Título original: Abel
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Que o leitor apressado não pense que estou numa crise de autoestima. Que o leitor crente nessas formas de espiritualidade mesquinha não aplique psicologia barata ao que digo, tentando justificar tudo que lê com alguma hipótese acerca do cotidiano de quem escreve. Você não me conhece. Mas seguramente conhece a miséria que vos falo: quem ama alguém mais do que a si mesmo?
Não vale jogar na cara dos outros amores maternos e paternos ou filiais. Na era do "direito à felicidade do indivíduo", até a ciência já está provando que ter filhos é um mau negócio.
Pais e mães são mais estressados do que adultos sem filhos. E é a mesma ciência que agora "descobre" a miséria dos pais, que a cria, em grande parte, com suas demandas "cientificas" de aperfeiçoamento da função parental. Ninguém mais sabe ser pai e mãe sem a palavra de uma especialista. Como sempre digo, a mania de criar um "homem" melhor vai nos destruir a todos.
Entendo Caim em seu ódio por Abel. Ao contrário das bobagens que afirma Saramago em seu livro "Caim" -críticas típicas de quem nada entende acerca da tradição bíblica porque permaneceu infantil espiritualmente-, Caim não suportou o fato de que Abel era melhor do que ele e por isso o matou. Existe algum Abel aí ao seu lado?
Uso da palavra 'energia' expressa delírios religiosos.
maio de 2010
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Caro leitor, sou um pobre de espírito. Não daquele tipo que herdará o reino dos céus, como afirma Jesus no "Sermão da Montanha". Não há lugar pra gente como eu no reino dos céus. Por uma razão simples: não amo ninguém mais do que a mim mesmo. E isso é mortal. Sempre foi. Os mentirosos é que tentam dizer o contrário. Não partilho da nova "ciência do egoísmo", essa que se traduz em livros e revistas que buscam "novas formas de espiritualidade" centrada no amor próprio. Ou nessa coisa horrorosa chamada "autoestima".
Tampouco fiz de mim um budista light, desse tipo que parasita as religiões orientais com a intenção de inventar uma espiritualidade que sirva ao clássico egoísmo moderno, numa salada mista de energias hindus com Jung barato. Antes de tudo, recuso o budismo light por um mero senso do ridículo que habita essas formas mesquinhas de espiritualidade.
Com isso quero dizer que não trocaria o reino dos céus por alguma forma quântica de paraíso egoísta, ao sabor da espiritualidade de livrarias de aeroporto do tipo "O Efeito Sombra", cujo subtítulo é "Encontre o Poder Escondido na sua Verdade", dos "guias espirituais" Deepak Chopra, Debbie Ford e Marianne Williamson, perfeito para almas superficiais amantes de toda forma de espiritualidade mesquinha.
O que é uma espiritualidade mesquinha? Fácil responder essa. Espiritualidade mesquinha é, antes de tudo, uma forma de crença que deforma a face do crente, iluminando seus caninos ocultos. Aquela que sempre medita com o objetivo de nos tornar mais poderosos e bem-sucedidos. Essa praga espiritual está em toda parte porque, simplesmente, não conseguimos entender que, para salvarmos nossa vida, temos que perdê-la. Jesus tinha razão.
O principal obstáculo para se libertar do mal é o "eu". Essa peste que contamina todo ato humano. Como vampiros de Deus, queremos fazer até da "sombra" (do mal em nós) um serviçal de nosso sucesso.
Sou um pobre de espírito. Passo horas temendo o abandono, o desprezo e a indiferença. Comparando meus pequenos sucessos com os mais infelizes do que eu. Ainda bem que eles existem. Rezo para que o mundo me ame. Em meus pesadelos sempre sou o último dos amados do mundo. Quando encontro alguém melhor do que eu, perco o sono, quero destruí-lo. Sua respiração me sufoca. Sua generosidade me humilha. Seu sorriso é uma prova de que fracassei em amar o mundo.
Tampouco fiz de mim um budista light, desse tipo que parasita as religiões orientais com a intenção de inventar uma espiritualidade que sirva ao clássico egoísmo moderno, numa salada mista de energias hindus com Jung barato. Antes de tudo, recuso o budismo light por um mero senso do ridículo que habita essas formas mesquinhas de espiritualidade.
Com isso quero dizer que não trocaria o reino dos céus por alguma forma quântica de paraíso egoísta, ao sabor da espiritualidade de livrarias de aeroporto do tipo "O Efeito Sombra", cujo subtítulo é "Encontre o Poder Escondido na sua Verdade", dos "guias espirituais" Deepak Chopra, Debbie Ford e Marianne Williamson, perfeito para almas superficiais amantes de toda forma de espiritualidade mesquinha.
O que é uma espiritualidade mesquinha? Fácil responder essa. Espiritualidade mesquinha é, antes de tudo, uma forma de crença que deforma a face do crente, iluminando seus caninos ocultos. Aquela que sempre medita com o objetivo de nos tornar mais poderosos e bem-sucedidos. Essa praga espiritual está em toda parte porque, simplesmente, não conseguimos entender que, para salvarmos nossa vida, temos que perdê-la. Jesus tinha razão.
O principal obstáculo para se libertar do mal é o "eu". Essa peste que contamina todo ato humano. Como vampiros de Deus, queremos fazer até da "sombra" (do mal em nós) um serviçal de nosso sucesso.
Sou um pobre de espírito. Passo horas temendo o abandono, o desprezo e a indiferença. Comparando meus pequenos sucessos com os mais infelizes do que eu. Ainda bem que eles existem. Rezo para que o mundo me ame. Em meus pesadelos sempre sou o último dos amados do mundo. Quando encontro alguém melhor do que eu, perco o sono, quero destruí-lo. Sua respiração me sufoca. Sua generosidade me humilha. Seu sorriso é uma prova de que fracassei em amar o mundo.
Que o leitor apressado não pense que estou numa crise de autoestima. Que o leitor crente nessas formas de espiritualidade mesquinha não aplique psicologia barata ao que digo, tentando justificar tudo que lê com alguma hipótese acerca do cotidiano de quem escreve. Você não me conhece. Mas seguramente conhece a miséria que vos falo: quem ama alguém mais do que a si mesmo?
Não vale jogar na cara dos outros amores maternos e paternos ou filiais. Na era do "direito à felicidade do indivíduo", até a ciência já está provando que ter filhos é um mau negócio.
Pais e mães são mais estressados do que adultos sem filhos. E é a mesma ciência que agora "descobre" a miséria dos pais, que a cria, em grande parte, com suas demandas "cientificas" de aperfeiçoamento da função parental. Ninguém mais sabe ser pai e mãe sem a palavra de uma especialista. Como sempre digo, a mania de criar um "homem" melhor vai nos destruir a todos.
Como idiota digital que sou, busco rapidamente na internet alguma nova teoria científica ou política que prove que ninguém é melhor do que ninguém. Que nos reúna num ato de mediocridade comum. Alguma nova técnica de treinamento em recursos humanos que devolva a mim minha falsa glória. Meu objetivo é fazer inveja a Deus.
Entendo Caim em seu ódio por Abel. Ao contrário das bobagens que afirma Saramago em seu livro "Caim" -críticas típicas de quem nada entende acerca da tradição bíblica porque permaneceu infantil espiritualmente-, Caim não suportou o fato de que Abel era melhor do que ele e por isso o matou. Existe algum Abel aí ao seu lado?
Uso da palavra 'energia' expressa delírios religiosos.
maio de 2010
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
Comentários
esperava mais do textinho dele....
é possível incluir o artigo da folha ilustrada, de Luiz Felipe Pondé do dia 09/08/2010.
Ele é um excelente filósofo.
Desde já agradeço.
Realmente, concordo com a assumida pobreza de espírito dele,no sentido de limite e atraso espiritual...
Vóny Ferreira
Entrega-se ao criticar Saramago. Pura inveja do genial escritor anticatólico.
Aparentemente eles acham que isso é sinal de coragem, uma espécie resistência ao pensamento politicamente correto (que às vezes é bem irritamente mesmo, reconheço).
Na verdade, não estão fazendo mais do que vomitar o senso comum. Ninguém precisa ler um texto de jornal para saber que a vida é, na maior parte do tempo, uma droga ou que quem tem mais dinheiro pega mais mulher.
É triste que alguém com a formação acadêmica e vivência do Sr. Pondé use seu espaço em um jornal de grande circulação para imitar esses jornalistas e ficar a repetir obviedades mundanas. Será que ele acha algum leitor vai se sentir "provocado" ou "instigado" por seus textos?
Se liga Sr. Pondé, nós não somos seus alunos da PUC, não nos trate como tal!
Não é tão simples, nada é tão simples na vida. Se formos parar de fazer tudo o que gostamos "mais ou menos" (que é a maior parte das coisas) no final acabaremos sem coisa alguma para fazer.
Como eu disse nada é tão simples.
Infelizmente, o mundo não funciona assim.
Desculpe, mas não consegui resistir à brincadeira...
Percebeu o que eu quis dizer?Você leu meus (três!) comentários, e presumo que tenha lido todos os outros também, sendo que meu primeiro nem era dirigido à você.
Porém, mesmo assim você leu, não concordou comigo e exerceu seu direito de me criticar e julgar. E como critica e tem ideias para dizer! Ótimo! Todos nós temos ideias e fazemos julgamentos o tempo todo. Ou você acha que o que o Sr. Pondé faz toda segunda-feira de manhã não é julgamento? Com aquela mania irritante dele de dizer, veladamente, que o "caro leitor" é um ignorante e não percebe as verdades da vida, Que ele tenta, de maneira tão benévola, derramar sobre a cabeça do coitado. E depois eu que sou dono da verdade pronta...
E você ainda o chama de sábio! Ele é um acadêmico, filósofo, professor e escritor, com algumas ideias a dizer, mas daí a sábio tem um enorme caminho.
Por favor, menos.
Abraços.
FINALMENTE alguém entendeu que a função de um filósofo é provocar... Não entendendo isso, várias pessoas continuam lendo Pondé e Nietzsche ao pé da letra.Se um filósofo não tiver coragem de se expor às pedras ao dizer o que todos guardamos por absoluta covardia, quem o fará? Não interessa se Pondé está certo ou errado, o seu texto não foi feito com a intenção de doutrinar ninguém. Ele apenas testa nossa capacidade de argumentar, e, o que parece ser mais difícil: encarar certas verdades com serenidade, aceitando que somos apenas e tristemente humanos.
É fácil sair criticando e não fazer nada para mudar, Sr. Pondé. Ah, o senhor não quer mudar o mundo? Pois bem, ainda bem que vivemos todos numa sociedade nômade, deixando os mortos jogados na rua, morrendo de frio sem fogo, sem uma linguagem, sem livros (tão caros para o senhor), mudando de caverna em caverna para tentar achar comida. Ainda bem!
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