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Crente fanático é mais bem aceito que ateu, diz cética

por Elverson Cardozo
para Campo Grande News

Anna afirma que é difícil ser ateia no
 Brasil e em qualquer lugar do mundo
Eles são minoria, representam apenas uma pequena fatia da população de Mato Grosso do Sul, mas existem, pagam impostos e, portanto, podem dizer, sem medo, que não acreditam em Deus, na prova de sua existência, ou em qualquer outra divindade. Eles são ateus e agnósticos e, aqui no Estado, somam, de acordo com o IBGE, 9.252 mil.

Em um Estado majoritariamente católico, com 1,5 milhão de fiéis declarados ao Censo Demográfico de 2010, falar sem medo não é tarefa muito convidativa e fácil. Ainda mais nesta época em que Campo Grande descobre o debate sobre o Estado Laico, graças a força dos evangélicos na prefeitura.

Alguns não gostam de se expor, evitam o confronto, mas dizem ser atacados, mesmo que de forma velada, todos os dias. É mais fácil encontrar alguém questionando um ateu sobre como ele explica a criação do mundo, já que não acredita em Deus, do que alguém sabatinando um evangélico e perguntando, por exemplo, porque, e com base em que, ele cultua um ser superior, dito como onisciente, onipresente e onipotente.

Com constatações como essa e tanto desconhecimento e intolerância, alguns já chegaram a conclusão de que é mais fácil ser religioso fanático do que ateu ou agnóstico. “É sempre mais difícil ser minoria, não só na religião. É difícil ser evangélico na Índia. Acontece que ser ateu é difícil em qualquer lugar do mundo”.

A declaração é da publicitária Anna Paula Rocha da Rosa (foto), 23. Criada na Igreja Católica, ela começou, aos 12 anos, a questionar as coisas que julga ser contraditórias, “mas não devem ser questionadas e, sim, aceitas”.

Foi visitar outras denominações e, no final da “peregrinação”, chegou à conclusão de que todas são iguais. “Então eu decidi que não tinha religião e, quando tinha 15 anos, percebi que não acreditava em Deus, ou em uma força maior como algumas pessoas dizem”, conta.

Desde então, Anna se declara ateia e feliz. Diz que é aceita e respeitada pela família, amigos, “apesar de todos serem religiosos e, inclusive, de diferentes religiões”. Mas ela evita entrar em discussões, especialmente quando o assunto é esse. A justifica beira a polêmica: “Ao contrário do que os que creem em deus acreditam, que ele criou o mundo, eu acredito que o homem criou deus para conseguir lidar com as coisas que não conseguem explicar”.

O problema, ela pontua, é que as pessoas, a maioria, não sabem respeitar a escolha alheia. Acham mais fácil converter um ateu. Ela, ao contrário, se diz tolerante. “Não vou tentar fazer alguém deixar de acreditar em deus porque entendo que aquilo está fazendo a pessoa feliz, da mesma forma que não vou falar pra uma criança de 3 anos que Papai Noel não existe”.

Para Yura, Deus existe
para quem necessita 
O artista visual José Henrique Yura (foto), 24, pensa de maneira semelhante. Deus, para ele, “foi uma palavra criada para acalentar quem procura respostas intangíveis”. “A fé que possuo é no poder que temos interno e o poder do universo. Isso vai desde a ligações atômicas, dos elementos que constituem tudo, passando pelas células até o nosso pensamento, sem descartar a força do universo como um todo. Prefiro acreditar que deus existe para quem o necessita. Para mim não existe, mas para alguns existe”, filosofa.

Ele, que não se declara ateu nem agnóstico, mas se identifica mais com o agnosticismo (parte do princípio de que a existência de Deus é impossível de ser reconhecida ou provada), não crê no que chama de personificação divina. “O que a meu ver teria o mesmo significado de deus, para muitas pessoas é a conexão que há entre tudo, e isso não se manifesta, necessariamente, em uma instituição religiosa”, argumenta.

Zé, como é conhecido, também pensa que é mais difícil ser ateu/agnóstico do que carola, por exemplo. Ele cita o preconceito como base para a não aceitação de outras visões, que não a monoteísta, mas disse que isso foi construído ao longo de muitos anos, “principalmente pelo cristianismo ter ganhado tanta força no ocidente”. “É uma questão cultural. Acho que muitos evitam falar sobre porque, muitas vezes, não há uma procura de entendimento de quem não é ateu ou agnóstico e, sim, uma busca de converter a pessoa”.

“Mas, com certeza, é mais complicado até mesmo se expor porque podemos depender de um católico ou um evangélico radical um dia, e aí?! Acreditar em Deus (com letra maiúscula mesmo) é o que se espera. Sair dessa formatação gera consequência, tanto positivas quanto negativas”, pontua.

Por outro lado, prossegue, existe aquele mau hábito de dizer que gosto, religião e futebol não se discute”. Discute sim, defende, “desde que haja o interesse de entendimento. […] Esse entendimento não significa que um ou o outro terá que mudar o posicionamento. Acredito que esse seja o caminho para viver harmonicamente com as diferenças entre as pessoas”.

Gabriel Leal diz o
preconceito é velado
O problema é mesmo o preconceito que, no Brasil, é velado, observa o acadêmico de Letras Gabriel de Melo Lima Leal, outro agnóstico. “Apesar de termos um estado laico, somos a maior concentração de cristãos do mundo, o que denuncia que existe, no aspecto religioso, uma normalidade (o ser cristão) e uma anormalidade (o não sê-lo). Da mesma forma essa noção de normalidade se infiltra no senso comum, nos dizendo que quem não segue a moral cristã, é uma pessoa sem moral”, afirma.

Na interpretação dele, é justamente esse o principal motivo de discriminação contra os “sem-religião”. Muitos os enxergam como pessoas que não temem a Deus e, por isso, são capazes de quaisquer atrocidades sem que tenham peso na consciência.

Isso incomoda, e muito, mas o estudante defende que os que não seguem uma religião não-cristã são ainda mais discriminados. “O Ateísmo e Agnosticismo são estritamente ligados à materialidade do mundo, por isso não há qualquer espécie de agrupamento em torno dessas bandeiras: ser agnóstico ou ateu é justamente assumir que existem coisas do nosso dia-a-dia que são mais importantes na definição do caráter ou da bondade de alguém do que o fato de este alguém render culto a um deus ou não”.

Para Gabriel, as pessoas se discriminam umas as outras porque confundem dogmas com embasamento científico, religião com moralidade e ateísmo com imoralidade. O estranho, complementa, é que, normalmente, a discriminação parte de um religioso, não de um ateu ou agnóstico.

“Digo estranho porque, por exemplo, a bíblia prega, entre outras coisas, a compreensão e o não julgamento do próximo”, argumenta. Ele não costuma ver esse “ensinamento” nas ruas, mas, longe de ser evangélico ou católico, tenta aplicá-lo em casa. Gabriel é agnóstico, ma a esposa é cristã. Os dois se respeitam, vivem bem e em harmonia.

Para que não consegue ter um diálogo consistente, argumentativo e, por isso, recorre aos velhos questionamentos e charadas clichês, Gabriel adianta que, sim, acredita em forças além das explicáveis pela ciência, mas acha contraditório discriminar alguém que não crê nisso e prefere dar nome a “essas coisas”.

Aos críticos, José Henrique Yura, o artista visual, prefere dizer que é tão livre que pode mudar. “Se me perguntarem como surgiu a vida, indo pelo bom humor, posso dizer que não preciso responder a tudo com exatidão, mas posso procurar respondê-las sempre que possível e procurar sempre questionar os fatos e as verdades para que possamos mudar a realidade. […] Esses argumentos são tão clichês”, completa.

De tanto ouvir “piadinhas” sobre ateus que, na hora do apuro, chamam a Deus, Yura tem uma história pronta para rebater. “Já tive em apuros em um assalto, com uma faca na minha barriga, e não pensei em deus. Pensei em me manter calmo e tentar resolver a situação da melhor forma. Deu certo”, garante.

Anna Paula, a publicitária, tem relato parecido. “Já tive uma arma apontada para minha cabeça e não pensei em deus. Nem antes, nem durante, nem depois”. E se alguém lhe questionar sobre a existência de deus? “Eu respondo com a pergunta: como você explica a existência de deus?”, devolve.





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maio de 2011


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