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Ateofobia ainda é aceita com naturalidade pela sociedade


Ateus e agnósticos são
 hostilizados com frequência

por Francisco Fernandes Ladeira 

Em 12 de fevereiro é comemorado o Dia do Orgulho Ateu. A escolha da data é uma referência ao nascimento do naturalista britânico Charles Darwin, autor da famosa Teoria da Evolução, linha de pensamento científico que, ao explicar a evolução das espécies através da seleção natural, retira a necessidade de se remeter a alguma entidade metafísica para explicar a origem da vida em nosso planeta.

Ao lerem o título deste artigo ["O Direito de não ter religião"], muitas pessoas provavelmente vão se perguntar: mas por que um dia destinado ao orgulho ateu? Entre todas as minorias, os ateus (e por consequência também os agnósticos) talvez sejam aqueles que têm menor visibilidade e sejam mais facilmente atacados.

Felizmente, cada vez mais nossa sociedade se mostra intransigente com práticas racistas, xenófobas, misóginas ou homofóbicas. Entretanto, a ateofobia ainda é vista com naturalidade e, muitas vezes, estimulada. Não é raro uma pessoa ser segregada nos ambientes familiar, de estudo ou trabalho pelo simples fato de não possuir uma crença religiosa.

Hostilizar ateus e agnósticos por causa de suas convicções existenciais é uma prática bastante tolerada e, em contrapartida, não há qualquer mecanismo judicial que ao menos intimide esse tipo de preconceito tão corriqueiro. O que torna essa questão mais controversa é o fato de muitos religiosos acreditarem que, ao se voltar contra ateus e agnósticos, estariam supostamente agindo de acordo com os preceitos de sua crença.

Uma pesquisa divulgada pela revista Veja sobre a resistência eleitoral do brasileiro em relação ao cargo de presidente da República, demonstrou que 84% aceitariam votar num negro; 57%, numa mulher; 32%, num homossexual e somente 13% elegeriam um ateu. Ou seja, mais do que um “suicídio político”, ateísmo ainda é tido como sinônimo de mau caráter, desonestidade ou ausência de qualquer tipo de comportamento ético. Por outro lado, é hipocrisia alguém praticar uma boa ação não como algo espontâneo, mas por medo de uma punição extramundana ou para receber alguma benção divina.


Nos últimos anos, temos presenciado exemplos de práticas ateofóbicas também na mídia brasileira. No Jornal do SBT, a âncora ultraconservadora Rachel Sheherazade associou as virtudes humanas exclusivamente ao cristianismo e asseverou que ateus mantêm posturas intolerantes contra quem pensa diferente. Ora, ao longo da História, indivíduos ateístas não foram responsáveis pela Santa Inquisição, pelo aculturamento de indígenas, por perseguição a homossexuais ou apedrejamento de mulheres adúlteras.

Já o caso mais emblemático de ateofobia em nossa televisão foi protagonizado por José Luiz Datena, apresentador do programa sensacionalista Brasil Urgente, exibido pela Rede Bandeirantes. Em uma enquete sobre a crença ou não em Deus, Datena despejou todo o seu ódio aos ateus. Para o apresentador, quem não crê em alguma divindade não respeita limites e pode ser responsável por vários tipos de crimes hediondos como estupros, homicídios e violência contra criança. “Tem gente que não acredita em Deus, por isso o mundo está essa porcaria: guerra, peste, fome e tudo mais”, asseverou Datena.

Entretanto, um trabalho coordenado pelo sociólogo Clemir Fernandes realizado no ano passado constatou que a maioria esmagadora dos presidiários é cristã. Portanto, a realidade refuta cabalmente as ideias preconceituosas de José Luiz Datena. Ademais, dois anos e meios após as polêmicas declarações do apresentador do Brasil Urgente, em uma oportuna decisão do juizPaulo Cezar Neves Junior, a Rede Bandeirantes foi condenada pela Justiça Federal de São Paulo por desrespeito à liberdade de crenças no Brasil.

Evidentemente, religião não define a conduta de um indivíduo. José Saramago, Karl Marx, Friedrich Nietzsche, Charles Chaplin, Carl Sagan, Jean-Paul Sartre e Herbert de Souza foram excelentes profissionais em suas respectivas áreas. Em contrapartida, Adolf Hitler, Mussolini e Jim Jones, cristãos fervorosos, foram responsáveis pelas mortes de milhões de seres humanos.

Outra questão importante que o Dia do Orgulho Ateu suscita é a necessidade de se respeitar a laicidade estatal. Desde a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, o Brasil é um Estado laico. Em outros termos, é uma nação oficialmente neutra em relação às questões religiosas, não apoiando e tampouco se opondo a nenhuma religião. Todavia, a presença de crucifixos em repartições públicas, a adoção da disciplina Ensino Religioso nas instituições escolares e, sobretudo, a grande influência dos parlamentares evangélicos e católicos nas principais decisões governamentais são alguns exemplos de que a laicidade no Brasil ainda é um ideal longe de ser alcançado.

Não obstante, emissoras de televisão, que são concessões públicas, têm sido utilizadas sistematicamente para promover determinados pastores evangélicos e suas igrejas. De acordo com uma reportagem publicada no site BBC Brasil, as igrejas evangélicas “adquirem cerca de 130 horas semanais nas grades de algumas das principais emissoras de TV abertas do país”.

Ironicamente, um teste feito pelo Pew Forum on Religion and Public Life nos EUA concluiu que os ateus e agnósticos estadunidenses sabem mais sobre religião do que os próprios religiosos no país. Em suma, a relevância do Dia do Orgulho Ateu não consiste em fazer apologia à “conversão” de pessoas ao ceticismo. Não se trata de qualquer tipo de doutrinação ideológica. Pleiteia-se apenas que o direito de ter ou não uma crença religiosa seja devidamente respeitado.

Este texto do mestrando em geografia Francisco Fernandes Ladeira foi publicado originalmente no site Observatório da Imprensa, com o título "O Direito de não ter religião".





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