Título original: Marketing francês
por Luiz Felipe Pondé para Folha
A Revolução Francesa (1789-1799) é um fenômeno de marketing. Foi importante para medirmos a febre de um país sob um rei incompetente e não para nos ensinar a vida cotidiana em democracia.
Nada há na Revolução Francesa que tenha a ver com liberdade, igualdade e fraternidade. Essas palavras são apenas um slogan que faz inveja a qualquer redator publicitário.
Esse slogan, aliado ao que os revolucionários fizeram (mataram, roubaram, violentaram, enfim, ideologizaram a violência em grande escala), é uma piada.
É uma aula de marketing político: todo mundo cita a Revolução Francesa como ícone da liberdade.
O marketing da revolução ficou a cargo da filosofia. Primeiro caso na história de um fato claramente ideologizado para vermos nele outra coisa. Os "philosophes" do Iluminismo contribuíram muito para essa matriz do marketing político de todos os tempos, a Revolução Francesa.
Começa com a criação da ideia de que existe uma coisa chamada "povo que ama a liberdade" para além da violência que ele representa quando desagradado.
"Povo" é uma das palavras mais usadas na retórica democrática e mais sem sentido preciso.
A única precisão é quando há violência popular ou quando muitos morrem de fome por conta da velha miséria moral humana.
As "cheerleaders" da primavera árabe têm orgasmos nas ruas de Damasco, Trípoli, Cairo e Tunis. Já imaginam os árabes lendo Rousseau, Marx e Foucault (que, de início, "adotou" a revolução iraniana).
Dançam para esses movimentos como se ali não estivessem em jogo divisões religiosas atávicas do próprio islamismo, quase total ausência de instituições políticas, tribalismo atroz, grupos religiosos fanáticos muito próximos do crime organizado, para não falar do óbvio terrorismo.
De vez em quando, o "povo" mata, lincha, violenta e destrói cidades, a casa dos outros e o diabo a quatro.
Mas como (e isso é um dado essencial do efeito do marketing da Revolução Francesa) pensamos que o mundo começou em 1789, achamos que o "povo" nunca destruiu tudo o que viu pela frente antes da queda da Bastilha.
A historiadora americana Gertrude Himmelfarb, em seu livro essencial "Caminhos para a Modernidade", publicado no Brasil pela É Realizações, chama o iluminismo francês de "ideologia da razão", com toda razão.
Os "philosophes" criaram um fantasma chamado "la raison", que seria a deusa dos revolucionários.
Se no plano bruto "la raison" justificaria assassinatos nos tribunais populares (que deixam as "cheerleaders" dos movimentos populares até hoje em orgasmo), no plano sofisticado do pensamento, seria a única capaz de entender e organizar o mundo desde então.
Esse fantasma da "la raison" nada tem a ver com a necessária faculdade humana de pensar para além dos desejos e medos humanos, que é muito dolorosa e rara.
Ela é uma deusa mítica que ficaria no lugar do Deus morto, dando a última palavra para tudo.
Foram muito mais os britânicos e americanos que nos ensinaram a vida cotidiana em democracia. Mas o iluminismo anglo-saxão não foi marqueteiro.
Nas palavras de Himmelfarb, os britânicos, com sua "sociologia das virtudes", buscavam compreender como as pessoas e as sociedades geram virtudes e vícios. Entre elas, a benevolência e o hábito de respeito à lei comum.
Os filósofos americanos criaram uma "política da liberdade", nas palavras de Himmelfarb.
Eles associavam a qualidade de pensadores a de homens políticos práticos que investigavam a liberdade, não como uma ideia abstrata, mas como algo a ser preservado pela lei da tentativa contínua do homem em destruí-la em nome de qualquer delírio.
Daí as instituições americanas serem as mais sólidas, até hoje, em termos de defesa dos indivíduos contra os delírios do governo e do Estado.
Os britânicos e os americanos nos ensinaram a liberdade que conhecemos e que dá a você o direito de dizer e pensar o que quiser nos limites da lei.
É hora de deixar nossos alunos lerem mais Locke, Hume, Burke, Tocqueville, Stuart Mill, Oakeshott, Berlin, os federalistas e antifederalistas, Rawls, Strauss e não apenas Rousseau, Marx e suas crias.
Essência do totalitarismo está em querer fazer o 'bem para todos'.
julho de 2011
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
A Revolução Francesa (1789-1799) é um fenômeno de marketing. Foi importante para medirmos a febre de um país sob um rei incompetente e não para nos ensinar a vida cotidiana em democracia.
Nada há na Revolução Francesa que tenha a ver com liberdade, igualdade e fraternidade. Essas palavras são apenas um slogan que faz inveja a qualquer redator publicitário.
Esse slogan, aliado ao que os revolucionários fizeram (mataram, roubaram, violentaram, enfim, ideologizaram a violência em grande escala), é uma piada.
É uma aula de marketing político: todo mundo cita a Revolução Francesa como ícone da liberdade.
O marketing da revolução ficou a cargo da filosofia. Primeiro caso na história de um fato claramente ideologizado para vermos nele outra coisa. Os "philosophes" do Iluminismo contribuíram muito para essa matriz do marketing político de todos os tempos, a Revolução Francesa.
Começa com a criação da ideia de que existe uma coisa chamada "povo que ama a liberdade" para além da violência que ele representa quando desagradado.
"Povo" é uma das palavras mais usadas na retórica democrática e mais sem sentido preciso.
A única precisão é quando há violência popular ou quando muitos morrem de fome por conta da velha miséria moral humana.
As "cheerleaders" da primavera árabe têm orgasmos nas ruas de Damasco, Trípoli, Cairo e Tunis. Já imaginam os árabes lendo Rousseau, Marx e Foucault (que, de início, "adotou" a revolução iraniana).
Dançam para esses movimentos como se ali não estivessem em jogo divisões religiosas atávicas do próprio islamismo, quase total ausência de instituições políticas, tribalismo atroz, grupos religiosos fanáticos muito próximos do crime organizado, para não falar do óbvio terrorismo.
De vez em quando, o "povo" mata, lincha, violenta e destrói cidades, a casa dos outros e o diabo a quatro.
Mas como (e isso é um dado essencial do efeito do marketing da Revolução Francesa) pensamos que o mundo começou em 1789, achamos que o "povo" nunca destruiu tudo o que viu pela frente antes da queda da Bastilha.
A historiadora americana Gertrude Himmelfarb, em seu livro essencial "Caminhos para a Modernidade", publicado no Brasil pela É Realizações, chama o iluminismo francês de "ideologia da razão", com toda razão.
Os "philosophes" criaram um fantasma chamado "la raison", que seria a deusa dos revolucionários.
Se no plano bruto "la raison" justificaria assassinatos nos tribunais populares (que deixam as "cheerleaders" dos movimentos populares até hoje em orgasmo), no plano sofisticado do pensamento, seria a única capaz de entender e organizar o mundo desde então.
Esse fantasma da "la raison" nada tem a ver com a necessária faculdade humana de pensar para além dos desejos e medos humanos, que é muito dolorosa e rara.
Ela é uma deusa mítica que ficaria no lugar do Deus morto, dando a última palavra para tudo.
Foram muito mais os britânicos e americanos que nos ensinaram a vida cotidiana em democracia. Mas o iluminismo anglo-saxão não foi marqueteiro.
Nas palavras de Himmelfarb, os britânicos, com sua "sociologia das virtudes", buscavam compreender como as pessoas e as sociedades geram virtudes e vícios. Entre elas, a benevolência e o hábito de respeito à lei comum.
Os filósofos americanos criaram uma "política da liberdade", nas palavras de Himmelfarb.
Eles associavam a qualidade de pensadores a de homens políticos práticos que investigavam a liberdade, não como uma ideia abstrata, mas como algo a ser preservado pela lei da tentativa contínua do homem em destruí-la em nome de qualquer delírio.
Daí as instituições americanas serem as mais sólidas, até hoje, em termos de defesa dos indivíduos contra os delírios do governo e do Estado.
Os britânicos e os americanos nos ensinaram a liberdade que conhecemos e que dá a você o direito de dizer e pensar o que quiser nos limites da lei.
É hora de deixar nossos alunos lerem mais Locke, Hume, Burke, Tocqueville, Stuart Mill, Oakeshott, Berlin, os federalistas e antifederalistas, Rawls, Strauss e não apenas Rousseau, Marx e suas crias.
Essência do totalitarismo está em querer fazer o 'bem para todos'.
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
Comentários
Eu fui aluno de universidades públicas, e tinha gente lá 'politizada' que me tachavam de 'burguês' por causa de um livro de 90 reais que eu comprei, suado, depois de juntar dinheiro por cinco anos. E ainda me queriam roubar o livro. Deve ser essa a tão sonhada 'justiça social'. Toma de quem já está há anos na estrada e dá (se for dar mesmo, né, que acho que é pra ele mesmo) pra um qualquer, que nunca saberá do que se trata.
Ah, mas tem solução: é só banalizar a filosofia e o conhecimento, dizendo que 'qualquer um pode fazer isso', dizer que o conhecimento é 'objetivo', e taxar de fascistas qualquer um que tentar pensar, como Heidegger, Wittgenstein, Nietzsche, Foucault, Quine, etc.
Compreender a Revolução Francesa e o modo como algumas de suas ideias nos chegaram até os dias de hoje vai além de tentarmos interpretar o processo daquela revolução com o olhar de hoje. Por fim, Tratar a Revolução Francesa como um "case" de marketing soa ridículo. Ridículo demais para um filósofo.
Anônimo, em toda postagem do Pondé você diz isso. Já não está na hora de mudar de discurso, ou não consegue pensar em outra?
Eu, quando criança, cansava de ver aquele aglomerado de gente vendo pessoas mortas, em meados dos anos oitenta e início dos noventa. E, quando vinha aquela morte bem braba mesmo, da cabeça do cara estar explodida, abrindo em flor, vocês tinham que ver a vontade com que eles iam.
hahahahahahahahahaahahahahahahahahaha!!!
Êpa, Pondé esqueceu que a revolução de independência americana foi também regada a sangue. Ingleses e colonos de martirizaram mutuamente, com mutilações, assassinatos em massa.
Êpa, Pondé esqueceu dos índios americanos, que foram violentados, assassinados em massa, deslocados para reservas sem água ...
Pois é, para ser filósofo basta ser seletivo no tema, abusar da retórica idiota e se achar o máximo.
Estes últimos estão vivos e provocaram a revolução que vocês tem hoje diante dos olhos e dedos: computadores, celulares, etc.
Os outros, bem os outros já estão mortos há tempos. Seu legado e recado para a democracia e outras coisas mais já foi dado. Passou, já absorvemos isso e precisamos ir adiante.
De nada vale, reverenciar eternamente os mortos. Eles já se foram.
Os outros, bem os outros já estão mortos há tempos. Seu legado e recado para a democracia e outras coisas mais já foi dado. Passou, já absorvemos isso e precisamos ir adiante.
De nada vale, reverenciar eternamente os mortos. Eles já se foram.
Raras vezes em minha vida eu tive a oportunidade de ler, escrita por uma pessoa bem alfabetizada e razoavelmente articulada, uma coisa tão idiota.
E olha que já li muita coisa nessa vida.
Estou espantado.
A afirmação feita por este anônimo embute a negação do próprio conceito de cultura enquanto continuidade e reprodução de conquistas.
É praticamente um axioma que as conquistas do presente sempre se baseiam em outras conquistas passadas. Nenhum dos gurus mencionados pelo anônimo teria conseguido coisa alguma na vida sem a capacidade de utilizar conhecimentos e tecnologias preexistentes.
A revolução que nós temos diante dos dedos começou há 3000 anos na Fenícia, e foi tendo sucessivas iterações desde então, as duas mais profundas sendo as invenções da imprensa e do computador.
Mas é fora do mundo da tecnologia (reduto de pessoas que acham que o mundo surgiu na semana passada) que a afirmação dele se torna mais estapafúrdia, visto que certos conhecimentos são atemporais. Ainda se estuda geometria euclidiana (que tem 2400 anos) porque é com ela que se faz arquitetura e engenharia. Ainda se estudam os filósofos porque muitos deles trazem ideias atuais sobre nós e nossas sociedades. Aristóteles é mais atual do que certos autores americanos dos anos 70.
Uma pessoa que ignora o passado é um perfeito idiota (no sentido original grego do termo, alguém fechado em si e que não interage com a sociedade em que vive) porque não consegue compreender a cultura em que vive. Torna-se um mero receptor de explicações prontas, um ser teleguiado, desprovido de opinião própria.
Foi por isso que fiz a afirmação contida no post anterior. Mesmo sabendo que muitas pessoas me xingarão por ter dito isso.
Não perca seu tempo e seu intelecto. O Pondé da Folha é o "causador". Ele está ali justamente para escrever coisas que vão contra o "pensamento de classe média" (palavras dele). Vez ou outra algum incauto lê o que ele escreve e diz "nossa, ninguém nunca disse isso antes, que corajoso". Mas para quem o acompanha ele já se tornou figurinha fácil.
Já li muita besteira e muita idiotice, mas essa é demais: "certos conhecimentos são atemporais" ... Isso é de uma bizarrice absurda. Não há conhecimento atemporal. Nada está fora do seu tempo. Atemporais são fábulas, são contos, são irracionalidades religiosas. Talvez você esteja um tanto quanto deslocado em relação a tempo e espaço, como se vê na frase seguinte:
"ainda se estuda geometria euclidiana (que tem 2400 anos) porque é com ela que se faz arquitetura e engenharia".
Nossa mãe do céu! Nota-se que você não entende nada de engenharia, nem de arquitetura. Geometria euclidiana se estuda no ensino médio. Na faculdade, meu caro, há outros conteúdos, muito mais avançados. Procure se informar antes de falar qualquer besteira.
A frase seguinte ainda é mais bizarra: "Ainda se estudam os filósofos porque muitos deles trazem ideias atuais sobre nós e nossas sociedades. Aristóteles é mais atual do que certos autores americanos dos anos 70."
Pelo amor de deus!!!! Aristóteles mais atual??? Um pensamento de três mil anos pode nos proporcionar explicações plausíveis para o século XXI e para o futuro que se avizinha???
Você está delirando e forçando a barra. Aristóteles não pode dizer nada sobre o nosso presente, muito menos sobre o futuro! Somente os filósofos conseguem encontrar alguma utilidade nessas obras mortas. Milhares de autores já leram Aristóteles, absorveram o que ele disse, descartaram outras, avançaram na reflexão e você vem com esse papo de que temos que continuar lendo e relendo um pensamento morto há milênios. Por favor!!!
A frase seguinte é uma projeção psicológica claríssima:
"Uma pessoa que ignora o passado é um perfeito idiota (...) alguém fechado em si e que não interage com a sociedade em que vive."
Vou inverter sua frase e aplicá-la ao seu caso: viver no passado e ter como referências autores que não servem para nada é ser alguém fechado e que não interage com a sociedade em que vive. Qual é a sociedade em que você vive? É a de Hume? É a de Locke? É a de Burke? Por favor, cara, localize-se, veja o mundo ao seu redor e deixe de viver fantasias atemporais.
Vou ampliar a sugestão de leitura. Leia Edward Witten, Michio Kaku, Ray Kurzweil, Brian Greene, entre outros. E verá o que realmente está acontecendo no mundo da ciência e o que virá.
Talvez os autores sugeridos acima sejam um tanto quanto indigestos a uma mente jurássica, como a sua, mas vale a pena tentar. Tente ser um pouquinho só mais contemporâneo. Não custa nada!!!
Aí verá que o grande teórico da relatividade considerava que “a vestimenta da geometria euclidiana é muito estreita para a física”.
Ele tem uma certa razão quando quer desmitificar o discurso iluminista, principalmente no que toca ao 'progressismo humano'.
O problema é que ele elege outra 'imagem do mundo' e tenta colocar no lugar. A de que os seres humanos estão aquém de qualquer tentativa de melhoria, a de que o mundo é feio, etc e etc.
Tal qual o discurso que ele critica, sua posição também é metafísica.
E, para o idiota que meteu o pau em Aristóteles, digo que ninguém entende Nietzsche e Heidegger apropriadamente, sem antes passar pela Metafísica do estagirita. E não há nada mais século XX (e XXI também) do que esses dois.
Tudo muito interessante e dialético.Ótimo embate com pontos pra todos os lados.
Só me questiono o seguinte: Mas, afinal, quem é que pode se dar ao luxo de não ser metafísico?
Seria isso mesmo possível? Como? Não crêr em Deus não deixa de ser uma crença: a de que Ele não existe, não é mesmo?
Ninguém sabe nada de realmente importante - sentidos essenciais, verdades invariáveis - (com certeza absoluta). Esse é o nosso drama e nossa alegria. Creio eu .
A sequencia seguinte está ótima:
"E, para o idiota que meteu o pau em Aristóteles, digo que ninguém entende Nietzsche e Heidegger apropriadamente, sem antes passar pela Metafísica do estagirita. E não há nada mais século XX (e XXI também) do que esses dois."
Primeiro, não sei o motivo do uso constante da palavra idiota e congêneres. Acho que o anonimato e a distância que a internet impõe uns dos outros fazem aparecer os "machões virtuais". Cara-a-cara a coisa seria bem diferente!
Bem ... a segunda parte é incompreensível: (...) E não há nada mais século XX (e XXI também) do que esses dois.(...).
Ou seja, o cara está falando que não há nada mais que Nietsche e Heidegger. Que eles são o máximo.
Interessante e, ao mesmo tempo, incompreensível é a necessidade das pessoas de cultuar ídolos. Atribuir a filósofos e pensadores um caráter superhumano, quase sobrenatural, como se o pensamento deles valesse desde sempre e para todo o sempre, é absurdo, irracional, é ilusão.
Pessoalmente, me cago nos ídolos e em todos estes autores, Aristóteles, Kant, Platão, Marx e todo o resto. Desprezo tradições e mitos.
Defender e cultivar mitos é produto de mentes frágeis.
Mas para contemporizar com o Gouveia, digo o seguinte: Blackmore era sensacional, mas Steve Morse deu um toque todo especial ao Purple. Não há dúvida quanto a isso!
Com a possível excessão de Marx nenhum dos pensadores citados são cultuados como ídolos. Eles são, isso sim, respeitados pela contribuição que deram ao pensamento humano, somente isso. As ideias deles produziram mudanças de paradigmas importantes, não se trata de se agarrar ao passado, mas apenas de não esquecê-lo para não corrermos o risco de ficarmos como alguns adolescentes, que acham que o mundo começou no ano 2000.
Lovric
Mondovazio.com.br
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