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Ateus brasileiros reclamam da rejeição social que ainda sofrem


por Aparecida Andrade e Daiana Petrof
para Diário da Manhã

O projetista mecânico Vanderlan Moreno Matos, 27 anos, é ateu, nome dado a quem não crê na existência de Deus, mas nem sempre foi assim. “Cresci com as crenças impostas pelo meu ambiente de convívio e principalmente pelos meus familiares. Em determinado momento, com o amadurecimento, passei a refletir sobre a questão e fazer questionamentos, como as respostas não foram satisfatórias, passei a buscar outras teorias ou crenças até chegar ao posicionamento que tenho hoje”, justifica.

Descrentes devem
representar apenas
3% da população
Ser ateu, no Brasil, ainda representa um número muito pequeno da população.

De acordo com Flávio Munhoz Sofiati, doutor em Sociologia da Religião pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), mais de 90% dos brasileiros possuem crenças.

“Se formos considerar o censo de 2010, nós temos 92% da população que declararam fazer parte de uma instituição religiosa. Apenas 8% se declaram sem religião, dos quais 5% tem fé e os outros 3% são ateus e agnósticos. A maioria desses sem religião acredita em Deus. Desta forma, os ateus, num contexto geral, são em torno de 3% da população, sendo generoso”, analisa Sofiati.

Vanderlan representa essa pequena porcentagem com ausência de crença em um ser ou entidade superior.

O jovem explica que, até hoje, não encontrou provas da existência de Deus e nem provas de que ele não exista: “Minha posição vem de uma conclusão pessoal. E não acho errado alguém concluir o contrário”, diz.

Nas palavras da coordenadora do programa de pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Irene Dias de Oliveira, o ateísmo em nossos dias apresenta-se de maneira complexa e ao mesmo tempo ambígua.

Ela entende que o ateísmo contemporâneo reflete mais que uma negação de Deus, uma insatisfação da pessoa pelo Deus que lhe foi pregado ou apresentado.

Neste sentido, ela assegura que o ateísmo encontraria sua justificativa mais em problemas sociais, culturais e históricos do que numa contestação consciente e profunda de Deus. “O ateísmo contemporâneo poderia sugerir também a insatisfação ou a impotência de algumas pessoas em não encontrar respostas ‘adequadas’ e cientificamente satisfatórias a uma pergunta sobre a existência de Deus, o mal e o sofrimento dos inocentes”, informa a especialista.

Mas, afinal, existe algum objetivo para o ateu? Sofiati pondera que existe um ativismo do grupo que faz uma crítica a não crença, às instituições e a depositar esperança em um ser transcendente. “Eles defendem que depositar a fé em um ser divino dificulta as tomadas de posições na realidade a qual, esse sujeito, está inserido”, explica.

Para a doutora em Ciências da Religião Irene Dias um dos fatores que tem levado os indivíduos ao ateísmo está relacionado a uma sociedade em que se reduz tudo ao “conhecimento científico” no sentido de histórico, controlável, quantificável e positivo. Ela constata que o conhecimento especulativo, filosófico e teológico passaram para um segundo plano, empobrecendo e mutilando o conhecimento em sua globalidade e naquilo que é mais importante: dar sentido, esperança e respostas plausíveis às pessoas e às questões existenciais mais profundas postas pelas sociedades e culturas.

“Envolvidos numa cultura cada vez mais materialista e consumista, fica cada vez mais difícil fazer a experiência de Deus. E sem uma teologia e filosofia consistentes, fica sempre mais difícil pensar Deus e expressá-lo em sua total presença e alteridade”, define.

A rejeição social existe como em todo grupo minoritário, diz o projetista mecânico Vanderlan Moreno. “Busco respostas, não quero simplesmente aceitar o que é imposto e correr o risco de viver uma vida em função de uma falsa crença. Não tenho intenção de influenciar alguém a ser ateu, não tenho nenhum preconceito com quem não é. Simplesmente, tenho essa opinião e a exponho quando solicitado”, reafirma.

Irene Dias acredita que todo tipo de preconceito e/ou discriminação é injustificado. “Não podemos, jamais, permitir que as diferenças, as crenças e as opções religiosas ou não, das pessoas, sejam motivos para atitudes preconceituosas e violentas (simbólicas ou não). Antes de qualquer coisa, o que está em jogo é a pessoa humana com seus valores, sua dignidade e com seus direitos inalienáveis”.

Ela pontua que as pessoas devem entender que as diferenças nos enriquecem e o reconhecimento e o acolhimento das diferenças são vitais e necessárias, se quisermos construir uma sociedade pacífica e harmoniosa. “Não há mais espaço para pessoas que usurpam o lugar de Deus e em nome dele lançam condenações àquelas que pensam diversamente e incitam as pessoas ao ódio, à violência e à discórdia”.

De acordo com o especialista em Sociologia da Religião Flávio Munhoz Sofiati, tem ocorrido um fenômeno mundial, especificamente no caso brasileiro, de pessoas que se denominam sem religião. “São pessoas que dizem ter fé, mas não tem ligação com nenhuma instituição religiosa ou quando têm são ligações muito frouxas ou provisórias”, diz.

Munhoz constata que existem dois fatores no campo das Ciências Sociais que procuram explicar o porquê desse afastamento. O primeiro, diz ele, é a perda da credibilidade das religiões tradicionais. No caso brasileiro, o declínio do catolicismo. “O segundo ponto: com o fim das religiões tradicionais, você tem um processo de individualização das crenças. Esses dois fatores possibilitam uma maior autonomia dos indivíduos em suas práticas de fé”.

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