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Ateu não tem medo de dizer que o inexistente não existe


por Daniel Sottomaior
para o site Itu

Em artigo publicado neste site no dia 1º de julho, o seminarista Salathiel de Souza lançou uma de suas várias diatribes contra os ateus, intitulada “A má vontade do ateu”. A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, que represento, agradece ao domínio por ter gentilmente concedido espaço para exercer o direito de resposta.

Entre os contos de Hans Christian Andersen, um dos meus favoritos é “A roupa nova do rei”, em que um rei é convencido de que poderia ter uma roupa muito bonita e cara, mas que só as pessoas mais inteligentes poderiam ver. O costureiro recebe baús cheios de riquezas, rolos de linhas de ouro e seda e todos os materiais mais caros e exóticos para realizar sua empreitada, e ao fim mostra ao rei um cabide vazio dizendo que essa era a sua obra. Mesmo sem ver obra nenhuma, ele exclama "Que lindas vestes! Fizeste um trabalho magnífico!" - afinal de contas, se ele dissesse a verdade, admitiria que não era inteligente o suficiente para enxergar a roupa.


O rei está nu

Sem desejo de contrariar o rei ou movidos pelo mesmo medo de serem vistos como pouco inteligentes, os nobres à sua volta davam todos falsos suspiros de admiração pela beleza das vestes. Até um desfile foi marcado para que todos pudessem apreciar o esplendor da roupa nova do rei, quando uma criança apontou “O rei está nu!”

O ateu na sociedade é essa criança, que não tem medo de dizer que o não existente não existe. E se eu fosse o costureiro da roupa nova do rei, a impertinência daqueles que apontam que o rei está nu possivelmente também me deixaria raivoso. Talvez eu até dissesse que elas têm “má vontade” em não ver quão esplendoroso é o manto real. Afinal de contas, não é apenas uma questão intelectual.

Os costureiros das obras religiosas dependem da ilusão, própria e alheia, para exercer seu enorme poder sobre a sociedade, ditando quem pode fazer o quê, como, quando e onde, direcionando não só a vida íntima de milhões de pessoas como até a formulação de leis e políticas públicas. Além disso, quem paga as contas dos costureiros de roupas do rei são aqueles que juram que ela existe. Sem esses inocentes úteis, eles teriam que trabalhar de verdade. Follow the money.

Em seu texto, Salathiel alega que só se é ateu por ignorância, covardia ou má vontade e que “é raríssimo e digno de nota encontrar um ateu com boa vontade, realmente tolerante, respeitoso e em paz.” A regra do jogo na religião é afirmar e ser levado a sério sem ter qualquer evidência, e este caso não é exceção. Que pesquisas teria o seminarista consultado? Obviamente nenhuma.

Nosso país tem apenas 1 ou 2% de ateus, bem menos que a média mundial. Mas isso significa que apenas no estado em que vivemos, há 450 a 900 mil ateus. O seminarista teria que empreender enorme esforço para encontrar e então investigar as características de um milésimo desses ateus, mas nada disso é necessário se ele pode simplesmente inventar suas verdades, como tantos religiosos antes dele já fizeram. Fiat veritas! Faça-se a verdade, disse ele, e a verdade foi feita. Felizmente alguns poucos de nós têm pudor em mentir e sentem obrigação moral em expor as mentiras alheias. A afirmação é uma mera fabricação, de caráter não apenas difamatório, mas preconceituoso.

Diversas pesquisas apontam que os ateus são as pessoas mais detestadas do país, e em muito outros lugares também. Um levantamento da Fundação Perseu Abramo, por exemplo, mostrou que 17% dos brasileiros sentem repulsa ou ódio por ateus - empatados com usuários de drogas e bem à frente de ex-presidiários, com apenas 5%. O sentimento de antipatia também é dedicado mais a ateus que a qualquer outro grupo pesquisado: 25% dos brasileiros nutrem esse sentimento pelos descrentes, totalizando uma rejeição de 42%.Os meninos que insistem em dizer que o rei está nu não precisam fazer nada para serem odiados.

Mas isso é coisa que acontece mais tipicamente no terceiro mundo. A Inglaterra possui 25% de ateus; a França, 40%; Alemanha e Bélgica têm 27%. Segundo o nobre seminarista, parece que o primeiro mundo é coalhado de pessoas que não tem boa vontade, intolerantes e desrespeitosas. Deve ser um inferno a Europa! Bom mesmo é o Brasil e suas prisões cheias até a borda de cristãos.

É para lutar contra esses estereótipos odiosos e em favor da laicidade do Estado que existe a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos. Nossos cerca de vinte mil membros espalhados em todo o país estão ansiosos por ver um futuro melhor para o país nessas frentes. Obviamente, ainda temos muito trabalho a ser feito.

Daniel Sottomaior é presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos. Esse texto foi publicado originalmente com o título "A ficção do cristão".




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