é interessante não só pelo novo local, mas também porque os artefatos do sítio Pororó são datados de 2.500 anos atrás, e as datações mais recentes dessa indústria lítica que haviam sido feitas anteriormente eram de 7 mil anos. 

O pesquisador também conta que datações mais recentes, de 5 mil anos, já foram encontradas depois disso, mas a lacuna ainda é significativa.

A descoberta reforça algo já conhecido: essa indústria lítica passou milênios praticamente sem nenhuma mudança.

“Apesar do aparecimento de novos tipos de pontas e outras ferramentas, algumas tradições persistem, como se fossem algo muito forte na memória social desses grupos, talvez uma questão de identidade social”, comenta Moreno de Sousa ao Jornal da USP.

“Também pode ter sido uma questão desses instrumentos terem se mostrado muito eficientes para os propósitos desses povos, não havendo necessidade de mudança”, acrescenta Garcia.

O artigo sobre as pontas faz parte de um projeto maior que busca investigar a diversidade e evolução cultural dos primeiros povos caçadores-coletores das regiões Sudeste e Sul do Brasil.

“Por muito tempo, na arqueologia, todos os povos de caçadores-coletores que produziam essas pontas de pedra lascada e viveram nas Américas entre 14 mil anos atrás e a colonização europeia foram categorizados como ‘Tradição Umbu’, que inicialmente descrevia um período específico no nordeste do RS e acabou generalizado enquanto categoria. Mas quando observamos essa continuidade longeva das tecnologias da Cultura Garivaldinense e comparamos, por exemplo, com outras tecnologias do Sul e Sudeste, que são muito diferentes, notamos que essas sociedades eram bastante diversas culturalmente e não podem ser tratadas como um grupo homogêneo ”, explica Moreno de Sousa.

O artigo Late Holocene lithic points from a Southern Brazilian mound: The Pororó site foi publicado pelo periódico de acesso aberto Papers from the Institute of Archaeology, vinculado à University College London, e pode ser lido aqui. A pesquisa recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).


Foram identificadas três tipos
de pontas no sítio Garivaldino:
ponta garivaldinense (A e C),
ponta montenegro (B) e ponta
brochier (D). Dessas três, só
a brochier não aparece em Pororó

> Esse texto foi publicado originalmente com o título Análise de pontas de pedra lascada indica uma tradição tecnológica de mais de 8 mil anos.

Avanço da arqueologia não confirma nada de Gênesis

Arqueologia registra só duas crucificações e nenhuma é de Jesus

DNA revela nova conexão de Luzia com linhagem de humanos

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

Canadenses vão à Justiça para que escola distribua livros ateus

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Prefeito de São Paulo veta a lei que criou o Dia do Orgulho Heterossexual

Kassab inicialmente disse que lei não era homofóbica

Bento 16 associa união homossexual ao ateísmo

Papa passou a falar em "antropologia de fundo ateu" O papa Bento 16 (na caricatura) voltou, neste sábado (19), a criticar a união entre pessoas do mesmo sexo, e, desta vez, associou-a ao ateísmo. Ele disse que a teoria do gênero é “uma antropologia de fundo ateu”. Por essa teoria, a identidade sexual é uma construção da educação e meio ambiente, não sendo, portanto, determinada por diferenças genéticas. A referência do papa ao ateísmo soa forçada, porque muitos descrentes costumam afirmar que eles apenas não acreditam em divindades, não se podendo a priori se inferir nada mais deles além disso. Durante um encontro com católicos de diversos países, Bento 16 disse que os “cristãos devem dizer ‘não’ à teoria do gênero, e ‘sim’ à aliança entre homens e mulheres no casamento”. Afirmou que a Igreja defende a “dignidade e beleza do casamento” e não aceita “certas filosofias, como a do gênero, uma vez que a reciprocidade entre homens e mulheres é uma expressão da bel...

Eleição de Haddad significará vitória contra religião, diz Chaui

Marilena Chaui criticou o apoio de Malafaia a Serra A seis dias das eleições do segundo turno, a filósofa e professora Marilena Chaui (foto), da USP, disse ontem (23) que a eleição em São Paulo do petista Fernando Haddad representará a vitória da “política contra a religião”. Na pesquisa mais recente do Datafolha sobre intenção de votos, divulgada no dia 19, Haddad estava com 49% contra 32% do tucano José Serra. Ao participar de um encontro de professores pró-Haddad, Chaui afirmou que o poder vem da política, e não da “escolha divina” de governantes. Ela criticou o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus do Rio, a Serra. Malafaia tem feito campanha para o tucano pelo fato de o Haddad, quando esteve no Ministério da Educação, foi o mentor do frustrado programa escolar de combate à homofobia, o chamado kit gay. Na campanha do primeiro turno, Haddad criticou a intromissão de pastores na política-partidária, mas agora ele tem procurado obter o apoio dos religi...

Existe uma relação óbvia entre ateísmo e instrução

de Rodrigo César Dias   (foto)   a propósito de Arcebispo afirma que ateísmo é fenômeno que ameaça a fé cristã Rodrigo César Dias Acho que a explicação para a decadência da fé é relativamente simples: os dois pilares da religião até hoje, a ignorância e a proteção do Estado, estão sendo paulatinamente solapados. Sem querer dizer que todos os religiosos são estúpidos, o que não é o caso, é possível afirmar que existe uma relação óbvia entre instrução e ateísmo. A quantidade de ateus dentro de uma universidade, especialmente naqueles departamentos que lidam mais de perto com a questão da existência de Deus, como física, biologia, filosofia etc., é muito maior do que entre a população em geral. Talvez não existam mais do que 5% de ateus na população total de um país, mas no departamento daqueles cursos você encontrará uma porcentagem muito maior do que isso. E, como esse mundo de hoje é caracterizado pelo acesso à informação, como há cada vez mais gente escolarizada e dipl...

Papa afirma que casamento gay ameaça o futuro da humanidade

Bento 16 disse que as crianças precisam de "ambiente adequado" O papa Bento 16 (na caricatura) disse que o casamento homossexual ameaça “o futuro da humanidade” porque as crianças precisam viver em "ambientes" adequados”, que são a “família baseada no casamento de um homem com uma mulher". Trata-se da manifestação mais contundente de Bento 16 contra a união homossexual. Ela foi feita ontem (9) durante um pronunciamento de ano novo a diplomatas no Vaticano. "Essa não é uma simples convenção social", disse o papa. "[Porque] as políticas que afetam a família ameaçam a dignidade humana.” O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) ficou indignado com a declaração de Bento 16, que é, segundo ele, suspeito de ser simpático ao nazismo. "Ameaça ao futuro da humanidade são o fascismo, as guerras religiosas, a pedofilia e o abusos sexuais praticados por membros da Igreja e acobertados por ele mesmo", disse. Tweet Com informação...

Roger Abdelmassih agora é também acusado de erro médico

Mais uma ex-paciente do especialista em fertilização in vitro Roger Abdelmassih (foto), 65, acusa-o de abuso sexual. Desta vez, o MP (Ministério Público) do Estado de São Paulo abriu nova investigação porque a denúncia inclui um suposto erro médico. A estilista e escritora Vanúzia Leite Lopes disse à CBN que em 20 de agosto de 1993 teve de ser internada às pressas no hospital Albert Einstein, em São Paulo, com infecção no sistema reprodutivo. Uma semana antes Vanúzia tinha sido submetida a uma implantação de embrião na clínica de Abdelmassih, embora o médico tenha constatado na ocasião que ela estava com cisto ovariano com indício de infecção. Esse teria sido o erro dele. O implante não poderia ocorrer naquelas circunstâncias. A infecção agravou-se após o implante porque o médico teria abusado sexualmente em várias posições de Vanúzia, que estava com o organismo debilitado. Ela disse que percebeu o abuso ao acordar da sedação. Um dos advogados do médico nega ter havido violê...

Médico acusado de abuso passa seu primeiro aniversário na prisão

Roger Abdelmassih (reprodução acima), médico acusado de violentar pelo menos 56 pacientes, completou hoje (3) 66 anos de idade na cela 101 do pavilhão 2 da Penitenciária de Tremembé (SP). Foi o seu primeiro aniversário no cárcere. Filho de libaneses, ele nasceu em 1943 em São João da Boa Vista, cidade paulista hoje com 84 mil habitantes que fica a 223 km da capital. Até ser preso preventivamente no dia 17 de agosto, o especialista em reprodução humana assistida tinha prestígio entre os ricos e famosos, como Roberto Carlos, Hebe Camargo, Pelé e Gugu, que compareciam a eventos promovidos por ele. Neste sábado, a companhia de Abdelmassih não é tão rica nem famosa e, agora como o próprio médico, não passaria em um teste de popularidade. Ele convive em sua cela com um acusado de tráfico de drogas, um ex-delegado, um ex-agente da Polícia Federal e um ex-investigador da Polícia Civil. Em 15 metros quadrados, os quatros dispõem de três beliches, um vaso sanitário, uma pia, um ch...