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Como Damares, Agualusa subia em árvores, mas para ver mulher pelada

[opinião]

O escritor angolano José Eduardo Agualusa escreveu que, como a pastora e ministra Damares Alves, ele, quando criança, subia em árvores, não para ver Jesus, mas para apreciar mulher pelada.

Autor de livros que enriquecem a literatura em língua portuguesa, Agualusa agora entrou na mira das milícias evangélicas por ter ousado fazer humor com a já famosa declaração de Damares de que Jesus subiu na goiabeira onde ela se encontrava, quando tinha 10 anos tinha intenção de tomar veneno.

Agualusa não viu
 Jesus nas árvores
 em que subia

Muita gente está dizendo que não se pode brincar com uma tentativa de suicídio, mas o que é mesmo inadmissível é a censura. O humor não deve fazer nenhuma concessão, nem ao suicídio e muito menos a divindades.

É preferível ter humor de mau gosto (o que é subjetivo) a não ter nenhum por força da censura

E, além do mais, Damares resistiu ao impulso do suicídio, embora ela pareça não ter crescido e amadurecido, como se ainda fosse aquela menininha indefesa diante de seu predador sexual. É que compreensível o seu trauma e, provavelmente, ela deva procurar um bom terapeuta ou voltar ao pé de goiabeira.

Em reação às milícias fundamentalistas, transcrevo a crônica que Agualusa publicou em “O Globo”. 


Jesus num pé de goiabeira

Damares Alves, a mulher que Jair Bolsonaro escolheu para ministra dos Direitos Humanos, Mulher e Família, afirma ter visto Jesus Cristo subindo um pé de goiaba. Isso enquanto ela mesma se preparava para tomar veneno em cima da goiabeira: “Vi Jesus em cima de um pé de goiaba e foi incrível!”

O que Damares disse a Jesus, quando o viu avançando, lindo e loiro, para a goiabeira? Ela disse: “Não sobe, Jesus, você não sabe subir em pé de goiaba.”

Todavia, para grande espanto de Damares, Jesus subiu. Conclui então a futura ministra: “Jesus é tão poderoso, tão poderoso, que conseguiu subir no pé de goiaba!”

O que mais espantou Damares, portanto, não foi Jesus ter-se revelado a ela em toda a sua infinita loireza. Foi conseguir subir o pé de goiaba. Achei as declarações da futura ministra um pouco estranhas. Primeiro: até pessoas como eu, que passaram as aulas de religião e moral a lerem gibis às escondidas, sabem que anjos, santos e divindades, particularmente as cristãs, sempre demostraram grande talento para subir em árvores. Um dos casos mais notórios é o de Nossa Senhora de Fátima, que gostava de aparecer aos pastorinhos em cima de uma azinheira.

Em segundo lugar, goiabeira é muito fácil de subir. Difícil é trepar em um eucalipto, por exemplo. Ou em um baobá. Isso sim, queria ver Jesus subir um baobá.


No quintal da minha casa também havia um pé de goiaba. Aos seis anos, eu já subia a goiabeira até aos ramos mais altos. Nunca encontrei Jesus por lá. Logo, deixei a goiabeira e comecei a escalar os abacateiros, árvores muito mais altas, com galhos distantes do solo, cuja escalada exige alguma coragem e um mínimo de destreza. Infelizmente, também não encontrei, entre a folhagem densa, nem Jesus, nem Nossa Senhora, nem sequer algum pequeno arcanjo extraviado. Acho que teria ficado satisfeito com o arcanjinho. No nosso quintal, os abacateiros só davam mesmo abacates. Em todo o caso, bons abacates.


Voltando à revelação de Damares Alves, também não consigo entender por que diabo uma pessoa que quer tomar veneno escala um pé de goiaba: para morrer mais pertinho do céu? Na esperança de que não morrendo do veneno, possa morrer da queda? Talvez a eficácia do veneno cresça à medida que o envenado vá subindo num pé de goiaba. Não sei.

Quanto a mim, comecei por escalar a goiabeira pelo mesmo motivo por que Sir Edmund Hillary decidiu escalar o Everest — “porque estava lá”. E também para comer goiabas. Mais tarde, a caminho da adolescência, passei a galgar o abacateiro para ver a vizinha, no quintal ao lado, tomando banhos de sol. Nas manhãs de domingo, a vizinha, uma jovem viúva, sem filhos, estendia uma toalha branca sobre a grama e deitava-se nela, nua e magnífica — a mulher mais linda do mundo. Era assim a minha missa.

Hoje, compro goiabas e deixo-as dissolvendo-se em perfume, na fruteira, para que me devolvam a memória daquelas manhãs de domingo. É certo que não vi Jesus. Mas palavra de honra que nunca senti a falta — cada qual escolhe os milagres que lhe fazem melhor.



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