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Tornar-se ateu exige reflexão, afirma jornalista ex-evangélico



por Marcelo Jucá
para Livraria Folha

"Ímpio", do jornalista (e ateu) Fábio Marton (foto) é a história de uma vida religiosa, de sua peregrinação pelo evangelho e a libertação final (no caso, expulsou outros tipos de "incômodos").

Marton conta
 como foi o caminho

 para o ceticismo
Acostumado a grandes reportagens, o autor narra de forma envolvente e bem-humorada seus traumas e ousadias, das questões familiares até o pensamento cético que, de certa forma o tranquilizou, ao mesmo tempo que gerou maus olhados por parte de outros. "A última notícia é que um tio meu por lado de mãe, a parte católica da família, estava lendo, não me disseram o que achou", revela.

Narrado em primeira pessoa, a obra ainda traz curiosos "recortes" em páginas negras, que remetem pensamentos antigos e constatações cientificas sobre a evolução do homem.

Para o autor, não existe ateu que não tenha buscado conhecimento no campo da ciência ou filosofia. "Existem muitos religiosos afastados ou não-praticantes, mas tornar-se ateu exige reflexão. Os ateus não são todos eloquentes para explicar o que pensam, mas todos tiveram de pensar para chegar lá", destaca.

Em entrevista à Livraria da Folha, Marton fala a razão de ter escrito o livro, de que se incomoda com o fanatismo religioso (o termo "ímpio" se refere justamente a isso, a não se dignar --e mesmo desprezar-- fanatismos religiosos), e ainda analisa o papel da religião na família e na formação de cada indivíduo.

Como surgiu a ideia de escrever o livro? Era algo que o incomodava e precisava compartilhar com o mundo, foi uma oportunidade, ou uma grande reportagem que, por acaso, tem você como personagem principal?

Foi mais eu perceber que tinha uma história para contar, não um trabalho "missionário" como ateu. Eu nunca tentei esconder de ninguém que sou ateu, mas não fazia o tipo militante. Entre jornalistas, aconteceu uma vez de ficarem mais ofendidos por eu não acreditar em horóscopo que por não acreditar em Deus. Eu me dou por satisfeito quando as pessoas seguem ramos mais tolerantes de sua religião, não sinto a necessidade de desconvertê-las. Enfrentar o fanatismo me parece mais urgente e mais realista que enfrentar a religião em si. Mas, a quem me perguntar, eu explico porque acho a religião uma imensa baboseira. E vou reagir quando ouvir uma baboseira maior ainda, como a que quem não tem fé é imoral, ou que criacionismo deva ser ensinado em aulas de biologia.

Seu histórico familiar tem enorme influência na sua formação até o momento em que se assume ateu. Com certeza, a afirmativa trouxe espanto. Alguém da sua família leu o livro?

Eu não disse nada a eles sobre o lançamento do livro, mas havia dito que estava escrevendo. Acabaram descobrindo mesmo assim. A última notícia é que um tio meu por lado de mãe, a parte católica da família, estava lendo, não me disseram o que achou. Um blog evangélico citou meu livro, e tive a impressão que um parente meu apareceu por lá para comentar. Disse que sou ingrato e fracassado, e gastei todo meu dinheiro com bebida e prostituição. Mentira. Eu nunca paguei por prostituição.

O estilo de sua escrita, trazendo referências pops e nerds, pode também despertar o interesse, o debate sobre a religião e sociedade, para um público mais alienado?

Fábio Marton - Não gosto muito dessa palavra, "alienado". Costuma ser sinônimo de quem não concorda com aquele professor ultra-radical do cursinho, o que dizia que a Guerra do Paraguai foi causada pela Inglaterra. Como falei, eu tinha uma história para contar, a história de um adolescente que vivia nesse mundo de referências pop dos anos 80, mesmo sendo crente. Foi uma coisa que surgiu naturalmente, e espero que esse contraste meio bizarro, que existia de verdade em mim, tenha tornado a leitura mais divertida.

Aliás, entre o "público alienado", muitos erguem a bandeira de "ateu", sem saber exatamente o que isso quer dizer, pois nunca se interessaram em ler ou discutir sobre as diferentes religiões com colegas. O que acha dessa constatação?

Não acho que exista ateu sem educação, não só científica, como também um tanto de filosofia. As crianças costumam ser místicas, enxergando fantasmas e propósitos em todo lugar - você deixa isso para trás quando aprende explicações melhores. Ou você entende as contradições entre as afirmações da fé e do conhecimento, ou é apenas um religioso em férias. Existem muitos religiosos afastados ou não-praticantes, mas tornar-se ateu exige reflexão. Os ateus não são todos eloquentes para explicar o que pensam, mas todos tiveram de pensar para chegar lá.

O papel da família mudou nesse sentido? Ela influencia ainda hoje os jovens? Entende que está também relacionado às diferenças das classes sociais e localizações geográficas brasileiras?

Li várias matérias dizendo que é comum as pessoas ficarem em casa até muito tarde na vida hoje em dia, às vezes até os 40 anos. Eu saí de casa cedo, e isso foi importante para mim. Sinto que só comecei a ser quem eu sou hoje nesse momento. De certa forma, é fácil imaginar alguém que dependa dos pais ocultando seu ateísmo, ou mesmo evitando falhar na religião para não ofendê-los, ainda que eu mesmo tenha assumido meu ateísmo antes de sair de casa. A saída da religião não depende da família (exceto, é claro, se a família é quem for não religiosa) mas do que você aprende no mundo exterior. Nisso de classes sociais e regiões, pode ser que abandonar a fé seja mais difícil para quem não tem computador em casa para acessar discussões de ateus ou informações sobre evolução, geologia e filosofia - mas eu também não tive, e nem dinheiro para comprar livros, usava a biblioteca pública e da escola. Talvez a pressão religiosa seja maior em outras regiões do país ou outras classes sociais (minha família transitava entre a B e C e vivia no Sul e Sudeste), mas não vivi isso para dizer até que ponto, e estaria pensando em estereótipos se fosse especular sobre isso.

A ideia das páginas negras é interessante. O que o motivou a destacar as curiosidades ali vistas? Os dados apresentados passaram pelas suas mãos em diferentes épocas de sua vida, ou são leituras mais atuais e que quis apresentar ao público sem "atrapalhar" o texto principal?

Algumas coisas que aparecem lá são dúvidas que me ocorreram ainda adolescente, de forma incipiente, que eu reconto com o que conheço hoje. Por exemplo, eu percebi a contradição entre o Pentecostes bíblico e as línguas estranhas, mas não conhecia o trabalho de linguistas na área. Outras são raciocínios completamente novos - eu não havia sido apresentado a São Tomás de Aquino, Pascal ou Leibniz naquela época, meus parentes e os pastores não eram tão sofisticados. A razão de separar essas discussões do resto do livro é que ele não é um tratado de argumentos contra religião, como Deus, um Delírio - alias, um tratado excepcional, que eu não havia lido ainda ao escrever o livro. Ímpio é uma narrativa em primeira pessoa. Não dá para comparar meu livro com o de Richard Dawkins, mas talvez dê para comparar com os de Dan Barker, ex-pastor que se tornou ateu em 1984.

Sendo ateu, você encara a vida, e a morte, de uma forma diferente?

Certamente. Se a vida é sua única chance, você precisa fazer o melhor possível dela. E isso causa, sim, ansiedade, de não estar indo tão bem assim - mas aprendi um truque com meu avô pastor, que cito no epílogo do livro. Já a morte deve ser mais tranquila para mim que para o cristão, porque não acredito que serei julgado. Será simplesmente como aquela tarde de 31 de maio de 1399. Como foi a sua? Você sofria por não existir? Pois a tarde de 31 de maio de 2199 será igual.



Jornalista conta como deixou de ser crente


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