Pular para o conteúdo principal

Uso da palavra 'energia' expressa delírios religiosos

Título original: Os olhos do macaco

por Luiz Felipe Pondé para Folha

macacoVocê já olhou nos olhos de um chimpanzé? Da próxima que for a um zoológico, faça isso. Você  perceberá que ali existe uma alma presa como a sua. Seus olhos carregam um misto de espanto e tristeza que só humanos conhecem, que parece brotar de excesso de sensibilidade.
Sim, simpatizo com o darwinismo. Mas nem por isso sou ateu.

Tampouco tem razão o grande filósofo Daniel Dennett, cujos livros devoro e a quem admiro na sua luta para combater a velha covardia humana travestida de fé, quando supõe que qualquer relação entre darwinismo e tradição monoteísta ocidental implica medo do ateísmo.

Não tento "casar" o darwinismo com qualquer "prova" da existência de Deus. Provar a existência de Deus me dá sono, nem acho possível prová-la. Como não levo a razão tão a sério, não temo suas incoerências.

Pelo contrário, minha simpatia está sempre contra as certezas da razão. Penso, sim, que não há nenhuma grande coerência na vida, nem uma narrativa única. Uma vida dilacerada entre narrativas contrárias me parece sempre mais sólida.

O conforto da certeza me entedia. Sou da velha escola: o sofrimento é que molda o caráter.

O darwinismo me comove, assim como Shakespeare. Quando ouço Macbeth dizer "a vida é um conto narrado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada", eu penso na luta cega de nossos ancestrais cuja humanidade foi cozida em sangue. E isso me comove.

Converti-me ao darwinismo desde criança, ao ver aqueles desenhos nos quais imagens de hominídeos vão paulatinamente virando imagens de homens.
 
Mais tarde, quando não era não mais criança, convenci-me da verdade do darwinismo quando me vi diante das análises do comportamento humano produzidas pela psicologia evolucionista.

Não creio nas teorias que afirmam a construção social dos comportamentos, apesar de que algum grau de influência social em nosso comportamento obviamente existe.

Prefiro a ideia de comportamento comodestino, maldição. Mas minha relação com o darwinismo sempre foi mais estética do que um mero convencimento racional.

O que primeiro me cativou no darwinismo foi a descrição da origem do ser humano como uma saga contra um meio ambiente terrível e contra os horrores de nossa própria "alma" pré-humana.

A solidão dos nossos ancestrais combatendo os elementos externos e internos me parece uma ode à beleza humana, arrancada da indiferença das pedras.

A escuridão e a solidão do universo me encantam. Pensar que homens e mulheres são areia que um dia tomou consciência de si mesma e de sua solidão me parece um épico que canta nossa dignidade visceral.
 
A dignidade que só cabe aos desgraçados. Reconheço essa dignidade nos olhos do macaco: a dignidade da testemunha assombrada.

O horror de nosso passado, para mim, sempre foi motivo de orgulho. Sim, vejo o darwinismo como um drama cósmico do qual temos o privilégio de ser testemunhas assombradas. Sim, repito, a humanidadedos humanos foi cozida em sangue, uma pérola numa imensa massa cega de matéria.

Os ateus não deixam de ter razão quando apontam o pânico que muitas pessoas têm diante de descrições da vida como a darwinista. O filósofo Nietzsche (século 19) chama esse pânico de ressentimento. Daí nasceriam as bobagens platônicas e cristãs acerca de um outro mundo onde não haveria sofrimento.

Mas o ressentimento de gente como Platão ou cristãos não é nada se comparado ao ridículo de algumas crenças atuais,mas que respondem ao mesmo pânico.

delirioPor exemplo, pensemos na crença em "energias". Que os deuses me protejam de cair um dia no ridículo de "acreditar em energias". Odeio a palavra "energia". Energia isso, energia aquilo, hoje em dia qualquer um usa a palavra "energia" para seus delírios religiosos de consumo.

Digo sempre: quer uma religião? Procure uma de, no mínimo mil anos de existência, e preferivelmente que não tenha passado pela Califórnia ou pela física quântica.

Seu sofá está sobre um cano de água? Humm, más energias. Você tem um câncer? Precisa "limpar" as más energias. O tratamento energético não te curou? Ahhh, você não estava preparado, precisa abrir sua mente. Ovos têm energia, alfaces têm energia, o azul da parede tem energia. As energias vão resolver o conflito israelo-palestino. As energias vão parar teu envelhecimento.

‘Só gay e mentiroso não têm problema com mulher.’

Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Anônimo disse…
O Pondé tem a habilidade de transformar 95% de seus textos em leitura desnecessária, é só ler o último parágrafo que tá bom.
Anônimo disse…
Por favor,
É possível incluir o artigo desta segunda-feira dia 31/05/10, do excelente articulista Luiz Felipe Pondé.
Desde já agradeço.
Paulo Lopes disse…
Está em http://e-paulopes.blogspot.com/2010/05/apaixonado-nao-pensa-bem-o-amor.html (Apaixonado não pensa bem: o amor romântico é uma doença)
tauana braga disse…
seus textos me deixam nervosa e irritada... sinto muitop que seja tao...amargo!
Anônimo disse…
problema seu tauana
UM MARCO disse…
Antes de terminar de ler o parágrafo que começa com energia já gostava. Adorei te descobrir!!

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Vicente e Soraya falam do peso que é ter o nome Abdelmassih

Ateísmo faz parte há milênios de tradições asiáticas

Chico Buarque: 'Sou ateu, faz parte do meu tipo sanguíneo'

Cinco deuses filhos de virgens morreram e ressuscitam. E nenhum deles é Jesus

Santuário Nossa Senhora Aparecida fatura R$ 100 milhões por ano

Basílica atrai 10 milhões de fiéis anualmente O Santuário de Nossa Senhora de Aparecida é uma empresa da Igreja Católica – tem CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) – que fatura R$ 100 milhões por ano. Tudo começou em 1717, quando três pescadores acharam uma imagem de Nossa Senhora no rio Paraíba do Sul, formando-se no local uma vila que se tornou na cidade de Aparecida, a 168 km de São Paulo. Em 1984, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu à nova basílica de Aparecida o status de santuário, que hoje é uma empresa em franca expansão, beneficiando-se do embalo da economia e do fortalecimento do poder aquisitivo da população dos extratos B e C. O produto dessa empresa é o “acolhimento”, disse o padre Darci José Nicioli, reitor do santuário, ao repórter Carlos Prieto, do jornal Valor Econômico. Para acolher cerca de 10 milhões de fiéis por ano, a empresa está investindo R$ 60 milhões na construção da Cidade do Romeiro, que será constituída por trê...

Físico afirma que cientistas só podem pensar na existência de Deus como hipótese

Escritor ateu relata em livro viagem que fez com o papa Francisco, 'o louco de Deus'

Roger tenta anular 1ª união para se casar com Larissa Sacco

Médico é acusado de ter estuprado pacientes Roger Abdelmassih (foto), 66, médico que está preso sob a acusação de ter estuprado 56 pacientes, solicitou à Justiça autorização  para comparecer ao Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo de modo a apresentar pedido de anulação religiosa do seu primeiro casamento. Sônia, a sua segunda mulher, morreu de câncer em agosto de 2008. Antes dessa união de 40 anos, Abdelmassih já tinha sido casado no cartório e no religioso com mulher cujo nome ele nunca menciona. Esse casamento durou pouco. Agora, o médico quer anular o primeiro casamento  para que possa se casar na Igreja Católica com a sua noiva Larissa Maria Sacco (foto abaixo), procuradora afastada do Ministério Público Federal. Médico acusado de estupro vai se casar com procuradora de Justiça 28 de janeiro de 2010 Pelo Tribunal Eclesiástico, é possível anular um casamento, mas a tramitação do processo leva anos. A juíza Kenarik Boujikian Fel...

Padre acusa ateus de defenderem com 'beligerância' a teoria da evolução