Pular para o conteúdo principal

Só a rara beleza da coragem e da generosidade ilumina nossa escuridão

Título original: Além da vida

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Você acredita  em vida após a morte? Eu não tenho opinião formada, por duas razões. Primeiro, porque se trata de uma questão sem resposta científica, mesmo que a sensibilidade espírita insista que "espiritismo é uma ciência". Bobagem, não há nada de científico no espiritismo.

Quando era adolescente, eu fazia a brincadeira do copo (fazer o copo "andar" e responder questões "soletrando" as palavras a partir de letras escritas sobre a mesa). Nunca funcionou comigo, mas sempre deu certo para pegar meninas assustadas. Corriam para nossos braços na velocidade da luz. Que delícia!

Pânico natural nas mulheres é um belo acessório de beleza e altamente afrodisíaco. Como saia curta e camisetas brancas molhadas. Certa feita, eu peguei uma menina assaz difícil no cinema graças ao bom "Tubarão".

Por outro lado, materialistas não têm tampouco uma resposta negativa definitiva para a questão da vida após a morte.

Minha segunda razão é mais blasé: nunca penso no assunto. Não me preocupo com a imortalidade da alma. O "sobrenatural" não me interessa nem um pouco.

Mas o tema é filosoficamente significativo porque as pessoas, por milhares de anos, têm se perguntado: "O que existe além da vida?"

O novo filme de Clint Eastwood, "Além da vida", trata desse tema de forma magistral. Mas não esqueçamos: trata-se de um Clint Eastwood. Isso significa o seguinte: um pano de fundo trágico permeado pelo problema da coragem versus a covardia diante do sofrimento humano.

Quando falo em "pano de fundo trágico", refiro-me a uma visão de mundo na qual a vida não tem nenhum sentido último aparente e, portanto, seus heróis se movimentam numa falta absoluta de sentido, numa espécie de escuridão moral.

O homem faz o que pode diante da opacidade de um mundo que lhe é, ao final, sempre hostil. O que encanta Clint Eastwood é a coragem diante de um mundo agônico, como todo autor que se move numa atmosfera trágica.

Existem duas virtudes básicas na tragédia: a coragem e a piedade (aos ateus alegrinhos: não confundir piedade com pieguice). Essa piedade é marcada pelo "páthos" que podemos sentir diante de nossos semelhantes torturados por um combate sem fim contra nossa agonia ("agon", em grego antigo, pode ser traduzido por "conflito").

"Além da vida" não é um filme espírita. Não é uma historinha sobre um médium que fica falando com mortos ou escrevendo cartas psicografadas cheias de obviedades.

O filme tem dois heróis e uma heroína. Um deles é um médium que vê nesse "dom" uma maldição, fruto de um erro médico que o destrói (não consegue ter vida profissional ou afetiva). O outro é um menino que perde um ente querido e fica desesperado procurando alguém que "diga" ao morto que ele sente saudade e que não sabe viver sem ele.

E a heroína é uma jornalista famosa, doce e generosa, que tem uma experiência de "quase morte" como vítima de um tsunami. Ela ficará obcecada por procurar respostas para o que sentiu, levando sua vida pessoal e profissional à beira do abismo.

Os mortos no filme não são esses seres falsamente poderosos que fingem poder "fazer nossa vida dar certo", como é o caso da farta "economia do além da vida" que se aproveita de nossa agonia.

A vida após a morte (vista como uma possibilidade séria no filme) pode ser apenas "mais do mesmo". À diferença da cambada de picaretas que o menino encontra em seu caminho (essa turba que vive de enganar as pessoas falando coisas como "sua vida vai mudar se você fizer X" ou "estou bem, mamãe"), o filme eleva essa angústia ao seu sentido trágico piedoso: somos quase sempre egoístas e covardes e poucos são corajosos e generosos, mesmo em se tratando do "além da vida".

Saber (de fato) que existe vida além da morte pode ser um ônus terrível. Conseguir falar com um ente querido morto pode custar sua sanidade. Seguir seu desejo até o fim pode te destruir. Continuamos na escuridão. Só a rara beleza da coragem e da generosidade ilumina.

Para Clint Eastwood, devemos sempre nos ajoelhar diante desta rara forma de beleza.


fevereiro de 2010

Comentários

Anônimo disse…
Luis é a reencarnação de Schopenhauer, um pouco confuso ainda, mas nota -se a semelhança!
Anônimo disse…
Mentira! Há resposta científica para isso: não existe nada além da vida, morre tudo.
Anônimo disse…
VIDA ALÉM DA MORTE.

O curioso, ou irônico nisso tudo, é que sempre que pensamos em vida após a morte, imaginamos encontrar pessoas com as quais convivemos, etc.
E se houver algo após a morte, mas sem essa nossa configuração atual, como será? Como diz Pondé, o assunto é antigo, fascinante, e filosófico.
Seria interessante que os que gostam desse tipo de assunto lessem
F. Schuon ou R. Guénon. Falam sobre as culturas tradicionais, sagradas. Talvez a leitura possa trazer um alento aos simplesmente materialistas.
Aos que pensam que a ciência pode tudo: a ciência só pode o que pode, com a fragilidade de seus métodos. Não há prova científica de que nada há após a morte. Isso não é campo para a ciência positiva.
Gutenberg
Blog Laudaamassada
Ricardo disse…
Concordo com Gutenberg. O fanatismo cientificista (vide Richard Dawkins) pode ser tão nocivo quanto o fanatismo religioso.
Acreditar que a ciência humana explica tudo e que fora dela não há nada é uma baita falta de humildade perante o mistério.
Fabiano Junio disse…
Pessoalmente acredito em vida após a morte por duas razões muito simples. Primeiro, ter esperança no além vida reveste e encanta a existência, isto é, saber que existe algo melhor e mais significativo que o tempo presente faz bem para o ser. Segundo, todo ser humano de maneira consciente ou não, como bem disse Soren Kierkegarrd, possui um desejo intrínseco de transcender, pois ele sabe que a razão e o espaço-tempo são limitados de mais para ele. Há algo que clama dentro de cada pessoa pelo absoluto, imaginável e inefável.
Anônimo disse…
Belíssima crônica.
Anônimo disse…
Belíssimo filme.
Anônimo disse…
assisti esse filme, é lindo!!! A mulher velha assisti atônita a morte de sua filha, jovem demais para morrer. Que sentido há em toda essa experiência que chamamos de vida? A morte é algo que enfim nos despertará? Uma alteração de consciência tal que nos fará acordar enfim deste sono? Fomos envenenados por uma "maçã" como a Branca de Neve e dormimos? Já tive uma experiência em que me senti fora de mim. Viajei e minha consciência se tornou plena. Isso se deu na última etapa de um sono muito profundo. Senti como se fizesse parte de um Todo. A sensação era de comunhão. O que eu era se dissolveu totalmente e eu era a própria experiência. Uma sensação de plenitude me invadiu. Uma felicidade generosa me abraçou. Só a palavra comunhão explica isso. Um sentimento de unicidade, de ser tão solidário e complacente. Isso me fez sentir amolecida, leve,doce...Bom acho que não somos alguém e sim algo. Algo que ainda não sabemos, mas que intuimos.

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Fundamentalismo de Feliciano é ‘opinião pessoal’, diz jornalista

Sheherazade não disse quais seriam as 'opiniões não pessoais' do deputado Rachel Sheherazade (foto), apresentadora do telejornal SBT Brasil, destacou na quarta-feira (20) que as afirmações de Marco Feliciano tidas como homofóbicas e racistas são apenas “opiniões pessoais”, o que pareceu ser, da parte da jornalista,  uma tentativa de atenuar o fundamentalismo cristão do pastor e deputado. Ficou subentendido, no comentário, que Feliciano tem também “opiniões não pessoais”, e seriam essas, e não aquelas, que valem quando o deputado preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Se assim for, Sheherazade deveria ter citado algumas das opiniões “não pessoais” do pastor-deputado, porque ninguém as conhece e seria interessante saber o que esse “outro” Feliciano pensa, por exemplo, do casamento gay. Em referência às críticas que Feliciano vem recebendo, ela disse que “não se pode confundir o pastor com o parlamentar”. A jornalista deveria mandar esse recado...

Ateu usa coador de macarrão como chapéu 'religioso' em foto oficial

PMs de Cristo combatem violência com oração e jejum

Violência se agrava em SP, e os PMs evangélicos oram Houve um recrudescimento da violência na Grande São Paulo. Os homicídios cresceram e em menos de 24 horas, de anteontem para ontem, ocorreram pelo menos 20 assassinatos (incluindo o de policiais), o triplo da média diária de seis mortes por violência. Um grupo de PMs acredita que pode ajudar a combater a violência pedindo a intercessão divina. A Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo, que é mais conhecida como PMs de Cristo, iniciou no dia 25 de outubro uma campanha de “52 dias de oração e jejum pela polícia e pela paz na cidade”, conforme diz o site da entidade. “Essa é a nossa nobre e divina missão. Vamos avante!” Um representante do comando da corporação participou do lançamento da campanha. Com o objetivo de dar assistência espiritual aos policiais, a associação PMs de Cristo foi fundada em 1992 sob a inspiração de Neemias, o personagem bíblico que teria sido o responsável por uma mobili...

Wyllys vai processar Feliciano por difamação em vídeo

Wyllys afirmou que pastor faz 'campanha nojenta' contra ele O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), na foto, vai dar entrada na Justiça a uma representação criminal contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por causa de um vídeo com ataques aos defensores dos homossexuais.  O vídeo “Marco Feliciano Renuncia” de oito minutos (ver abaixo) foi postado na segunda-feira (18) por um assessor de Feliciano e rapidamente se espalhou pela rede social por dar a entender que o deputado tinha saído da presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Mas a “renúncia” do pastor, no caso, diz o vídeo em referência aos protestos contra o deputado, é à “privacidade” e às “noites de paz e sono tranquilo”, para cuidar dos direitos humanos. O vídeo termina com o pastor com cara de choro, colocando-se como vítima. Feliciano admitiu que o responsável pelo vídeo é um assessor seu, mas acrescentou que desconhecia o conteúdo. Wyllys afirmou que o vídeo faz parte de uma...

Embrião tem alma, dizem antiabortistas. Mas existe alma?

por Hélio Schwartsman para Folha  Se a alma existe, ela se instala  logo após a fecundação? Depois do festival de hipocrisia que foi a última campanha presidencial, com os principais candidatos se esforçando para posar de coroinhas, é quase um bálsamo ver uma autoridade pública assumindo claramente posição pró-aborto, como o fez a nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci. E, como ela própria defende que a questão seja debatida, dou hoje minha modesta contribuição. O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na concepção e deve desde então ser protegida. Para essa posição tornar-se coerente, é necessário introduzir um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a Igreja Católica inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Sem isso, a vida humana não seria diferente da de um animal e o instante da fusão dos gametas não teria nada de especial. O problema é que ninguém jamais demonstrou que ...

Presas ameaçam matar empresária acusada de torturar menina

As presas da Casa de Prisão Provisória, em Aparecida de Goiânia, estão ameaçando de morte “o tempo todo” a empresária Sílvia Calabresi Lima (foto), acusada de torturar a menina L.R.S., de 12 anos. “As presas não toleram esse crime”, disse o advogado dela, Darlan Alves Ferreira. As ameaças incluem envenenamento da água e comida de Sílvia. Apesar disso, até anteontem a empresária queria sair do isolamento e ser transferida para ala onde há cerca de 120 mulheres. A reação dos internautas também de sido de fúria. Nos blogs, sites de notícias e Youtube, há quem peça pena de morte para a empresária. Muitos dizem que, se pudessem, torturariam a Sílvia da mesma forma que ela o fez com a menina. Também circulam na internet o endereço do casal, os números de telefone e o e-mail do filho mais velho, o Thiago, que é uma das seis pessoas que a polícia vai indiciar - no caso dele, por omissão de socorro. Embora a polícia tenha se procedido de maneira exemplar nesse caso, tem muita gente querendo fa...

Defensores do Estado laico são ‘intolerantes’, diz apresentadora

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Apoio de âncora a Feliciano constrange jornalistas do SBT

Opiniões da jornalista são rejeitadas pelos seus colegas O apoio velado que a âncora Rachel Sheherazade (foto) manifestou ao pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP)  deixou jornalistas e funcionários do "SBT Brasil" constrangidos. O clima na redação do telejornal é de “indignação”, segundo a Folha de S.Paulo. Na semana passada, Sheherazade minimizou a importância das afirmações tidas como homofóbicas e racistas de Feliciano, embora ele seja o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dizendo tratar-se apenas de “opinião pessoal”. A Folha informou que os funcionários do telejornal estariam elaborando um abaixo assinado intitulado “Rachel não nos representa” para ser encaminhado à direção da emissora. Marcelo Parada, diretor de jornalismo do SBT, afirmou não saber nada sobre o abaixo assinado e acrescentou que os âncoras têm liberdade para manifestar sua opinião. Apesar da rejeição de seus colegas, Sheherazade se sente segura no cargo porque ela cont...