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‘Abuso na infância deixa a vítima viva para a dor das memórias’

por Elisabeth Nonnenmacher, sobrevivente de abuso sexual na infância

Elisabeth NonnenmacherOs números de casos de pedofilia cometidos por funcionários das igrejas têm assustado as pessoas no mundo inteiro.

Muitos dos pedofílicos agravaram suas compulsões sexuais porque foram expostos a abusos ou se envolveram nessas práticas durante preparação para a carreira religiosa.

Ao desistirem dessa carreira, muitos desses ex-seminaristas e ex-padres constituíram famílias. E um vasto número deles passou a abusar de suas próprias crianças e de outras de seu círculo de confiança de parentes e amizades.

Meu pai foi um desses seminaristas.

Eu gostaria de mostrar às pessoas que o fim do celibato não acabaria com a pedofilia, uma vez que esse desvio de comportamento já tenha se instaurado.

O maior problema que obstrui a percepção das pessoas para o que ocorre nas igrejas e nos nossos lares é justamente o fato de a maldade e a crueldade se esconderem sob uma máscara de bondade e de amor.

INFÂNCIA ROUBADA - Minhas memórias mais remotas de ter sido abusada por meu pai vêm da época que eu ainda ia ao jardim de infância. Ele me fez prometer que guardaria os abusos em segredo como prova de meu amor por ele e para comprovar que podia confiar em mim.

Meu pai sabia que o que fazia era errado, pois me advertira que, se um dia eu contasse a alguém, ele seria preso. Contudo, ele assegurava que eu era o maior amor que ele já tivera e que Deus, por compreendê-lo, abençoava este amor.

Minha inocência e espontaneidade para a vida se transformaram em desconfiança. Meus conceitos de certo ou errado ficaram afetados por muitos anos, pois o conflito de querer amar meu pai ao mesmo tempo em que era abusada por ele me dava a sensação de que algo estava muito errado, o que me fazia duvidar do que era certo afinal.

Esta tortura de abusos durou por toda minha infância e também em minha adolescência, até que comecei a tentar me esquivar dele e a protestar contra suas investidas.

Tudo o que eu queria no começo era esquecer o que havia acontecido. Apesar disso, não me foi permitido esquecer, pois ele voltou a me assaltar sexualmente, inclusive já em idade adulta.



LEGADO DE ABUSOS - Penso que as pessoas devem ser esclarecidas sobre a extensão de tal tipo de abuso, para perceber como isso vai para muito além da própria violência sexual e como as consequências disso são ruins.

Fiquei isolada por muitos anos, sem ter a quem pedir ajuda. A vida da pessoa fica afetada no sentido mais intenso e mais extenso que qualquer tipo de violência pode causar, tanto na dimensão física, emocional e espiritual. E, ao contrário da morte, o abuso sexual na infância deixa a vítima viva para sofrer a dor das memórias, do abandono, da traição e do desamor.

PERDÃO - Ao chegar no fundo do poço, fui levada a acreditar que meu pai queria mudar. Recebi encarecidos pedidos de desculpas, acompanhado de muitas promessas de uma vida nova e pensei que ele tivesse reconhecido os danos que me causara.

Ele jurava que jamais abusaria de alguém, que eu podia acreditar nele a partir de então. Eu era a pessoa que mais queria acreditar quando ele dizia estar curado do pecado através do qual ele me atingira!
Não demorou muito para que eu ficasse sabendo que meu pai havia abusado também de outras pessoas bem antes de eu nascer.

Apesar de perdoá-lo e de tentar me reconciliar com ele para tentar buscar um relacionamento em que pudesse haver confiança, me decepcionei mais uma vez.

Ao perceber toda a farsa, comecei a enxergar que ele voltara a abusar sexualmente de crianças.

RENEGADA - Passei anos me debatendo em brigas com meu pai e ele tentando convencer as pessoas de que eu era louca, pois me submeti a longos tratamentos psicoterapêuticos, acompanhados de fortes medicamentos para me manter “sob controle”.

Todas as tentativas de fazer com que as pessoas acreditassem em mim foram inúteis. Minha rebeldia fez com que eu me tornasse uma renegada.

As pessoas da família que sabiam do abuso me hostilizavam e preferiam ignorar o problema, para evitar a confrontação com o meu pai.

PARTIDA - Devido a minha frustração, por não encontrar ajuda e sem ter mais esperanças de impedir os abusos de novas vítimas, deixei o Brasil, vindo para a Austrália.

Longe das influências de minha família, consegui me fortalecer. Apesar disso, minha inquietação permanecia a mesma, pois sabia que meu pai continuava a molestar crianças.

Depois de alguns anos neste país distante, me associei à ASCA (organização de sobreviventes de abusos na infância) e tive contato com outros sobreviventes de pedofilia. Nesse envolvimento,  adquiri conhecimento, apoio e reconhecimento. Encontrei novas formas de cura e ajudei a promover a consciência sobre esse crime.

Reconheci então que era meu dever alertar as pessoas para proteger novas vítimas de meu pai. Me dei conta de que eu não me perdoaria se, no fim de sua vida, eu percebesse que desperdicei a oportunidade de reivindicar meus direitos de levá-lo a enfrentar as consequências de seus atos.

ROMPENDO BARREIRAS - Resolvi quebrar o silêncio alertando pessoas em risco e as autoridades no Brasil. O que não foi fácil, porque familiares sabotaram minhas tentativas de interromper os abusos de meu pai.

Devido a essa sabotagem e o fato de não ter sido levada a sério pelas autoridades, fiz uma denúncia independente e pública, usando a tecnologia mais avançada de informação de massas da atualidade: a internet.

Em 2003, com meu último apelo, lancei o site “R-Evolução Anti Pedofílicos”.

A maior ironia de tudo isso era que os abusos que meu pai cometeu contra outras crianças se transformariam em sua autodestruição. Eu precisava apenas contar a verdade.

Mas, acima de tudo, meu alerta deu uma nova chance de vida a crianças que poderiam se tornar vítimas.

VITÓRIAS E RESISTÊNCIAS – O escândalo causado pelo lançamento da minha website fez com que as autoridades acolhessem minhas denúncias e, ao longo do processo, outras vítimas de meu pai  confirmaram os abusos.

As minhas denúncias provocaram grande impacto porque o meu pai contribuiu para repressão do povo brasileiro durante a ditadura militar e posteriormente atuou na política e em esferas governamentais administrativas, tendo posição de autoridade no Ministério Público. Além disso, a nossa família se estende a nomes de importância.

Isso incomodou pessoas em posição de poder e, por causa disso, houve fortes interesses de que as notícias sobre as denúncias, identificando a pessoa do réu e a nossa família não repercutissem nacionalmente e no exterior.

Apesar de conseguir uma prisão preventiva em 2004 e condenação de mais de 10 anos em 2006, a repentina e conveniente descoberta de uma brecha na Constituição fez com que o Supremo Tribunal de Justiça do Governo Lula introduzisse a PROGRESSÃO DE PENA para crimes hediondos, reduzindo o encarceramento desses criminosos para 1/6 do período de suas sentenças originais.

EXIGINDO REPAROS - Os encobrimentos dos casos de pedofilia de padres pelo cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, têm causados choques e protestos no mundo inteiro.

Entretanto, se olharmos para o nosso quintal, a coisa não muda tanto de figura! Podemos dar o mesmo enfoque de responsabilidade a negligências cometidas pelos representantes do legislativo brasileiro, o presidente Lula e todos que têm poder para propor melhorias à legislação de modo a combater a pedofilia.
Infelizmente, as autoridades brasileiras, assim como Joseph Ratzinger, têm permitido que pedofílicos sejam beneficiados, em detrimentos de suas vítimas.

A inércia dos legisladores em Brasília faz com que a nossa luta não encontre voz para proteger as crianças e nem respaldo para o reconhecimento dos danos causados por abuso sexual na infância.

Com a progressão de pena, uma grande parte de pessoas sobreviventes de abuso e as que hoje são vítimas têm sido lesadas e retraumatizadas.

Por conta disso, quem saberá quantas crianças correm o risco de novamente serem abusadas e quantas já se encontram emocionalmente isoladas ao ter que carregar a promessa do segredo, como do maníaco que tenho por pai?

As pessoas precisam se dar conta da importância e da urgência de acabarmos  com pedofilia, seja na igreja ou em nossos lares, e de fazer as pessoas perceberem como isso afeta uma nação.

Ajude a exigir mudanças na Constituição brasileira.

O poder está na união das pessoas! Todos nós podemos reagir!

Obrigada, em nome das vítimas e sobreviventes de abuso sexual na infância.

R-Evolução Anti Pedofílicos, site da sobrevivente.

Comentários

Anônimo disse…
Elisabeth, deixo aqui a minha solidariedade e admiração pela grandeza de sua luta para que outras pessoas não tenham de sofrer o tanto que você ainda sofre. Um exemplo a ser seguido.
Anônimo disse…
Solidarizo com Elizabeth mas tenho pontos a levantar:
Austrália? O país mais paranóico depois da Inglaterra sobre esse assunto? Onde a internet está sendo censurada e a liberdade e privacidade dos cidadãos ameaçada devido a um punhado de pedófilos? Em que você não pode ver uma mulher jovem e de seios pequenos numa publicação poe ser censurado e você será vigiado pelas autoridades como um "pedófilo em potencial"?
Até onde sei, pedofilia existe desde os primórdios, são pessoas como qualquer outra, mas é necessário ponderar que nem toda relação adulto x criança é abuso. A cultura ocidental e muitos dos seus valores morais, ainda vê o sexo como pecado e errado, e crianças como seres não pensantes. Mas com a revolução da educação e campanhas corretas é necessário ensinar-las o que é abuso ou não, evitando simplismente dizer "isso é errado e pronto", como um dogma religioso. Daqui a pouco, um mero beijo no rosto será considerado crime se for seguindo esse politicamente correto.
Não que esteja apoiando a pedofilia, mas convenhamos, tá ficando paranóico.
P. Lobo disse…
Anônimo das 19:50: o seu comentário aqui está fora do contexto.Porque a Elizabeth relata o caso dela e faz um alerta para que o mesmo não ocorra com outras pessoas. E não se trata -- não sei se você entendeu -- de "simples beijo no rosto".

Neste momento de denúncias fundamentadas em todo o mundo, principalmente no que diz respeito aos sacerdotes, generalizações como a sua podem inibir o combate aos pedófilos.

Sei, claro, que esse não é seu objetivo. Mas, reforço, você foi inoportuno.
Anônimo disse…
Porque inoportuno? Porque penso racionalmente e analiso e questiono a tempestade por um comportamento sexual considerado imoral pela sociedade? Porque um tio da prima do vizinho foi abusado por um padre e esse se tornou um? É quase como dizer que gays foram abusados na infância e se tornaram assim.
Lamento caro P. Lobo, mas mazelas da sociedade combatidas pelo passional só dá coisas erradas, inclusives contra os direitos humanos.
P. Lobo disse…
Anônimo das 22:12: não seja tão passional... (rs)

Mas não se preocupe: o passional não exclui o racional, porque ambos se combinam.

Muitas vezes, é o passional que dispersa o racional, como no caso da Elizabeth, e vice-versa.

Assim é a natureza humana, sabia?
Anônimo disse…
É vero. E isso é complicado. Veja o caso das pulseirinhas. As autoridades acham que proibir a venda ou o uso dela pelos adolescentes vai impedir estupros e abusos. Houve muito racional nessa decisão?
O caso de Elisabeth acima apela para o passional quando quer vincular o seu abuso com os padres pedófilos da igreja. Dá a entender que a igreja é a culpada pelo seu sofrimento, não o molestador. É como uma transferência de culpa.
Anônimo disse…
Parece que o anônimo acima não conseguiu assimilar o que ela diz sobre:
"Reconheci então que era meu dever alertar as pessoas para proteger novas vítimas de meu pai. Me dei conta de que eu não me perdoaria se, no fim de sua vida, eu percebesse que desperdicei a oportunidade de reivindicar meus direitos de levá-lo a enfrentar as consequências de seus atos."
Tem gente que simplesmente distorce tudo.
Anônimo disse…
Gente, o que aconteceu com esta moça, poderia ter acontecido com qualquer pessoa, e com certeza deixa marcas profundas, principalmente na alma, isto pode desencadear varios problemas mentais principalmente transtorno de personalidade, infelizmente o mundo fecha os olhos para este problema. Para opinar é bom conhecer e conversar com um adulto que ja passou por este trauma, e tentar se colocar no lugar...
Infelizmente, todos querem opinar sem saber o tamanho desta dor...
tente se colocar no lugar de algum que perdeu os dois braços, ou as duas pernas.... este ate conseguiram achar algum força para seguir a vida, mais sempre vao saber que poderiam ser melhores se ainda tivesse os membros com eles...
um adulto que sofre pedofilia, sempre vai arrumar força para tentar esquecer este trauma que esta marcado na alma.... mas nunca vai conseguir ter um relacionamento a dois, por que seu subconciente tras estas memorias de violação....
Anônimo disse…
"Muitos dos pedofílicos agravaram suas compulsões sexuais porque foram expostos a abusos ou se envolveram nessas práticas durante preparação para a carreira religiosa.

Ao desistirem dessa carreira, muitos desses ex-seminaristas e ex-padres constituíram famílias. E um vasto número deles passou a abusar de suas próprias crianças e de outras de seu círculo de confiança de parentes e amizades.

Meu pai foi um desses seminaristas."

O anonimo da 07:16 não lê o começo do texto, e não vê que o que cita é o passional. Aprenda a analisar um texto.
Anônimo disse…
"um adulto que sofre pedofilia, sempre vai arrumar força para tentar esquecer este trauma que esta marcado na alma.... mas nunca vai conseguir ter um relacionamento a dois, por que seu subconciente tras estas memorias de violação..."
Anon 10:51, cuidado com os "sempres" e "nuncas", não são todos que consideram o ato sexual que fizeram na infância imoral. Transei bem jovem com alguem mais velha, e nunca me senti abusado. Pelo contrário...
Pangéia disse…
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse…
Anon. 20:35, quer dizer que ser abusado é ser penetrado? Sua concepção de abuso é falha. Se fosse assim, pedófilas não seriam presas, já que elas foram "penetradas", ou pederastras que assumem a passividade. Não comentei idades, e nem devia falar desse meu lado privado, mas eu tinha 11, na concepção de muitos, uma criança. Aparelhos sexuais variam de pessoa pra pessoa, e ser violentado na zona anal sem lubrificante, dá pra imaginar a dor sim, colega...
Gostaria de pedir com muito carinho, sem desmerecer o trauma de ninguém e nem minimizar a extensão dos abusos que algumas pessoas foram expostas, que não fizessem deste espaço uma demonstração de práticas sexuais explícitas. Não é objetivo de meu depoimento, encorajar este tipo de discussão.
Por favor, entendam que muitos sobreviventes podem reviver lembranças e sentimentos muito desagradáveis com isso. Assim como esperamos respeito dos outros, devemos da mesma forma respeitar estes limites para com outros.
Abuso sexual na infância, diz muito mais respeito a traição da confiança de quem esparavamos respeito, do que com detalhes de sexo em si, pois criança não sabe ainda o que é sexo.
Trata-se do assalto da inocência da pessoa em fase vulnerável de sua vida, que acontece com desequilibrio de poderes e de desigualdade de escolha da parte de quem é abusado.
Estarei publicando em breve na página do GAS (GRUPO DE AJUDA A SOBREVIVENTES) vários textos educativos para quem estiver interessado em aprender mais a respeito.
Deixo meu agradecimento e também minha solidariedade aos que aqui têm se manifestado por esta causa que é de tantos.
Anônimo disse…
Sim, cara Elizabeth, o trauma é seu, eu entendo, mas porque colocar os padres pedófilos no meio de seu drama? O fato de seu pai ter sido seminarista não implica que saia de lá um pedófilo. É como dizer que todo padre é pedófilo e todo ateu é imoral. Acredito que o fim do celibatro SIM acaba com essa incidência enorme de abusos, e a questão de formação cultural de nossas crianças tem que acabar com certas "inocências", para que tenham consciência do que pode ocorrer a elas seja abuso ou não, não apenas endurecimento de leis que foge ao direito da liberdade e privacidade, como ocorre na Austrália e muitos países. Ou acha que aumento de pena vai diminuir o número de abusadores sexuais? Ou interpretações draconianas de que até jovens praticando sexo entre si também são abusos, como aquela psicóloga que "curava" gays afirmava?
Anônimo disse…
Do site da Elisabeth:
"O que existe por trás de tanto sigilo sobre a divulgação do nome de Rogério Nonnenmacher na midia? Dinheiro. Muito dinheiro.

Poder econômico, nomes importantes e muita vergonha já silenciaram as maiores fraudes da história. A disputa pela liderança de poder econômico e político mundial, patrocinou uma das maiores mentiras do século, fazendo até com que as pessoas acreditassem que o homem tenha pisado na lua em 1969!"

Parei aqui.
P. Lobo disse…
O fato de a Elisabeth desacreditar que o homem tenha pisado na lua não significa que o abuso tenha sido inexistente, não é mesmo, anônimo das 17:16?

A Elisabeth, inadvertidamente, misturou uma coisa com outra, e você, anônimo, abusou disso.
Paulo Lopes disse…
Fechei a área de comentários deste post porque a discussão estava tomando um rumo despropositado em relação ao depoimento da Elisabeth.

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