Pular para o conteúdo principal

O que vale na vida é a beleza que a ela somos capazes de dar

Título original: Beleza espanhola

por Luiz Felipe Pondé para a Folha

A Copa do Mundo acabou. Mas fiquei feliz com esta por uma razão especial: o bem venceu, o futebol da Espanha. E não o horroroso futebol de "resultados".

É claro que torço pelo Brasil. Não sofro dessa afetação de se "europeizar" na Copa, reeditando o velho preconceito de vira-lata do qual nós brasileiros sofremos.

Sempre que o Brasil é eliminado, me movo por parentesco cultural. Sim, tenho "sangue francês", o que sempre dá a França um lugar em meu coração de cangaceiro.

Aliás, concordo com a grande sacada de humor do colega Juca Kfouri: acho que naquele intervalo do primeiro para o segundo tempo do jogo com a Holanda, nosso treinador mandou o time parar de jogar bem e voltar ao futebol covarde e horroroso.

Depois da nossa amarelada diante da laranja, passei a torcer por meus "irmãos culturais". Torci pela Argentina do passional Maradona contra a Alemanha e sofri de verdade com os 4 X 0 que ela tomou. Torci pelo corajoso Uruguai contra Gana, contra a Holanda e contra a Alemanha.

Eliminados los hermanos, fiz da Espanha meu time. Por duas razões.

Sempre que viajo por aí, quando chego a Portugal ou a Espanha, começo a me sentir em casa. A língua, o barulho, a bagunça, a comida, as maravilhosas mulheres espanholas, enfim, a paixão dos ibéricos me lembra o Brasil, minha casa.

Gosto dos nossos ancestrais. Sim, sim, sei que ingleses são mais "chiques"" para quem se sente vira-lata.

Mas não para mim. Talvez esteja ficando velho, mas cada vez mais gosto do que é "meu". E o que é mais importante na vida, muitas vezes o é justamente porque não escolhemos.

Torci apaixonadamente pela Espanha contra a Alemanha e contra a Holanda.

Se uma das razões de ter feito da Espanha meu time entre europeus foi o parentesco cultural que sinto por ela, a outra razão foi mais filosófica. Como disse na abertura desta coluna, na Copa da África do Sul, venceu o bem contra o mal, e o bem era a arte da Espanha.

Seu futebol corajoso, ofensivo, generoso, bailado (ainda que com poucos gols) bateu a lógica científica das últimas Copas do Mundo.

Eu que acompanho Copas do Mundo desde 1966, vi (como todo mundo) a Copa virar um desfile da covardia matemática dos "idiotas da objetividade", como dizia o grande Nelson Rodrigues, e como citou recentemente o craque camisa nove da seleção tricampeã de 1970, e colunista desta Folha, Tostão, o filósofo discreto.

O mal no futebol, além das mazelas capitalistas que o afetam (mas que tem um lado bom que é reconhecer o esforço profissional dessa moçada que a ele se dedica), é esse joguinho sem vergonha de ficar o tempo todo na retranca, com medo de perder, mergulhado nesta ética da covardia estatística que toma conta do mundo dia a dia.

O mesmo tipo de covardia de que eu falava na semana passada nesta coluna (12/07) e que deixa a vida chata, deixou o futebol chato.

Enganam-se aqueles que acham esse assunto "menor": a busca da saúde total é um mal sim político, pois é parente da pureza tirânica fascista e não mera modinha.

Como o futebol chato que busca apenas "resultados", a saúde total busca uma vida pautada pelos "resultados fisiológicos" e não pelos prazeres do mundo.

Esta Folha acertou em cheio ao dizer que "o futebol agradece" com a vitória espanhola nesta Copa. Isso deve ser repetido à exaustão na mídia, nas escolas, na publicidade, na novela das oito, porque a beleza na vida nunca é irmã gêmea do medo, mas sim irmã gêmea da coragem. E o medo deixa tudo feio.

E aqui, como todo mundo sabe, o esporte traz à luz seu profundo caráter de mimetizar, como que num pequeno laboratório, grande parte da vida.

O que vale na vida não é o resultado (ainda que seja necessário ter coragem para viver assim, porque a vida foi, é e sempre será uma guerra de morte), mas a beleza que a ela somos capazes de dar, como já dizia Platão no seu diálogo "O Banquete": o destino de Eros (amor) é engendrar a beleza no mundo.

O time espanhol mostrou, de forma elegante, que a beleza ainda vale a pena e que os covardes e feios podem não ser o herdeiros da Terra.

dezembro de 2010

Comentários

Post mais lidos nos últimos 7 dias

90 trechos da Bíblia que são exemplos de ódio e atrocidade

Morre o americano Daniel C. Dennett, filósofo e referência contemporânea do ateísmo

Veja 14 proibições das Testemunhas de Jeová a seus seguidores

Entre os 10 autores mais influentes de posts da extrema-direita, 8 são evangélicos

Ignorância, fé religiosa e "ciência" cristã se voltam contra o conhecimento

Vídeo mostra adolescente 'endemoninhado' no chão. É um culto em escola pública de Caxias

Malafaia divulga mensagem homofóbica em outdoors do Rio

Oriente Médio não precisa de mais Deus. Precisa de mais ateus

Cartunista Laerte anuncia que agora não é homem nem mulher

Ateu, Chico Anysio teve de enfrentar a ira de crentes