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Liberdade não é sinônimo de felicidade, é conflito, agonia

Título original: Papai Noel

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Em 1965, eu tinha seis anos. Morava em Jequié, cidade no interior da Bahia. Meu pai era diretor do hospital da cidade. Fui para a escolinha do clube de tênis local, uma espécie de clube Pinheiros do sertão.

Perto do Natal, a sala foi invadida por um Papai Noel. Foi uma farra para as crianças, menos para mim.

Cresci num ambiente secular. Ateísmo era tão comum como dizer "passe a manteiga". Desde cedo, meus pais me ensinaram que Papai Noel não existia. Mas não me disseram que eu deveria calar a boca em situações como a que vivi naquele Natal de 1965.

Reconheci uma das professoras vestida com aquele traje ridículo. Imagine o calor de dezembro no Nordeste brasileiro, este mesmo que hoje tantos querem idolatrar e outros demonizar.

De pronto, levantei a mão e pedi para fazer uma pergunta. O Papai Noel me disse: "Pode falar, Felipe". Eu desabei a dizer que sabia que "ele" era a professora X e que era feio ficar enganando as crianças com essas coisas bobas porque Papai Noel não existia.

Pronto! Uma gritaria geral. Uma menina, do meu lado, se pôs a chorar. Achei bonitinho ela chorando. No dia seguinte, tentei falar com ela no parque, mas ela ainda estava brava comigo. Resultado, eu fiquei com um trauma: basta qualquer mulher chorar perto de mim que me sinto culpado. Que praga!

A professora, correndo, me tirou da sala. Minha mãe foi chamada à escola. As professoras me disseram que eu havia me comportado mal. Mas, afinal, qual era meu erro, se a verdade é que Papai Noel não existia? Depois de tantos anos, ainda me irrito com quem acredita em "Papai Noel" ou com quem tenta fazer os outros aceitarem suas crenças infantis.

Questão profundamente filosófica, não? Quem sabe foi por isso que decidi ser filósofo. E, para meu espanto, às vezes sinto que continuo naquela sala de aula dizendo o óbvio e levando bronca porque os "coleguinhas" insistem em acreditar em "Papai Noel" ou "tirar" da sala quem afirma que ele não existe.

Acabei vindo para São Paulo. Nunca senti preconceito (começo a detestar essa palavra, porque hoje ela é usada normalmente para calar a boca de quem diz o que não é politicamente correto, essa praga contemporânea).

Em apenas dois episódios, que me lembre, ouvi comentários que claramente faziam referência à minha "nordestinidade" como traço de ignorância. E as duas pessoas, pasme você, leitor, eram pessoas "de esquerda" e "inteligentes".

Nada de novo. As pessoas "de esquerda" foram responsáveis pela maior parte da chacina política no século 20. As patologias do pensamento hegeliano-marxista e sua vocação para o "Estado total" mataram mais gente do que o nazismo.

E ainda querem me convencer de que posso confiar nas suas boas intenções? Contra os delírios de Hegel, leia Isaiah Berlin e seu brilhante "Limites da Utopia" (Companhia das Letras; R$ 48, 224 págs.). O Inferno está cheio de reformadores políticos. O Estado deve ser ocupado por pessoas que não querem reformar o mundo. Fora, Papai Noel!

Pessoas que se dizem defensoras de "uma sociedade melhor" ou da "liberdade igual para todos" são autoritárias e são as que primeiro aderem à violência contra a liberdade de fato e contra aqueles que pensam diferente delas.

Quer uma dica? Quem usar muito expressões como "repúdio", "isso é desprezível", "interesse coletivo" "estou indignado", "preconceito", não merece confiança.

Adoro São Paulo. Entre tantas razões, porque é uma cidade aberta para a única forma de liberdade de fato conhecida: a liberdade de você ter méritos e ter esses méritos reconhecidos pelos outros, independentemente de raça, família, credo, classe social ou sexo.

São Paulo é maravilhosa porque acolhe quem trabalha sem por a culpa nos outros. Liberdade não é sinônimo de felicidade, liberdade é conflito, agonia, solidão.

Até onde conhecemos a história, só há liberdade onde há capitalismo, mesmo com suas miseráveis contradições. Todo mundo que quis "inventar outra liberdade" queria mesmo era meter a mão no patrimônio alheio e matar o dono.

Entre a felicidade e a liberdade, escolho a segunda. Escolho São Paulo.

Quem diz amar a humanidade geralmente detesta seu semelhante.
setembro de 2010

Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Ricardo disse…
O "filósofo" Luiz Felipe Pondé, mais uma vez, nos agracia com um de seus artigos tendenciosos e bem-intecionados (de boas intenções, o inferno está cheio). Se ele tivesse sido criticado pela elite direitista por sua "nordestinidade" (algo não tão fora do comum) teria sido aceitável, por acaso?
Teria sido muito mais aproveitável se Sua Santidade tivesse seguido a singela profissão de psicalista, para o qual já demonstrou ter atributos de sobra. A filosofia, Sr. Pondé, definifitavamente, não é seu forte.
Psicanálise e jornalismo de oposição (seja ele qual for) são suas tendências naturais. Too bad que não tenha percebido isso mais cedo na vida.
Eu também sou vítima desta terrível indecisão quanto às tendências profissionais. É horrível passar dos trinta e não estar estabelecido na vida (se não materialmente, pelo menos intelecta e espiritualmente). Compartilho com o "filósofo" Pondé esta dor.
Mas apenas esta.
Anônimo disse…
Nunca enfrentei discriminação...é claro que enfrentou, era pobre, baixo e feio, e além de tudo é claro, nordestino. E a pobreza, ou o pauperismo, pra usar a linguagem mais "filosófica", é exatamente o motivo oculto na sua inconsciência, pra rejeitar o marxismo. Só que Marx transcendeu a categoria "preconceito", da qual ponzé parece nunca ter se desvencilhado, na explicação da pobreza como causas científicas; ponzé por seu lado, atribui-a ao demérito...Este é o problema da autopsicanalização, e da psicanálise em termos nitidamente sexuais, reforçarem o ponto cego da autocrítica socioeconômica honesta. Uma boa terapia Karen Horneyana desmascararia este senhor com o seu complexo de inferioridade de pobre narcisista, identificado com o burguês, ao mesmo tempo que padecente de um inferno atroz por não ter nascido burguês. Ao ampliar a ferida narcísica para TODOS, generealização, como diz a filosofia; todos são culpados desse pecado original de terem nascido pobres: ELE Não, porque a meritocracia, espécie de eleição em que os méritos do salvador são autóctones; ele é o super-homem de sua própria redenção, ele é o merecedor, o especial, o diferente. Aonde que um cabeça de cuia em são paulo não é discriminado? Nem sendo católico, meu amigo, sacramento nenhum apaga essa mácula, mesmo que você seja filho de Maria Maculada, e Inconcebida mesmo, é a sua ilusão de embranquecimento, pois com doutorado ou phd, você foi, é , e sempre será um CABOCLO, nordestino, e dos "bons", daqueles que vão pra Sao Paulo vencer na vida e serem aceitos. E qual é o problema?
Anônimo disse…
desculpe a falta de acentos e cedilhas,
moro longe e meu pc nao fala linguas latinas, ainda.
gostei muito do artigo, como ateu,
advogado e capitalista, li os outros dois comentarios e achei que apesar do linguajar
apurado, eles nao foram muito favoraveis ao ao autor, comunistas nao aceitam bem
criticas. nao aceitam verdades, a verdade doi, maltrata mesmo, principalmente
quando ja passamos dos trinta e ainda
acreditamos em papai noeis, guevaras,
marx e outras mentiras tristes.
como carteirinha numero 73/1984
do pt de cuiaba/mt e ha muitos anos
decepcionado e ate mesmo revoltado com
o tempo que perdi sonhando com
a revolucao do povo, dos 14 aos 20 e poucos anos...
parabens filosofo...
sabes do que escreves!!!!!
Anônimo disse…
Que maravilha!! Com uma ideologia tão boa e autossuficiente como esta que Pondé oferece, quem precisa de utopias? Ou melhor, para que atividade intelectual? Tudo está tão bem assegurado ao homem pelo triunfo capitalista... Vamos dar uma festa! Mas por favor, não convidem pobres, afinal eles não passam de "ervas daninhas que teimosamente insistem em nascer no nosso jardim". Bom, acho melhor ir direto ao ponto: É fato que existem falhas na compreensão da psicodinâmica da culpa e da agressividade na formação da personalidade humana por parte dos utópicos socialistas, mas estes erros já estavam presentes e embutidos anteriormente nos projetos da maioria dos utópicos modernistas (embora o socialismo realmente tenha colocado isto em clara evidência). Porém, o que não está claro (como insistiu veemente Becker) é que o "hedonismo não é heroísmo". Neste sentido, a ética e a religião consumista são muito inferiores ao marxismo e infinitamente mais superficial e ingênua do que as mensagens do Cristianismo. Ambas estas duas últimas concepções, assumem a tarefa de mergulhar nas contradições mais profundas da vida e cultivar alguma espécie de esperança na apoteose heróica e transcendente do homem. Sendo que mais uma vez o Cristianismo tem que ser destacado, pois ele reconhece que os grandes personagens do drama humano não poderiam experimentar muitas sensações além do sofrimento característicos da espécie. Para concluir, é preciso então enfatizar de uma vez por todas (para aqueles que ainda acreditam em papai noel) que "a liberdade do homem moderno na cultura neoliberal do mundo globalizado está aprisionada pelo ritmo escravizante e aniquilador das leis selvagens da economia de mercado". There is no alternative!!
Ricardo disse…
Anônimo das 10:54,

De onde diabos você tirou a ideia de que eu sou comunista?! Somente porque discordo com alguns pontos do que o Pondé diz? E olhe que eu nem precisei me filiar ao PT, como você fez, pois desde cedo descobri a empulhação que é o comunismo.
Não tente colocar palavras na minha boca, ou melhor, letras na minha escrita.
Entendes o que estou a vos dizer?!
Anônimo disse…
Tem gente que não aguenta ouvir umas boas verdades...
Anônimo disse…
O inferno é cheio de boas intenções. Ideologias são responsáveis por muitas desgraças. Eu sendo pobre estudei na PUC nos anos 80 com essa gente tão boa, que queria fazer a revolução para melhorar a vida do proletariado... No entanto nem sequer carteira de trabalho conheciam e sofri muito desdém por ser pobre. Pondé vc não é o único. A diferença está em eu ser de origem européia. O paulista deveria tomar vergonha na cara, por o cérebro pra funcionar e entender que São Paulo é o que é devido ao trabalho miseravelmente remunerado do nordestino, que é humilhado na humildade. Em outros países a coisa é diferente, vem gente não pra trabalhar, mas para viver as custas de auxílio social e viver uma vida de animal reprodutor como é o caso de muitos (não todos) muçulmanos na Europa. Humildade é algo desconhecido pra eles e quando algo não os agrada a violência explode. Quero frizar que esse é o problema deles na Europa. No Brasil o árabe e muçulmanos são gente trabalhadora, honesta, que se destaca na economia,no meio intelectual,etc.

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